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18 de out. de 2010

Bem-aventurados os Pobres de Espírito porque deles é o reino dos céus”. Mat. 5:2Porquanto qualquer que a si mesmo se exaltar será humilhado, e aquele que a si mesmo se humilhar será exaltado.” (Lucas 14:11)Semelhantemente vós, jovens, sede sujeitos aos anciãos; e sede todos sujeitos uns aos outros e revesti-vos de humildade, porque Deus resiste aos soberbos, mas dá graça aos humildes. 1 Pedro 5:5Nada façais por contenda ou por vanglória, mas por humildade; cada um considere os outros superiores a si mesmo. Filipenses 2:3Humilhai-vos, pois, debaixo da potente mão de Deus, para que, a seu tempo, vos exalte, 1 Pedro 5:6Revesti-vos, pois, como eleitos de Deus, santos e amados, de entranhas de misericórdia, de benignidade, humildade, mansidão, longanimidade, Colossenses 3:12O temor do SENHOR é a instrução da sabedoria, e diante da honra vai a humildade. Provérbios 15:33


"Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus"
 

As pessoas ao ouvirem: "Bem-aventurados...", logo fizeram conexão com algumas das citações bíblicas. Será que Ele comentará um dos Provérbios? Será que ele citou Salmos? Ou a abordagem dele será extraída da lei?

A bem-aventurança é um tema que prendeu a atenção dos ouvintes de Jesus e em nossos dias ainda cria expectativa nos leitores. Afinal, quem não quer ser bem-aventurado?

Quando Jesus complementa: "Bem-aventurados OS POBRES..." a mensagem toca ainda mais os ouvintes. Esta seria uma mensagem inesquecível, pois tocou a emoção do povo: "Será uma revolução social? É agora que alcançaremos a hegemonia política e a paz prometida?".

A promessa de alegria aos pobres é plenamente compreensível, mas o que entender do qualificativo adicionado ao substantivo pobre? "Bem-aventurados os pobres de espírito...". Quem são os pobres de espírito?
Jesus estava rodeado de pobres de várias cidades circunvizinhas. Se a mensagem fosse somente: 'bem-aventurados os pobres', ela seria aceita e ovacionada pela multidão! Jesus teria conquistado os seus ouvintes e mais seguidores. Mas, como um povo que professava 'a melhor' religião, com princípios éticos e morais intocáveis e que se consideravam filhos de Abraão  poderia aceitar ou reconhecer ser um 'pobre de espírito'?
Como alguém observador da lei reconheceria a condição de pobreza espiritual?
No Antigo Testamento não consta o conceito 'pobre de espírito'. Mas, Aquele que representava uma esperança de mudança na condição do povo, apresenta um novo conceito e uma necessidade de reconhecer uma condição que caracteriza os pecadores ou os incircuncisos. Como um filho de Abraão poderia reconhecer que era pobre de espírito?
Jesus completou a frase: "...porque deles é o reino dos céus". Muitos se perguntaram: De quem é o reino dos céus? Dos pobres de espírito?
Além do mais, o povo estava a procura de curas, de pães, de peixes, de um reino terreno, mas Jesus estava falando de um outro reino: do reino dos céus!
Onde fica este reino? O que é o reino dos céus?
Para responder essas perguntas devemos observar a mensagem que foi anunciada desde o nascimento de Cristo: "E, naqueles dias, apareceu João batista pregando no deserto da Judéia, e dizendo: Arrependei-vos, porque é chegado o reino dos céus" ( Mt 3:1 Tooltip -2); "Desde então começou Jesus a pregar, e a dizer: arrependei-vos, porque é chegado o reino dos céus" Mt 4: 17.
Verifica-se que o reino dos céus diz da pessoa de Cristo, como profetizou Isaias e reafirmou João Batista:"Porque este é o anunciado pelo profeta Isaias, que disse: Voz do que clama no deserto: Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas" ( Mt 3:3 Tooltip ).
Quando Jesus disse: "Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus", Ele não estava denunciando a moral do povo. Ele não estava apregoando um reino humano ( Jo 18:36 Tooltip ). Também não estava em busca de uma melhoria na condição socioeconômica do povo ( Jo 12:8 Tooltip ). Antes Jesus estava se apresentando ao povo por parábolas.
Com a sua mensagem, Jesus expôs ao povo que Ele é o acesso ao reino dos céus, e que todos aqueles que reconhecessem que eram pobres de espírito, estes seriam bem-aventurados. Àqueles que reconhecessem a precária condição espiritual que se encontravam, pertenciam o reino dos céus, que é Cristo. Eles precisavam reconhecer que eram necessitados espiritualmente.
Enquanto queriam pão, Jesus estava apresentado o pão vivo que desceu dos céus. Enquanto buscavam um reino, Jesus estava lhes abrindo a porta do reino dos céus. A relutância em aceitar a condição de necessitados espiritualmente persistiu até mesmo entre os discípulos que criam nele: "Responderam eles (os judeus que criam nele): somos descendentes de Abraão, e jamais fomos escravos de ninguém" ( Jo 8:31 Tooltip -33).
Eles acreditavam estar abastados espiritualmente por serem descendentes de Abraão. Ao se auto proclamarem como filhos de Abraão, os judeus estavam cônscios de que eram filhos de Deus ( Jo 8:41 Tooltip ). Ser filho de Abraão para eles era o mesmo que ter a filiação divina. Por isso João Batista disse que das pedras Deus poderia fazer filhos para si. Em razão desta crença os judeus não admitiam que eram escravos de ninguém, uma vez que se admitissem ser escravos, era o mesmo que admitir que alguém havia conquistado o próprio Deus ( Jo 8:33 Tooltip ).

Os Pobres de espírito (Mt 5. 3) - John Stott


O Velho Testamento fornece os antecedentes necessários para a interpretação desta bem-aventurança. No princípio, ser "pobre" significava passar necessidades literalmente materiais. Mas, gradualmente, porque os necessitados não tinham outro refúgio a não ser Deus,  a "pobreza" recebeu nuances espirituais e passou a ser identificada como uma hu¬milde dependência de Deus. Por isso o salmista intitulou-se "este aflito" que clamou a Deus em sua necessidade, "e o Senhor o ouviu, e o livrou de todas as suas tribulações".  O "aflito" (homem pobre) no Velho Testamento é aquele que está sofrendo e não tem capacidade de salvar-se por si mesmo e que, por isso, busca a salvação de Deus, reconhecendo que não tem direito à mesma. Esta espécie de pobreza espiritual foi especialmente elogiada em Isaías. São "os aflitos e necessitados", que "buscam águas, e não as há", cuja "língua se seca de sede", aos quais Deus promete abrir "rios nos altos desnudos, fontes no meio dos vales" e tornar "o deserto em açudes de águas, e a terra seca em mananciais".  O "pobre" também foi descrito como "o contrito e abatido de espírito",  para quem Deus olha (embora seja "o Alto, o Sublime, que habita a eternidade, o qual tem o nome de Santo"), e com quem se deleita em habitar.  É para esse que o ungido do Senhor proclamaria as boas novas da salvação, uma profecia que Jesus conscientemente cumpriu na sinagoga de Nazaré: "O Espírito do Senhor está sobre mim, porque o Senhor me ungiu, para pregar boas-novas aos quebrantados."  Mais ainda, os ricos inclinavam-se a transigir com o paganismo que os rodeava; eram os pobres que permaneciam fiéis a Deus. Por isso, a riqueza e o mundanismo, bem como a pobreza e a piedade, andavam juntas.

Assim, ser "humilde (pobre) de espírito" é reconhecer nossa pobreza espiritual ou, falando claramente, a nossa falência espiritual diante de Deus, pois somos pecadores, sob a santa ira de Deus, e nada merecemos além do juízo de Deus. Nada temos a oferecer, nada a reivindicar, nada com que comprar o favor dos céus.

"Nada em minhas mãos eu trago, Simplesmente à tua cruz me apego; Nu, espero que me vistas; Desamparado, aguardo a tua graça; Mau, à tua fonte corro; Lava-me, Salvador, ou morro."
Esta é a linguagem do pobre (humilde) de espírito. Nosso lugar é ao lado do publicano da parábola de Jesus, clamando com os olhos baixos: "Deus, tem misericórdia de mim, pecador!" Como Calvino escreveu: "Só aquele que, em si mesmo, foi reduzido a nada, e repousa na misericórdia de Deus, é pobre de espírito."

Esses, e tão somente esses, recebem o reino de Deus. Pois o reino de Deus que produz salvação é um dom tão absolutamente de graça quanto imerecido. Tem de ser aceito com a dependente humildade de uma criancinha. Assim, bem no começo do Sermão do Monte, Jesus contradisse todos os juízos humanos e todas as expectativas nacionalistas do reino de Deus. O reino é concedido ao pobre, não ao rico; ao frágil, não ao poderoso; às criancinhas bastante humildes para aceitá-lo, não aos soldados que se vangloriam de poder obtê-lo através de sua própria bravura. Nos tempos de nosso Senhor, quem entrou no reino não foram os fariseus, que se consideravam ricos, tão ricos em méritos que agradeciam a Deus por seus predicados: nem os zelotes, que sonhavam com o estabelecimento do reino com sangue e espada; mas foram os publicanos e as prostitutas, o refugo da sociedade humana, que sabiam que eram tão pobres que nada tinham para oferecer nem para receber. Tudo o que podiam fazer era clamar pela misericórdia de Deus; ele ouviu o seu clamor.

Talvez o melhor exemplo desta mesma verdade seja a igreja nominal de Laodicéia, à qual João recebeu ordem de enviar uma carta do Cristo glorificado. Ele citou as complacentes palavras dela, e acrescentou o seu próprio comentário: "Pois dizes: Estou rico e abastado, e não preciso de cousa alguma, e nem sabes que tu és infeliz, sim, miserável, pobre, cego e nu."  Esta igreja visível, apesar de toda a sua profissão cristã, não era de modo algum verdadeiramente cristã. Auto-satisfeita e superficial, era composta (de acordo com Jesus) de cegos e mendigos nus. Mas a tragédia era que não o admitiam. Eram ricos, não pobres, de espírito.

Ainda hoje, a condição indispensável para se receber o reino de Deus é o reconhecimento de nossa pobreza espiritual. Deus continua despedindo vazios os ricos.  Como disse C. H. Spurgeon: "Para subirmos no reino é preciso rebaixarmo-nos em nós mesmos."

Jonathan Edwards




C. J. Mahaney - Humildade, Verdadeira Grandeza

A humildade atrai a atenção de Deus. Em Isaías 66.2 lemos as seguintes palavras do Senhor:
O homem para quem olharei é este: o aflito e abatido de espírito e que treme da minha palavra.
Esta profunda passagem nos direciona a uma motivação e a um propósito totalmente diferente a respeito da humildade. Uma motivação e um propósito que jamais encontraremos nas páginas de um manual de negócios. Nessa passagem, encontramos motivação e propósito alicerçados no impressionante fato de que a humildade atrai o olhar de nosso Soberano Deus.

Se entendermos as circunstâncias em que esta passagem foi escrita, encontraremos um significado ainda mais rico. Aqui, Deus se dirige aos israelitas, um povo com uma identidade única. Escolhidos por Deus, dentre todas as nações da terra, eles possuíam tanto o templo quanto a Torá – a Lei de Deus. Mas, não tremeram da palavra de Deus. Em certo sentido, eles tinham tudo a seu favor, exceto o mais importante. Eles não eram humildes diante de Deus.

Então, nessa passagem, Deus, em sua misericórdia, tira a atenção dos israelitas da orgulhosa suposição de serem privilegiados como escolhidos de Deus, e da preocupação que eles tinham com os adornos da religião. Estas coisas não atraem seu olhar ativo e gracioso, mas a humildade o faz.

Os olhos de Deus constituem um tema por toda a Escritura. Veja, por exemplo, as palavras de 2 Crônicas 16.9: “Porque, quanto ao Senhor, seus olhos passam por toda a terra, para mostrar-se forte para com aqueles cujo coração é totalmente dele”. Obviamente, Deus não tem olhos físicos; “Deus é espírito” (João 4.24). Ele não precisa de olhos físicos porque é onisciente. Nada escapa à sua atenção. Ele está ciente de todas as coisas.

No entanto, embora conheça tudo, Ele procura por algo em particular, algo que atue como um ímã para capturar sua atenção, e O convide a se envolver conosco de forma ativa. Deus é, decididamente, atraído pela humildade. Uma pessoa humilde é aquela que atrai a atenção de Deus, e, neste sentido, atrair a atenção dEle também significa atrair sua graça – sua bondade imerecida. Pense nisto: há uma coisa que você pode fazer para atrair mais da força e ajuda graciosa, imerecida e sobrenatural de Deus!

Que promessa! Atente mais uma vez para esta passagem tão conhecida: “Deus... dá graça aos humildes” (Tiago 4.6). Ao contrário do que algumas pessoas acreditam, Deus não auxilia “os que ajudam a si mesmos”, mas os que se humilham.

Essa é a promessa da humildade. Deus é, pessoal e providencialmente, defensor dos humildes. E a graça que Ele estende aos humildes é indescritivelmente valiosa. Jonathan Edwards escreveu: “Os prazeres da humildade são os mais refinados, íntimos e primorosos deleites no mundo”. O propósito deste livro é ajudá-lo a receber e experimentar esses excelentes prazeres.




O que é Humildade – John Piper

EM 1908, O ESCRITOR INGLÊS G. K. CHESTERTON descreveu o embrião da cultura que hoje chamamos de pós-modernismo. Este já é um termo desgastado. Algum dia, os leitores o pesquisarão em um livro de História. Uma das características de seu "relativismo vulgar" (conforme o chama Michael Novak)  é o erro grave de tomar a palavra arrogância para referir-se à convicção e humildade para referir-se à dúvida. Chesterton viu a chegada do pós-modernismo:

O que sofremos hoje é de humildade no lugar errado. A modéstia se afastou do setor da ambição e se estabeleceu na área das convicções, o que nunca deveria ter acontecido. Um homem devia mostrar-se duvidoso a respeito de si mesmo, mas não a respeito da verdade; isto foi invertido completamente. Hoje, aquilo no qual o homem confia é exatamente aquilo em que ele não deveria confiar — nele mesmo. Aquilo que ele duvida é exatamente o que ele não deveria duvidar — a razão divina... O cético moderno propõe ser tão humilde que duvida se pode aprender... Existe uma humildade característica de nossa época; acontece, porém, que ela é uma humildade mais venenosa do que as mais severas prostrações dos ascéticos... A velha humildade fazia que o homem duvidasse de seus esforços, e isto, por sua vez, o levaria a trabalhar com mais empenho. Mas a nova hu¬mildade torna o homem duvidoso a respeito de seus alvos; e isto o faz parar de trabalhar completamente... Estamos a caminho de produzir uma raça de homens tão mentalmente modestos que serão incapazes de acreditar na tabuada de multiplicação.

Vemos isso, por exemplo, no ressentimento para com os crentes que expressam a convicção de que os judeus (como as outras pessoas) precisam crer em Jesus, para serem salvos. A reação mais comum a esta convicção é que os crentes são arrogantes. A humildade contemporânea está firmemente arraigada no relativismo que evita conhecer a verdade e especificar o erro. Mas isto não é o que a humildade costumava significar.

Se a humildade não é aquiescência às exigências populares do relativismo, então, o que é humildade? Isto é importante, pois a Bíblia diz: "Deus resiste aos soberbos, contudo, aos humildes concede a sua graça" (1 Pe 5.5); e: "Pois todo o que se exalta será humilhado; e o que se humilha será exaltado" (Lc 14.11). A humildade, portanto, é sobremodo importante. Deus nos diz pelo menos cinco coisas a respeito da humildade:

1.       A humildade começa com um senso de submissão a Deus, em Cristo. "O discípulo não está acima do seu mestre, nem o servo, acima do seu senhor" (Mt 10.24). "Humilhai-vos, portanto, sob a poderosa mão de Deus" (1 Pe 5.6).

2.       A humildade não sente que tem o direito de receber melhor tratamento do que o tratamento dado a Je¬sus. "Se chamaram Belzebu ao dono da casa, quanto mais aos seus domésticos?" (Mt 10.25.) Por conse¬guinte, a humildade não paga o mal com o mal. Não é uma vida baseada nos direitos percebidos. "Cristo sofreu em vosso lugar, deixando-vos exemplo para seguirdes os seus passos... quando maltratado, não fazia ameaças, mas entregava-se àquele que julga re-tamente" (1 Pe 2.21-23).


3. A humildade afirma a verdade não para apoiar o "eu" com o domínio e triunfos dos debates, mas como um serviço prestado a Cristo e expressão de amor para com o adversário. O amor "regozija-se com a verdade" (1 Co 13.6). "O que vos digo às escuras... Não temais" (Mt 10.27,28). "Não nos pregamos a nós mesmos, mas a Cristo Jesus como Senhor e a nós mesmos como vossos servos, por amor de Jesus" (2 Co 4.5).


4.       A humildade sabe que depende da graça de Deus para conhecer e crer. "Que tens tu que não tenhas recebido? E, se o recebeste, por que te vanglorias, como se o não tiveras recebido?" (1 Co 4.7.) "Acolhei, com mansidão, a palavra em vós implantada, a qual é poderosa para salvar a vossa alma" (Tg 1.21).


5.       A humildade sabe que é falível; por isso, reflete sobre o criticismo e aprende dele. Mas também sabe que Deus fez provisão para a convicção humana e nos convoca a persuadir os outros.


Agora, vemos como em espelho, obscuramen¬te; então, veremos face a face. Agora, conheço em parte; então, conhecerei como também sou conhecido (1 Co 13.12).
O sábio dá ouvidos aos conselhos (Pv 12.15).

Conhecendo o temor do Senhor, persuadimos os homens (2 Co 5.11).

Ó Pai, quanto depender de nós, Humilhamo-nos sob a tua poderosa mão. Padece-Te de nós, na luta contra o orgulho, E ajuda-nos a mortificar tudo o que é arrogante E que exalta o "eu", em nossa vida. Mostra nosso total desamparo sem Ti E a doçura de tua misericórdia imerecida. Faze-nos andar em humildade e contrição de espirito. E faze-nos conhecer a grandeza de Cristo. Em nome dEle  oramos. Amém.




Só os Humildes Podem ter Certeza - Martyn Lloyd-Jones


O que, pois, pode assegurar-nos de que a nossa certeza é verdadeira? Eis aqui as características de uma certeza genuína: primeira, final e perene - humildade. Os cristãos que possuem a verdadeira certeza não dizem que esta é uma vida boa e divertida, nem que estão desfrutando muito dela. Não, e não! Existe sempre um espírito de humildade nos filhos de Deus, visto que sabem o que são e que tudo devem a Ele. Se sua certeza não os torna humildes, então rogo a vocês que examinem novamente as bases. Voltem às Escrituras. A verdadeira certeza sempre produz humildade. Ela tem também um efeito prático sobre o caráter e o viver. Ela conduz ao gênero de vida retratado na Primeira Epístola de João.

Outra excelente prova é esta: se vocês se descobrem fazendo um autoexame, esse é um sinal de uma certeza genuína. As pessoas que cultivam uma falsa certeza não gostam de autoexame; obviamente que não, porquanto ele as fará infelizes, ele irá estremecê-las, e não querem isso. Mas as pessoas que possuem a genuína certeza se preocupam tanto em ser absolutamente corretas, que se põem a examinar-se. Paulo diz: "Antes subjugo o meu corpo... para que, depois de pregar a outros, eu mesmo não venha a ficar reprovado" (1 Cor. 9:27). Ele se autoexaminava constantemente, e em 2 Coríntios 13:5 ele exorta os coríntios: "Examinai-vos a vós mesmos se permaneceis na fé; provai-vos a vós mesmos". E o cristão é feliz em proceder assim. Em 1 Pedro, capítulo 4, somos informados:"Porque já é tempo que comece o julgamento pela casa de Deus... E se o justo dificilmente se salva, onde comparecerá o ímpio pecador?" (vv. 17,18).

Ora, os verdadeiros cristãos andam em reverência e piedoso temor. Não existe neles jovialidade carnal; são pessoas humildes que andam na luz dessas verdades. E, acima de tudo, aqueles que possuem verdadeira certeza estão sempre se esforçando para uma conformidade mais estreita com Cristo. "Para conhecê-lo", diz Paulo, "e o poder da sua ressurreição e a participação dos seus sofrimentos, conformando-me a ele na sua morte... não julgo que o haja alcançado; mas uma coisa faço, e é que, esquecendo-me das coisas que atrás ficam, e avançando para as que estão adiante, prossigo para o alvo pelo prêmio da vocação celestial de Deus em Cristo Jesus" (Fil. 3:10,13,14). E o cristão está sempre fazendo assim. As pessoas que possuem a verdadeira certeza têm sempre um crescente desejo de ser mais e mais semelhantes a Ele. Sim, diz João, "E todo o que nele tem esta esperança, purifica-- se a si mesmo, assim como ele é puro" (1 João 3:3).

Finalmente, ouçam a Whitefield descrever como sua extraordinária certeza, esse testemunho direto do Espírito, lhe foi concedido. Ele estivera buscando esta certeza por longo tempo, e então caiu enfermo. Escreve:

Este ataque de enfermidade continuou por sete semanas, e ela me foi uma gloriosa visitação, pois o bendito Espírito esteve todo esse tempo purificando minha alma. Todos os pecados grosseiros e notórios, e até mesmo minha pecaminosidade mais profunda, estavam agora postos diante de mim nitidamente, dos quais fiz algumas anotações imediatamente, e os confessei diante de Deus de manhã e à noite. Ainda que enfraquecido, às vezes gastava duas horas em meu recolhimento crepuscular, e orava sobre meu Testamento grego e sobre as mais excelentes contemplações do bispo Hall, a todo momento que minha saúde permitia. Perto do fim de sete semanas, e após ter gemido sob uma inexprimível pressão, tanto do corpo quanto da mente, por mais de um ano, aprouve a Deus libertar-me da seguinte maneira. Certo dia, percebendo uma incomum secura e uma desagradável viscosidade em minha boca, e usando coisas para amenizar minha sede, porém em vão, veio-me à mente que, quando Jesus Cristo clamou: "Tenho sede", Seus sofrimentos chegavam ao fim. Nisso eu me senti debilitado no leito, clamando: "Tenho sede, tenho sede". Logo após isso, descobri que minha saúde havia voltado, que me libertara do peso que tão fortemente me oprimia. De manhã, o espírito de lamentação foi retirado de mim, e eu sabia o que significava realmente regozijar-me em Deus meu Salvador, e por algum tempo não podia deixar de cantar salmos onde quer que eu estivesse. Minha alegria, porém, gradualmente se tornava mais sólida, e, bendito seja Deus, tem permanecido e aumentado em minha alma, salvo uns poucos intervalos casuais desde então.




A fé e a humildade– (Sermão) – C. H. Spurgeon -

/ On : 13:55/ SOLA SCRIPTURA - Se você crê somente naquilo que gosta no evangelho e rejeita o que não gosta, não é no Evangelho que você crê,mas, sim, em si mesmo - AGOSTINHO.

- Domingo de manhã, 15 de Março de 1868 -

"Jesus foi com eles. Já estava perto da casa quando o centurião
mandou amigos dizerem a Jesus: 'Senhor, não te incomodes,
pois não mereço receber-te debaixo do meu teto. Por isso,
nem me considerei digno de ir ao teu encontro. Mas dize uma palavra,
e o meu servo será curado. Pois eu também sou homem sujeito
a autoridade, e com soldados sob o meu comando. Digo a um:
Vá, e ele vai; e a outro: Venha, e ele vem. Digo a meu servo:
Faça isto, e ele faz'" (Lc 7.6-8).


A maior luz pode entrar nos lugares mais escuros. Podemos achar as flores mais seletas desabrochando onde menos se espera. Aqui havia um gentio, um romano, um soldado - oficial militar revestido de poder absoluto -, porém, um patrão terno, um cidadão com consideração, um homem que amava a Deus! Que ninguém, portanto, seja desprezado por causa da carreira que segue, e que o provérbio "Poderá algum bem vir de Nazaré?" nunca seja ouvido dos lábios de um sábio. As melhores pérolas foram achadas nas cavernas mais escuras do oceano. Por que não continua hoje a situação de Deus ter alguns, mesmo em Sardes, que andarão diante de Cristo, vestido de branco, por serem dignos? Que ninguém pense que, por causa da sua alta posição na sociedade, não pode sobrepujar as virtudes. Não é a situação que deve ser culpada, mas o homem. Se o seu coração estiver certo, a situação pode ser difícil, mas a dificuldade pode ser superada; sim, e do meio daquela dificuldade surgirá uma excelência que, de outra forma, você não teria conhecido. Não diga no seu coração: "Sou soldado, e o ambiente da caserna não contribui para a religião; por isso, vou viver como bem quero, posto que não consigo viver como deveria." Não diga: "Sou operário no meio daqueles que blasfemam, e por isso seria em vão falar em santidade e religião." Não, pelo contrário, lembre-se de que é seu dever especial, não tanto falar dessas coisas preciosas, mas vesti-las pessoalmente, dia após dia, como seu ornamento normal. Onde a lâmpada deve ser colocada, senão no aposento que, de outra forma, ficaria no escuro? Você pode ter a certeza de que a sua profissão e a sua posição não servirão de desculpa pelos seus pecados, se continuar neles nem a sua condição servirá como defesa para a sua falta de integridade e de virtude, se estas não forem achadas em você.

Quanto ao centurião, podemos observar que talvez nunca tivéssemos ouvido falar a seu respeito, embora ele amasse seu servidor; talvez nunca tivéssemos lido o seu nome, embora cuidasse com ternura da saúde do seu escravo; é possível que não tivesse achado nenhum lugar no registro inspirado, embora amasse a nação dos judeus e construísse uma sinagoga para eles; nem teríamos lido a história da sua vida, embora ele tivesse se tornado prosélito da fé judaica - a única coisa que lhe concedeu uma vaga nessas páginas sagradas é esta: ele acreditava no Messias, ele tinha tanta fé no Filho de Deus que Jesus disse a seu respeito: "Nem em Israel encontrei tamanha fé." Aí está a questão vital. Eis, meus irmãos, o assunto digno de nota, que os arrolarão entre os bem-aventurados. Se você crê em Jesus Cristo, o Filho de Deus, seu nome está escrito no livro da vida do Cordeiro, mas se você não crê nele, as excelências externas que você tem, por mais admiráveis que sejam, serão de pouco proveito para você.

A fé do centurião é descrita tanto no capítulo 8 de Mateus, quando no capítulo de Lucas que temos diante de nós, em termos de ser essa fé do tipo mais sublime, e o aspecto mais notável que ela tem é que se associava com a humildade mais profunda. O mesmo homem que disse "Dize uma palavra, e o meu servo será curado" também disse "Não mereço receber-te debaixo do meu teto". Ao apresentar diante de você o exemplo desse soldado nobre, nosso sermão girará nesses dois pivôs. Vou dirigir a atenção de vocês a essa estrela dupla, que brilha com suave esplendor nos céus das Escrituras: A profunda humildade desse homem não diminuía a força da sua fé, e sua fé gigantesca não era, de modo algum, hostil à sua profunda humilhação.
I. Começando, portanto: a humildade do centurião não diminuía a força da sua fé.

Observe suas expressões de humildade - declarou não ser digno de ir até Jesus. Disse ele: "Nem me considerei digno de ir ao teu encontro"; e, ainda, achava que não era digno que Jesus fosse até ele. "Não mereço receber-te debaixo do meu teto." Essa humilhação de si mesmo foi ocasionada pela lembrança de ser ele um gentio? Isso pode ter contribuído para a sua atitude. Foi porque se sentia arrependido por causa de diversos atos brutais e grosseiros que tivessem manchado sua vida de soldado? É possível que seja assim. Mas tudo isso não surgira, muito mais, porque ele tinha profundo discernimento do seu próprio coração, e aprendera a enxergar a verdadeira natureza do pecado; e, por isso, o centurião que era digno, segundo a declaração dos judeus, era muito indigno no seu próprio conceito?

Você pode ter notado na biografia de alguns personagens eminentes como eles se depreciam. Southey, na sua Vida de Bunyan, parece sentir dificuldade em entender como Bunyan usou uma linguagem tão depreciadora a respeito do seu próprio caráter. É verdade, afinal de contas, que segundo o que sabemos da biografia dele, ele não era em nada tão mau como a maioria dos aldeões, a não ser no caso de proferir tantos palavrões profanos. Pelo contrário, havia nesse homem algumas virtudes que mereciam a maior aprovação. Southey atribui essa atitude a um estado mental mórbido, mas nós, pelo contrário, a atribuímos a uma volta da saúde espiritual. Se o poeta excelente (Southey) tivesse enxergado a si mesmo na mesma luz celestial que iluminou Bunyan, teria descoberto que Bunyan não exagerara, mas simplesmente declarara, dentro das suas capacidades, uma verdade que superava, em muito, seus poderes de expressão verbal. A grande luz que brilhou ao redor de Saulo de Tarso foi a tipificação exterior daquela luz interior, mais brilhante do que o sol, que entra raiando na alma regenerada, e revela o caráter horrível do pecado que habita no interior. Acredite em mim: quando você escuta crentes fazerem confissões abjetas, não se trata de serem piores do que outras pessoas, mas é que se enxergam numa luz mais clara do que as demais; e a indignidade (ou falta de merecimento) desse centurião, não era por causa de ele ter sido mais perverso do que outros homens - pelo contrário, fica claro que ele tinha sido muito mais virtuoso do que era corriqueiro na humanidade -, mas porque enxergava o que outras pessoas não enxergavam e sentia o que outras pessoas não sentiram.
Por mais profunda que fosse a contrição desse homem, por mais assoberbante que fosse seu senso da sua total falta de merecimento, ele não duvidou, nem por um momento sequer, do poder de Cristo, e da vontade de Cristo, para fazer essa cura. Certo leproso dissera, em ocasião anterior: "Se tu quiseres", mas o centurião tinha tão nítida consciência da vontade de Cristo de aliviar a humanidade sofredora, que nem lhe ocorre colocar a questão em pauta. Já havia muito tempo, ficara com total certeza quanto a isso, e agora toma por certo, como axioma no seu conhecimento de Jesus, que essa pessoa forçosamente está disposta a fazer todo o bem que lhe seja pedido.

Alem disso, o centurião não tem duvidas quanto ao poder de nosso Senhor. A paralisia que acometera o seu empregado era grave, mas a fé do centurião não foi abalada por isso. Estava convencido de que Jesus podia não somente curá-la, curá-la de imediato, curá-la completamente, mas também curá-la sem dar um só passo do lugar onde estava. Seria questão de Jesus falar a palavra, e o empregado ser curado. Ó humilhação gloriosa, como te curvas para baixo! Ó fé nobre, como voas tão alto! Se nós, meus irmãos, conseguimos imitar esse caráter nobre nos dois aspectos, na profundidade do seu alicerce, na altura do seu pináculo, seremos edificados até ficar bem semelhantes ao modelo do templo de Deus! O centurião estava mesmo vazio, e nada possuía de si mesmo; não era digno de receber nada da parte de Cristo, e muito menos podia imaginar que pudesse dar alguma coisa a Cristo, porém, confiava que todas as coisas são possíveis com o Mestre, e que ele pode e quer fazer segundo a nossa fé, e isso de uma maneira que desvenda gloriosamente o seu poder real.

Meus caros amigos, especialmente vocês que ficam preocupados quanto à sua alma, que se sentem indignos - e esta não é uma impressão enganosa, pois vocês são indignos mesmo -; vocês estão muito aflitos por causa dessa indignidade, mas, se soubessem mais a respeito dela, ficariam ainda mais aflitos, pois a apreensão que vocês já têm da sua pecaminosidade, embora seja muito dolorosa, não abrange, de modo algum, a plena extensão dessa iniquidade: vocês são muito mais pecaminosos do que acham que são, muito mais indignos do que têm consciência de serem. Em vez de tentarem aliviar de modo iníquo seus pensamentos melancólicos com as seguinte palavras: "Você tem conceitos mórbidos de si mesmo, você não deve falar assim", peço a vocês, pelo contrário, que o caso de vocês é totalmente desesperador à parte de Cristo, que na sua natureza espiritual, a cabeça inteira está doente e o coração inteiro é fraco. Não quero que vocês retratem a úlcera horrível da sua depravação com esperanças e alegações especiosas. Não considere essa enfermidade como mancha superficial da pele; ela está na fonte e na origem da sua vida, e envenena o seu coração. As chamas do inferno terão que envolvê-los a não ser que Cristo se interponha para salvá-los. Vocês não possuem nenhum mérito de nenhum tipo ou espécie, e nunca possuirão; e, além disso, não têm o poder de escapar da sua condição perdida sem a ajuda da mão do Salvador. Sem Cristo, vocês não poderão fazer nada, pois sua pobreza é abjeta, sua bancarrota é desesperadora, e vocês não podem, mesmo pela máxima diligência, fazer de si mesmos algo diferente daquilo que vocês são. Nenhuma palavra que eu possa pronunciar pode exagerar a sua condição deplorável, e nenhuma sensação que vocês porventura chegarem a experimentar poderá representar seu verdadeiro estado em cores demasiadamente alarmantes.

Você não merece que Cristo venha até você; você não é digno de se aproximar de Cristo. Mas, aqui há um contraste glorioso, nunca deixe que esse fato, por um momento sequer, interfira em sua plena crença de que aquele que é Deus, mas que assumiu a nossa natureza, que aquele que sofreu em nosso lugar na cruz, que aquele que agora reina nos mais altos céus, é capaz de fazer para você, e se dispõe a fazer para você, muito abundantemente mais do que você pede ou até mesmo imagina. A sua incapacidade não impede a operação do poder dele; a sua falta de merecimento não pode algemar a bondade dele nem limitar a sua graça. Você pode ser um pecador que nada merece, mas não é por isso que ele não pode perdoá-lo. Você pode ser, no seu próprio conceito (e isso com toda a razão), a pessoa mais indigna que Cristo já desceu até o ponto de abençoá-la, mas isso não é motivo para ele não condescender em apertá-lo contra o seu peito e em aceitá-lo e salvá-lo. Eu desejo que, assim como a primeira verdade o impressionou profundamente, a segunda verdade (que se segue) tome posse, com igual força, do seu coração: Jesus Cristo "é capaz de salvar definitivamente aqueles que, por meio dele, aproximam-se de Deus" (Hb 7.25), e que ele está tão desejoso quanto é capaz, e que o seu vazio não afeta a plenitude dele, a sua fraqueza não altera o poder dele, a sua incapacidade não diminui a onipotência dele, a sua falta de merecimento não refreia o entranhável amor dele, que frequentemente se estende ao mais vil de todos os vis.

Satanás quase sempre arruma as coisas da seguinte maneira: quando conseguimos um pouco de esperança, é quase sempre uma esperança fundamentada em nós mesmos, uma idéia vã de que estamos ficando cada vez melhores - um conceito maligno: a carne orgulhosa, que prejudica a cura, e que o Cirurgião precisa extirpar; longe de semelhante conceito ser um sinal de cura, impede a cura. Se, por outro lado, conseguirmos uma profunda consciência do nosso pecado, o Maligno coloca sua pata no meio, e insinua que Jesus não pode salvar pessoas tais como nós somos. É grande mentira satânica, pois quem pode determinar qual é o limite do poder de Cristo? Mas se as duas coisas seguintes puderem se encontrar - uma consciência completa do pecado e uma crença inabalável no poder de Cristo para vir a braços com o pecado e vencê-lo - certamente, o reino de Deus teria chegado até nós, em poder e em verdade; e seria dito, de novo: "Nem em Israel encontrei tamanha fé."
E agora, para vocês que estão com o coração perturbado, tenho a seguinte palavra, e depois passarei para outra consideração. A consciência que vocês têm da sua própria falta de merecimento, se for devidamente usada, deve forçá-los na direção de Cristo. Vocês são indignos, mas Jesus morreu pelos indignos. Jesus não morreu por aqueles que professam ser, por natureza, bons e merecedores, pois os sãos não precisam de médico; mas está escrito: "No devido tempo, Cristo morreu pelos ímpios," "que se entregou por nossas" - o quê? "Excelências e virtudes?" Não; "que se entregou pelos nossos pecados, segundo as Escrituras". Lemos que ele "sofreu, o justo pelos" - pelos "justos"? De modo algum, "o justo pelos ímpios, para nos levar a Deus". A farmácia do evangelho é para os doentes; o pão do evangelho é para os famintos; as fontes do evangelho estão abertas para os imundos; a água do evangelho é dada aos sedentos. Vocês que não têm necessidade nada receberão; mas vocês que que-rem essas coisas podem vir livremente. Não deixem suas necessidades enormes e dolorosas impelir vocês de se refugiarem em Jesus. Deixem os vastos anseios do seu espírito insaciável compelir vocês a chegar a Jesus, em quem habita toda a plenitude. A sua falta de merecimento deve agir como asa para levá-lo até Cristo, o Salvador do pecador. Deve, também, impedir você de levantar os escrúpulos e de fazer exigências que, para algumas pessoas, são grande impedimento para encontrar a paz. O espírito orgulhoso diz: "Preciso receber alguns sinais e maravilhas, senão não crerei. Preciso sentir convicções profundas, e tremores horríveis, ou preciso ficar numa tremedeira por causa de sonhos, ou de textos ameaçadores, aplicados a mim com poder terrível." Ah, mas você, que não tem merecimento, se você se humilhar verdadeiramente, não ousará pedir essas coisas; você terá acabado de fazer exigências e estipulações, e exclamará: "Senhor, dá-me uma só palavra, fala uma única palavra de promessa, e para mim bastará. Mas diga apenas: 'Seus pecados são perdoados'; dá-me apenas metade de um texto, dá-me uma só palavra bondosa para me dar certeza e para afundar meus temores de novo, e crerei nela e descansarei nela." Dessa maneira, a convicção de falta de merecimento que você tem deve levá-lo a uma fé singela em Jesus, e impedi-lo de exigir aquelas manifestações que os estultos exigem com tanta ansiedade e impudência. Amado, a situação chegou a este ponto: você está tão destituído de merecimento, que está excluído de toda e qualquer esperança a não ser Cristo: todas as demais portas estão lacradas contra você com tábuas e pregos. Se houver alguma coisa que possa ser feita em favor da salvação, você não poderá realizá-la. Se houver necessidade de algum merecimento seu, você não o possui. Cristo lhe diz que não precisa de nenhum merecimento para vir até ele, mas se você confiar nele, ele o salvará. Acho que estou escutando você dizer: "Então, meu Senhor, posto que a situação chegou a esta:

Se eu for embora, só posso perecer;
Estou resoluto para a tentativa fazer;
Pois eu sei se longe me manter
Para sempre vou morrer.

E por isso, seja qual for o resultado, lanço minha alma culpada na tua expiação preciosa, pois minha persuasão é que tu és poderoso para salvar uma pessoa como eu; e tenho persuasão tão cabal da bondade do teu coração, que sei que não lançarás fora um pobre temente que vem a ti, e te aceita como único fundamento da sua confiança."

II. Quero que vocês prestem atenção, por alguns momentos, enquanto exploramos outro aspecto do texto. Todos nós devemos crer em Cristo tão bem como esse soldado cria.

Observem a forma que essa fé adotou; ele disse, de si para si "Sou oficial subalterno, sujeito a autoridade. Não sou o Comandante Supremo, sou apenas oficial comandante de uma tropa de cem ho-mens, porém, sobre esses cem homens exerço controle ilimitado. Digo a este: 'Vá' e ele vai; digo ao outro: 'Vem' e ele vem, e meu empregado, e ao meu pobre empregado doente (seu coração tenro volta ao empregado, que passa a ser incluído na ilustração), digo: 'Faça isso' e ele faz de imediato. Sou um simples oficial subalterno, e eu mesmo estou sujeito à autoridade; mas tal é a influência da disciplina que nenhum questionamento é interposto, nem são toleradas deliberações. Nenhum soldado vira-se contra mim para dizer que lhe dei uma tarefa difícil demais; nenhum soldado da tropa inteira ousa, em ocasião alguma, me dizer: 'Não farei isso.'" O poder da disciplina entre as legiões de Roma era notavelmente grande. Bastava o comandante dizer: "Faça isso" e era feito, mesmo que milhares tivessem de sangrar e morrer. "Ora", argumentava o centurião, "esse homem glorioso é o Filho de Deus; não é um subalterno; ele é o Comandante Supremo. Se ele fala a palavra de ordem, sua vontade será muito certamente feita. "As febres e as paralisias, as boas influências e as más, todas devem estar sob o seu controle, e, por isso, ele poderá curar meu empregado num só momento. Quem poderá resistir ao grande César do céu e da Terra?" Assim pensava o centurião, segundo acredito. Portanto, basta Jesus querer alguma coisa e, até aos últimos extremos da Terra, as influências sob o controle de Jesus se colocam em operação, imediatamente, para cumprir a vontade dele. O centurião retratava-se sentado em casa, e colocando em efeito os seus desejos sem se levantar da cadeira, meramente emitindo uma ordem; e sua fé colocava o Senhor Jesus na mesma posição.

"Tu não precisas vir até à minha casa; podes ficar em pé onde estás, e, se tão somente falar a palavra, a cura será realizada imediatamente." Esse centurião, no seu coração, entronizava o Senhor Jesus como capitão sobre todas as forças do mundo, como o generalíssimo do céu e da Terra; como, na realidade, o César, o governante imperial, de todas as forças do universo. Assim foi pensado pela graça, o pensamento foi expresso de modo poético, foi falado com nobreza, foi crido gloriosamente; mesmo assim, não passava da verdade, e nada mais do que a verdade, pois o domínio universal realmente está no poder de Jesus hoje. Se ele era um verdadeiro César antes de morrer, enquanto era desprezado e rejeitado pelos homens, muito mais agora, depois de ter pisoteado o lagar e manchado as suas vestes no sangue dos seus inimigos vencidos; muito mais agora, depois de ter levado cativo o cativeiro, e de ter se sentado entronizado por direito filial à destra de Deus Pai; muito mais agora, depois de Deus ter jurado que colocaria todas as coisas debaixo dos pés de Jesus, e que, diante do nome de Jesus, se dobrarão os joelhos de todas as coisas no céu, de todas as coisas na Terra, e de todas as coisas que estão embaixo da Terra; muito mais agora (repito), Jesus pode operar segundo o seu beneplácito. Hoje, basta Jesus falar, e é feito, ordenar, e fica firme.

Amados, vejam se esta verdade nos transportar como em asas de águia. Basta César falar "Absolvo-te" e seu súdito culpado é inocentado; basta César falar e uma província é conquistada, um exército derrotado e posto em fuga. Os mares tempestuosos são navegados segundo a vontade de César, túneis são cortados através das montanhas, e o mundo inteiro coberto de uma rede de estradas militares; César é absoluto, e sua vontade é lei. Assim é na Terra, mas muito mais no céu. Basta o César imperial do céu dizer "Perdoo", e os demônios do inferno não poderão acusar você. Basta ele dizer "Eu te ajudarei", e quem se oporá a isso? Se Emanuel é por você, quem será contra você? Se ele falar, as algemas dos seus hábitos pecaminosos terão de cair, e as trevas nas quais a sua alma foi enclaustrada durante muito tempo, devem ceder diante da luz instantânea. Ele reina como Rei, Senhor de tudo; bendito seja o seu nome para sempre; que cada um de nós, pela nossa fé, dê a Jesus toda a honra que é devido ao seu nome. Saudemos o grande Imperador, que no passado foi morte, mas agora é, para sempre, Senhor do céu e da Terra!

Vou lembrar-lhes de determinado aspecto; a fé desse homem não interferiu, por um momento sequer, em sua humildade. A fé interferir com a humildade?! Meus irmãos, a fé foi a origem dessa humildade; foi o alicerce no qual a humildade se fundamentou. Vocês não percebem que, quanto mais elevado o conceito que o centurião tinha de Cristo, quanto menos digno esse oficial se sentia das bondosas atenções dessa personagem tão bondosa e generosa? Se ele tivesse tido um conceito menos sublime de Jesus, não teria dito: "Não mereço receber-te debaixo do meu teto." Havia, naturalmente, uma vista, que o centurião teve de si mesmo, que bastava para humilhá-lo, mas a visão muito mais maravilhosa da glória do Senhor Jesus era a verdadeira raiz e origem da sua humildade. Porque Cristo era tão grandioso, o centurião se sentia indigno de ir ao seu encontro e de acolhê-lo em sua casa.
Observem, meus irmãos, a fé do centurião afetou a sua humildade ao deixá-lo satisfeito com uma palavra da parte de Cristo. Sua fé disse: "Basta uma palavra; ela operará a cura"; e depois, sua humildade disse: "Ah, como sou indigno de receber uma única palavra da parte dele. Se uma só palavra operará um milagre, é coisa tão grande e poderosa que é mais do que eu mereço; por isso, não vou pedir mais do que isso; não vou pedir os passos de Jesus quando um só som bastará; não vou clamar pela sua presença, quando a simples vontade dele pode restaurar a saúde do meu empregado." Por crer que uma palavra bastaria, teve a humildade de abrir mão de orar por mais coisas; foi assim que sua confiança em Cristo, em vez de interferir com sua consciência da sua própria indignidade, ajudou na sua manifestação. Irmãos e irmãs, nunca pensem, nem sequer por um momento (conforme pensam muitas pessoas estultas), que a fé forte no Senhor seja necessariamente orgulho - pois é o contrário. Uma das piores formas de soberba é questionar a promessa de Deus. Quando um homem diz: "Cristo prometeu que salvará aqueles que nele confiam; eu confiei nele, por isso sou salvo; sei que sou salvo; tenho certeza disso, porque Deus o diz, e não quero nenhuma evidência melhor, pois essa certeza é a humildade em ação." Mas se um homem diz: "Deus disse que aqueles que nele confiam serão salvos; confio mesmo nele, mas ainda não sei se estou salvo", isso seria a mesma coisa que declarar não saber se Deus é mentiroso ou não; e o que é mais impertinente, que mais orgulhosamente ofensivo do que isso? Sei que é coisa muito comum dizer: "Parece tão presunçoso dizer que sei que sou salvo." Acho que é muito mais presunçoso duvidar quando Deus fala de modo positivo, e desconfiar quando a promessa fica clara. Deus diz: "Quem crer e for batizado será salvo." Se você crê e foi batizado, e se Deus é verdadeiro, você será salvo - você está salvo! Não é questão de esperar que seja assim - forçosamente deve ser assim. Seja Deus verdadeiro, e todo homem mentiroso; e longe seja destes lábios insinuarem uma dúvida de que talvez Deus possa trair a sua promessa e não cumprir a sua palavra. Se você quer questionar alguma coisa, questione se realmente confia em Cristo; mas solucionado esse aspecto, fica solucionada a questão inteira. Se crê que Jesus é o Cristo, você nasceu de Deus; se depende exclusivamente dele, os seus pecados, que são muitos, são todos perdoados. Aceite o que Deus diz, assim como o seu filho aceita o que você diz. Não é demais para Deus pedir isso de você - pois você pede isso do seu filho. Embora seja uma pobre criatura falível, você não desejaria que seu filho desconfiasse de você. Você quer merecer crédito, e Deus, não? Você quer que seu pequenininho confie em você, embora seja uma pessoa má, e você não quer crer que a voz do seu Pai celeste é a própria vontade, nem quer confiar nela? Ah! - confie mesmo, implora você, e quanto mais confia, tanto mais reconhecerá que não merece ter essa confiança. Quanto a mim, pois, fico atônito ao pensar que serei salvo; acho que serei lavado de todos os meus pecados no sangue precioso de Cristo, que serei colocado numa rocha, e que um cântico novo será colocado na minha boca. Fico assoberbado e, ao pensar nisso, digo: "Como sou indigno de receber tais favores! Meu valor é menor do que o mínimo dos benefícios que tu me outorgaste!" A sua fé não assassinará a sua humildade, e a sua humildade não esfaqueará a sua fé; mas as duas caminharão até o céu de mãos dadas, como um irmão corajoso e uma irmã linda, sendo que o irmão é destemido como um leão, e a irmã, meiga como uma pomba, o irmão se regozija em Jesus, e a irmã, enrubesce com o próprio eu. Bendito par, eu bem gostaria de hospedá-lo no meu coração durante todos os dias da minha peregrinação na Terra.
Apresentei para vocês, portanto, da melhor maneira que consegui, o exemplo do centurião com algumas lições. Agora, passaremos resumidamente à aplicação. Faremos a aplicação a três tipos de pessoas. Jesus Cristo é poderoso e está disposto a salvar você neste instante. Qual é a forma da sua aflição? Seus pecados são grandes? Creia, eu o exorto, e que Deus, o Espírito Santo o ajude, creia que Cristo pode perdoar agora todos os seus pecados. Você o está vendo naquela cruz? Ele é divino, mas como sangra! Ele é divino, mas como geme! Ele sente fortes dores! Ele morre! Você acredita que existe algum pecado que é grande demais para ser cancelado por esses sofrimentos? Você acha que o Filho de Deus ofereceu uma expiação inadequada? Uma expiação a respeito da qual você possa falar que haja um limite para a sua capacidade, limite além do qual não pode operar em favor da salvação dos crentes, de modo que, afinal de contas, o pecado pesasse mais do que o sacrifício oferecido por Jesus, e a imundice estivesse mais cheia de contaminação do que o sangue de purificação? Ó, não crucifique Cristo de novo por duvidar do poder do Deus eterno! Meus irmãos, quando olhamos para as esferas celestiais, no silêncio da noite estrelada, e nos lembramos das verdades maravilhosas que a astronomia nos revela sobre a magnificência e a majestade inconcebível da criação, se, então, refletimos que Deus que criou todas essas coisas, tornou-se homem em nosso favor, e que, como homem, ele foi pregado na cruz e sangrou até a morte por amor a nós, nos pareceria, nesse caso, que se todas aquelas estrelas estivessem repletas de habitantes, e se todos aqueles habitantes, individualmente, tivessem se rebelado contra Deus, e inundados em crimes, deve haver eficácia suficiente no sangue de quem é o próprio Deus encarnado para remover todos os seus pecados. Esse grande milagre dos milagres, pois, com o próprio Deus honrando a sua própria justiça ao sofrer uma morte vicária, é uma exibição de infinita severidade e amor, que por toda a eternidade deve parecer tão glorioso a ponto de tragar totalmente a lembrança do pecado das criaturas, e colocar esse pecado totalmente fora de vista. Sim, pecador, creia que neste momento os pecados de cinquenta anos podem se desgrudar de você, sim, e mesmo de setenta ou oitenta anos - que num só instante, você que está tão escuro como o inferno pode ser tão puro quanto o céu, se Jesus disser a palavra. Se você crê em Jesus, a obra está feita, pois crer nele já é ser puro. É possível, no entanto, que você sinta a dificuldade de ficar livre da dureza de coração. Você acha que não consegue se arrepender, mas Jesus, pelo seu Espírito, não pode fazê-lo se arrepender? Você hesita em responder essa pergunta? Veja como o mundo, há poucos meses, estava amarrado solidamente no gelo, mas como os narcisos, os açafrões e as fura-neves penetraram a camada de neve, subindo daquela terra que estava congelada, e como a neve e o gelo sumiram com o brilho do sol! Deus faz isso muito facilmente com o doce sopro do vento e os bondosos raios solares, e ele pode fazer a mesma coisa, no mundo espiritual, a seu favor. Creia que ele pode e peça que ele o fará, e você verá o enorme bloco de gelo derreter-se, e aquele iceberg horrível diabólico gigantesco que é o seu próprio coração começará a gotejar com chuviscos de arrependimento cristalino, que Deus aceitará por intermédio do seu Filho amado. Mas talvez seja algum mau hábito que lhe provoque problemas. Você passou muito tempo nele, e pode o etíope mudar a sua pele, ou o leopardo, as suas manchas? Você não consegue se livrar desse hábito. É um mal desesperado que puxa você para baixo como as mãos de demônios que o tiram da superfície da correnteza da vida e o afundam nas profundezas horripilantes da morte e da imundície. Ah, eu conheço seus temores e desesperos, mas homem, pergunto-lhe, Jesus não pode livrá-lo? Ele possui a chave do seu coração e pode girá-la para fazer todos os mecanismos do coração funcionar de modo diferente de agora. Ele que sacode a Terra com um terremoto, varre o mar com um tornado, pode mandar um terremoto ao seu coração, bem como uma tempestade de forte arrependimento, e desarraigar os hábitos antigos que você tem. Jesus, cujos atos são todos maravilhosos, certamente poderá fazer o que ele quer neste mundo pequeno da sua alma, posto que no grande mundo exterior ele governa como lhe agrada. Creia no poder dele e peça a ele que demonstre esse poder. Basta que ele diga uma só palavra para essa questão que provoca aflição neste momento ser removida. Ainda ouço você dizer: "Não posso"; uma incapacidade horrível paira sobre você. Mas a questão não é aquilo que você consegue ou não consegue fazer - a questão é o que Jesus pode fazer. Pode haver algo que é difícil demais para o Senhor? O Espírito eterno pode chegar a ser derrotado quando ele resolve vencer dentro de um homem? Aquele que sustenta as colunas enormes da Terra e espalha amplamente os céus, que no passado foi crucificado, mas que agora vive para sempre, será que ele pode fracassar? Você, pobre, miserável e incapaz, entregue os seus cuidados nas mãos dele, e peça a ele que faça por você o que você não pode fazer por conta própria, e assim será feito segundo a sua fé.

Uma segunda aplicação do nosso assunto será feita aos obreiros pacientes que estão a ponto de desmaiar. Sei que há muitos que imploram incessantemente diante de Deus por seus parentes e vizinhos não convertidos para que sejam salvos. Vocês imploraram durante longo tempo em favor do marido, ou do filho ou da filha, mas essas pessoas avançaram ainda mais no pecado. Em vez de suas orações serem atendidas, parecia que os céus riram da importunidade de vocês. Tomem esse único cuidado: não deixem que a sua incredulidade leve você a acreditar que o objeto dos seus cuidados não pode ser salvo. Enquanto há vida, há esperança. Sim, embora acrescentem embriaguez à concupiscência, e blasfêmia à embriaguez, e dureza de coração e impenitência à blasfêmia, se Jesus falar uma única palavra, cada um deles será desviado do seu mau caminho. Isso pode ser realizado com os meios da graça, ou até mesmo sem os meios da graça. Há homens que, no meio dos seus serviços, ou durante as suas diversões, receberam impressões que fizeram deles novos ho-mens, e justamente quando menos esperavam que semelhante coisa ocorresse; e aqueles que eram líderes na tripulação rebelde de Satanás se tornaram os capitães mais corajosos no exército de Cristo. Quando Jesus dá a palavra de ordem, não sobra espaço para duvidar da possibilidade da salvação da pessoa envolvida. Você é anticristão quando você exclui da esperança a meretriz, quando você exclui do arrependimento o ladrão, quando você até mesmo se desespera pelo assassino; isso porque o coração grande de Deus é maior do que todos os seus corações somados, e os pensamentos grandiosos do Pai amoroso não são como os seus pensamentos quando estes se elevam ao máximo, e nem os caminhos dele são os seus caminhos quando estão na sua máxima liberalidade. Oh, se um amigo que você tem, se seu filho, sua esposa, seu marido, é o próprio diabo encarnado, ou se houver sete demônios, ou uma legião de demônios, dentro dele, você nunca pode sussurrar a palavra "desespero" enquanto Cristo viver; Cristo, pois, pode expulsar a legião de espíritos imundos, e outorgar seu Espírito Santo para ocupar o lugar assim deixado vazio. Tenha fé, portanto; você é indigno de receber a bênção, mas tenha fé em Cristo, que é tão poderoso para outorgá-la. Muitos entre você vão dar suas aulas bíblicas, e outros vão se ocupar da pregação do evangelho, e vocês estão ficando muito desanimados por não verem o sucesso que tanto desejam. Pois bem, talvez seja para o seu bem que vocês sintam quão pouco podem realizar à parte dos ministérios divinos. Que continue essa humilhação de alma, mas não permitam que essa humildade degenere em desconfiança do próprio Cristo. Se Cristo estivesse morto e sepultado agora, e nunca tivesse ressuscitado, nossa situação, como pobres pregadores, seria horrível; mas enquanto Cristo viver, revestido do poder do Espírito eterno, que ele concede liberalmente, não devemos sequer temer, e muito menos nos desesperar. Que a igreja de Deus cobre ânimo, e se convença de que, com o Cristo vivo no meio dos exércitos cristãos, a vitória será concedida em breve aos seus pendões reais.

A aplicação final que quero fazer é igual à segunda, mais estou aplicando em escala mais ampla. Existem muitas pessoas que são como vigilantes que foram se cansando. Já ficamos sabendo que Cristo está para vir - o grandioso Homem Vindouro - e o Senhor sabe muito bem que existe uma necessidade premente para alguém vir, por essa máquina velha, que é o mundo, está rangendo pavorosamente, e parece que ela está tão sobrecarregada dos molhos do pecado humano, que seus eixos estão a ponto de se quebrar. A infinita longanimidade de Deus tem impedido que um mundo louco entre em dissolução total - para isso, Deus tem oferecido muitos socorros e freios, mas a situação é lastimável, e parece ir de mal a pior. Nossa nação está podre, no seu próprio âmago, tanto no comércio quanto na política. Parece que ninguém consegue tanto sucesso quanto aquele que demitiu a sua consciência e que ri dos princípios; todas as coisas já chegaram a tal ponto culminante que há necessidade de vir algum libertador, senão não saberemos qual será a situação de todos nós. Mas ele virá, conforme consta da promessa, e, para aqueles que o aguardam, sua vinda será como os raios da estrela da manhã que proclamam a aurora. Ele está chegando, e na sua vinda haverá tempos gloriosos, um milênio, um período de luz, de verdade, de alegria, de santidade e de paz. Estamos vigiando e aguardando por isso. Mas dizemos: "Ah, não há esperança em pensar em converter o mundo! Como a verdade será pregada? Onde estão as línguas para falar dela? Como são poucos que a proclamam com ousadia! Onde estão os homens que levarão a cruz até aos últimos limites do globo terrestre, e conquistarão nações para Cristo?" Ah, não diga no seu coração: "Os dias passados eram melhores do que hoje." Não escreva um livro de lamentações, com esse conteúdo: "Os profetas, onde estão eles? E os apóstolos já se foram, e desapareceram todos os poderosos confessores que viveram e morreram por Cristo." O Senhor, ao levantar um só dedo, pode suscitar mil Jonas para cada cidade no país inteiro, mil Isaías para declarar a sua glória. Se o Senhor assim ordenar, companhias de apóstolos e exércitos de mártires surgirão dos recantos quietos da velha Inglaterra, ou sairão em quantidade das fábricas das suas cidades. O Senhor pode fazer maravilhas se for segundo a sua vontade. A pior situação da igreja é simplesmente quando sua maré ficou bem baixa, para então voltar a subir na plenitude da sua força. Tenha confiança, pois mesmo que os instrumentos falhem e o ministério se torne estéril e morto, a vinda de Cristo ainda cumprirá os seus propósitos, e, quando ele aparecer, os reinos deste mundo se tornarão os reinos de nosso Senhor e do seu Cristo. Jesus não está sujeito a autoridade, mas tem soldados sob o seu comando, e ele só precisa falar para um ou outro espírito fazer qualquer coisa que fosse, "Vá" ou "Venha" e a sua vontade será feita; se Jesus só falar à igreja por meio do seu Espírito Santo e disser: "Faça isso", a tarefa impossível será realizada; aquilo que parecia além de toda a perícia humana ou da esperança mortal será realizado imediatamente. Quando Jesus diz: "Faça", será feito, e seu nome será louvado. Precisamos de mais fé e de mais humildade. Nesta congregação, anjos gêmeos permanecem para sempre. Que eles saiam à batalha conosco e voltem conosco para a vitória. Ó Senhor, que amas a humildade, e que és o autor da fé, concede que sejamos impregnados com essas duas virtudes, por amor a Jesus. Amém.


Humildade - C. H. Spurgeon




A humildade precede a honra. (Pv 15.33)

A humildade de alma sempre traz uma bênção consigo. Se esvaziarmos nosso coração do egoísmo, Deus nos encherá com o seu amor. Aquele que deseja comunhão íntima com Cristo precisa recordar-se desta palavra do Senhor: "O homem para quem olharei é este: o aflito e abatido de espírito e que treme da minha palavra" (Isaías 66.2). A mais doce comunhão com os céus é desfrutada somente por almas humildes. Deus não rejeitará qualquer bênção a espíritos completamente humildes. "Bem-aventurados os humildes de espírito, porque deles é o reino dos céus" (Mateus 5.3). Todo o tesouro de Deus será dado à alma que é humilde o suficiente para recebê-lo, sem tornar-se orgulhosa por causa disso.

Deus nos abençoa até à medida em que será seguro para Ele fazê-lo. Se não recebemos determinada bênção, isto acontece porque não é seguro para nós possuirmos tal bênção.

Se nosso Pai celestial permitisse que nossos espíritos ainda não humilhados recebessem determinada vitória em nossa guerra santa, ergueríamos a coroa por nós mesmos. Por isso, ao enfrentarmos um novo inimigo, somos derrotados. Quando um crente é sinceramente humilde e não se aventura a tocar em qualquer grão do louvor, não há limites para o que Deus fará na vida desse crente. A humildade nos torna prontos para sermos abençoados pelo Deus de toda graça; também nos capacita a nos relacionarmos eficientemente com nosso próximo. A verdadeira humildade é uma flor que adornará qualquer jardim; é uma erva com a qual podemos temperar qualquer prato de vida. Quer na oração, quer no louvor, quer no sofrimento, quer no trabalho de Cristo, o verdadeiro sal da humildade não pode ser utilizado em excesso.




A Única Atitude que Convém – João Calvino


O SENSO DE NOSSA DEPENDÊNCIA DE DEUS É O CAMINHO DA VITÓRIA

Todo aquele que se vê profundamente acabrunhado e consternado pela consciência de sua miséria, pobreza, nudez, ignomínia, tem assim avançado extraordinariamente no conhecimento de si próprio. Ora, não há perigo de que o homem prive a si mesmo excessivamente, desde que aprenda que se deve recobrar em Deus o que em si mesmo falta. Com efeito, na verdade nem pode o homem a si presumir um tantinho de nada além de seu direito, sem que não só se perca em vã confiança pessoal, mas ainda, transferindo a si a honra divina, se faça réu de monstruoso sacrilégio. Evidentemente, sempre que nos vem à mente essa ânsia de apetecer alguma coisa que nos pertença e não a Deus, temos de compreender que tal pensamento nos é inspirado pelo que induziu nossos primeiros pais a quererem ser semelhantes a Deus, conhecendo o bem e o mal [Gn 15].
Caso seja a palavra do Diabo que exalta o homem em si mesmo, não lhe demos lugar, a não ser que queiramos receber conselho do inimigo. Sem dúvida é grato possuir tanto de poder próprio que hajas de confiar em ti mesmo. Mas, para que não sejamos seduzidos a esta vã confiança pessoal, que sejamos atemorizados por tantas declarações graves da Escritura pelas quais somos severamente consternados, a saber: “Maldito é aquele que confia no homem e põe a carne por seu braço” [Jr 17.5]; igualmente: “Deus não se deleita na força do cavalo e não lhe comprazem as pernas do homem, mas se afeiçoa nos que o temem, nos que se entregam à sua bondade” [Sl 147.10, 11]; também: “É ele que dá alento ao cansado e ao sem forças aumenta o vigor, que faz com que os jovens se fatiguem e se abatam, os moços de exaustão tombem, porém os que só nele esperam renovem suas forças” [Is 40.29-31].
Todas estas referências conduzem a isto: que não nos apoiemos na convicção de nossa própria força, por mínima que seja tal convicção, se queremos que Deus nos seja propício, o qual resiste aos soberbos, porém dá graça aos humildes [Tg 4.6; 1Pe 5.5; Pv 3.34]. Então, em seguida venham à memória estas promessas: “Derramarei água sobre o solo sedento, e rios sobre a terra seca” [Is 44.3]; de igual modo: “Vinde às águas todos os que tendes sede” [Is 55.1], as quais atestam que, para receber as bênçãos de Deus, a ninguém se admite, senão os que se consomem sob o senso de sua pobreza. Com isso não se pretere promessa tal como esta de Isaías: “O sol já não ser-te-á para iluminar durante o dia, nem a lua para iluminar durante a noite; ao contrário, o Senhor ser-te-á por luz sempiterna” [Is 60.19]. Certamente, o Senhor não subtrai de seus servos o fulgor do sol ou da lua; mas, visto que somente ele quer ser glorioso neles, afasta para longe deles a confiança mesmo posta naquelas coisas que em sua opinião são mui excelentes.


VERDADEIRA HUMILDADE: A ÚNICA ATITUDE QUE NOS CONVÉM

Sempre me agradou sobremaneira esta ponderação de Crisóstomo: “A humildade é o fundamento de nossa filosofia.”40 Contudo, mais ainda esta de Agostinho: “Da mesma forma”, diz ele, “que aquele orador, indagado qual seria o primeiro entre os preceitos da eloqüência, respondeu: a elocução; como o segundo: a elocução; também o terceiro: a elocução; assim, se me interrogas acerca dos preceitos da religião cristã, primeiro, segundo e terceiro, me agradaria responder sempre: a humildade.”
Todavia, como o declara em outro lugar, não considera como humildade quando, cônscio de alguma porção de virtude em si próprio, o homem não cede ao orgulho; mas, ao contrário, quando ele se sente verdadeiramente que nenhum refúgio possui senão na humildade. “Ninguém”, diz ele, “se lisonjeie. Por si mesmo não passa de um satanás. Do que é aquinhoado, isso ele o tem somente de Deus. Pois, que tens de teu senão o pecado? Toma para ti o pecado, porque é teu, já que a retidão é de Deus.”42 Ainda: “Por que tanto se presume da possibilidade de nossa natureza?
Está chagada, dilacerada, arruinada, perdida. Tem ela necessidade de verdadeira confissão, não de falsa defesa.”43 De novo: “Quando alguém reconhece que em si mesmo nada é e nenhuma ajuda tem de si próprio, dentro de si estão quebradas as armas, serenados estão os embates. Mas, é indispensável que todas as armas da impiedade sejam despedaçadas, sejam esmigalhadas, sejam consumidas pelo fogo, e permaneças inerme, nenhum recurso tenhas em ti mesmo. Quanto mais fraco és em ti, tanto mais te sustém o Senhor.”  Assim, na consideração do Salmo 70, proíbe que nos lembremos de nossa justiça pessoal, para que conheçamos a justiça de Deus; e mostra que Deus nos recomenda sua graça de tal modo que saibamos que nós nada somos, que nos mantemos firmes apenas pela misericórdia de Deus, já que de nós mesmos nada somos senão maus.
Portanto, neste ponto não contendamos com Deus acerca de nosso direito, como se perdêssemos em nosso proveito tudo quanto a ele atribuímos. Ora, se nossa humildade é sua exaltação, assim a confissão de nossa humildade tem sua misericórdia como remédio preparado. Contudo, nem pretendo que um homem que não se deixa assim persuadir ceda espontaneamente; e se tem alguma capacidade, que dela desvie a mente para que se sujeite à verdadeira humildade. Pelo contrário, pretendo que, debelada a enfermidade – do amor de si mesmo e do prazer por contenciosidade], obcecado pela qual pensa em si mais do que convém [G1 6.3], se contemple honestamente no veraz espelho da Escritura [Tg 1.22-25].




Quebrantamento

by David Wilkerson | April 26, 2010




Davi escreveu diversas vezes sobre quebrantamento em seus Salmos. Ele falou da proximidade de Deus para com os que estão quebrantados: “Sacrifícios agradáveis a Deus são o espírito quebrantado; coração compungido e contrito, não o desprezarás, ó Deus”(Salmos 51:17). “Perto está o Senhor dos que têm o coração quebrantado, e salva os contritos de espírito” (Salmos 34:18).
Deus também fala através do profeta Isaías para expressar Seu amor por todos os que estão quebrantados em espírito: “Eis para quem olharei: para o humilde e contrito de espírito, que treme da minha palavra” (Isaías 66:2). “Porque assim diz o Alto e o Excelso que habita na eternidade e cujo nome é santo: Num alto e santo lugar habito, e também com o contrito e humilde (quebrantado) de espírito, para vivificar o espírito dos humildes, e para vivificar o coração dos contritos” (Isaías 57:15, itálicos meus).
Quão incríveis promessas o nosso Senhor deu àqueles que são contritos em espírito. Ele se compromete a habitar com todos os que foram quebrantados, e a revificar seus corações.
Há um quebrantamento físico que é resultado do desespero humano. Estou falando do luto, da dor emocional, da angústia proveniente de aflições físicas. No entanto, o quebrantamento do qual falam Isaías e o salmista refere-se a algo além do desespero humano. Eles estão falando de quebrantamento espiritual.
O quadro mais genuíno de quebrantamento espiritual é encontrado em Lucas 19. Nessa passagem Jesus está entrando em Jerusalém montado em um jumentinho:
“E quando chegou perto e viu a cidade, chorou sobre ela, dizendo: Ah! Se tu conhecesses, ao menos neste dia [tempo], o que te poderia trazer a paz! Mas agora isso está encoberto aos teus olhos” (Lucas 19:41 e 42).
Os evangelhos mostram poucas ocasiões em que Jesus chorou. Uma vez foi junto à tumba de Lázaro. Naquela passagem, a tradução diz que Cristo “chorou silenciosamente”. Mas aqui em Lucas 19, ao Jesus entrar em Jerusalém a tradução em grego significa, “CHOROU ALTO".
Jesus nos dá a razão pela qual chorou com tantas lágrimas: "Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas, e apedrejas os que a ti são enviados! Quantas vezes quis eu ajuntar os teus filhos, como a galinha ajunta a sua ninhada debaixo das asas, e não quiseste!" (Lucas 13:34).
Aqui estava a fonte da agonia de Jesus. Lemos que Cristo “Veio para o que era seu, mas os seus não o receberam”. Jesus se lamentava dizendo, “Se ao menos tivessem aceitado as coisas que Eu lhes disse! Isso teria lhes trazido a Minha paz, Minhas bênçãos, Minha esperança e propósito para suas vidas”.
Todo crente sabe que temos Alguém a quem recorrer. Temos uma fonte à qual podemos recorrer para buscarmos força e consolação, porque cremos que Jesus é quem Ele afirmou ser. Paulo fala desta esperança ao escrever:
“Portanto, lembrai-vos que outrora vós – estáveis naquele tempo sem Cristo... estranhos aos pactos da promessa, NÃO TENDO ESPERANÇA e sem Deus no mundo. Mas agora em Cristo Jesus... pelo sangue de Cristo chegastes perto. PORQUE ELE É A NOSSA PAZ”(Efésios 2:11-14, maiúsculas minhas).
O autor de Hebreus acrescenta, “Nós que já corremos (em Cristo) para o refúgio, a fim de lançar mão da esperança proposta; a qual temos por âncora... segura e firme” (Hebreus 6:18 e 19).
Eis a diferença entre nós, que encontramos refúgio em Cristo, e as multidões que estão perdidas: eles rejeitaram o resgate. Para muitas pessoas hoje, a verdade da morte de Jesus na cruz bem como Sua ressurreição, não passam de uma fábula.
Como os profetas alertaram, tais pessoas O ouviram e rejeitaram voltando-se para seus próprios caminhos. Estão perdidos sem esperança – e que perda trágica é essa.
A geração perdida hoje é como a multidão em Jerusalém pela qual Jesus chorou. As pessoas nos dias de Cristo perderam o que Ele queria ter-lhes dado.
Eles perderam a verdadeira liberdade. Perderam a paz que vem da segurança de ter todos os pecados perdoados. Perderam o toque curativo de Jesus. Perderam um abrigo para a tempestade. Perderam a permanente, consoladora e guiadora presença do Espírito Santo.
Foi por essa massa humana perdida que Jesus chorou e clamou, “Se ao menos! Se ao menos vocês soubessem o que Eu queria para as suas vidas. Se ao menos tivessem pego o que lhes ofereci. Eu queria lhes abrigar, espalhar Minhas asas de consolação sobre vocês. Se ao menos tivessem ouvido. Se ao menos conhecessem o Meu amor e as Minhas misericórdia para vocês”.
“Mas agora isto está encoberto aos teus olhos... porque não conheceste o tempo da tua visitação” (Lucas 19:42, 44).
O que Jesus diz sobre os que O rejeitam? “Entrai pela porta estreita; porque larga é a porta, e espaçoso o caminho que conduz à perdição, e muitos são os que entram por ela; e porque estreita é a porta, e apertado o caminho que conduz à vida, e poucos são os que a encontram” (Mateus 7: 13-14).
As multidões dos dias de Jesus rejeitaram Sua oferta. E hoje Sua oferta ainda está sendo rejeitada. Contudo este ainda é o dia da visitação para essa geração. De quantas multidões Cristo irá dizer, “se ao menos”?
Cristo olhou as multidões de judeus e gentios tentando desesperadamente agradar a Deus através de rituais. Ele viu multidões de pessoas abatidas, com espírito pesado, se desesperando por causa dos esforços feitos ao longo de toda uma vida para agradar a Deus. Eles todos eram muito sinceros quando praticavam os rituais que lhes eram impostos. No entanto, isso só aumentava as suas cargas. Os próprios judeus tinham 613 leis e rituais para guardar. E os gentios tinham muito mais deuses para tentar agradar.
Imagine quão profunda deve ter sido a tristeza de Jesus ao testemunhar isso. Ele tinha acabado de passar três anos pela terra pregando às multidões “Eu sou o caminho, o único caminho para o Pai. Eu sou a ressurreição e a vida. Nenhum homem pode vir ao Pai se não for por Mim”.
Agora Ele via as multidões entrando e saindo das sinagogas e templos - e em Seu olho profético, Ele via isso acontecendo não apenas em Jerusalém, mas no mundo inteiro ao longo do tempo.
De fato, o que Jesus via acontecendo então, está acontecendo neste exato momento. Milhões de pessoas ao redor do mundo oferecem sacrifícios aos seus deuses todos os dias esperando apaziguar suas iras. Alguns até mesmo afligem seus corpos com grandes dores como oferta às suas divindades. A qualquer dado momento milhares de preces e cantos são levados ao alto em tentativas desesperadas de encontrar esperança.
Toda vez que faço tais caminhadas, vejo muitos turistas de vários lugares do mundo. Visitantes da Índia chegam aqui provenientes de uma terra com mais de um milhão de deuses. Visitantes da China e Japão representam nações com outros milhões de deuses.
A maioria dessas pessoas procura pela mesma coisa: expiação. Elas estão desesperadas por uma saída para aplacar seus deuses, desesperadas para oferecer um sacrifício que vá ajudá-las a escapar da culpa por seus pecados. A grande pergunta para todos eles é, “Como eu faço para obter paz com meu deus?”.
Quando Jesus olhou ao redor do templo, viu pessoas em toda parte comprando cordeiros, cabras ou pombos para oferecerem como sacrifícios. Foi quando grande dor sobreveio a Ele:
“E quando chegou perto e viu a cidade, chorou sobre ela, dizendo: Ah! Se tu conhecesses, ao menos neste dia, o que te poderia trazer a paz! Mas agora isso está encoberto aos teus olhos” (Lucas 19:41 e 42)
Cristo estava dizendo, “Se ao menos vocês conhecessem a provisão que Meu Pai celestial fez para vocês. Vocês conheceriam a paz que excede todo o entendimento”.
Se ao menos tivessem crido na promessa de Deus para Abraão. Cada uma das três maiores religiões do mundo – cristianismo, judaísmo e islamismo – reivindicam Abraão como sendo o pai de sua fé. No entanto poucos dentro dessas religiões compartilham a fé que Abraão tinha em Deus.
Em obediência a Deus, Abraão levou seu filho Isaque ao monte para oferecê-lo como sacrifício. Ao longo do caminho Isaque perguntava ao pai, “Onde está o cordeiro para o sacrifício?”. Abraão respondia com fé: “Deus proverá para si o cordeiro para o holocausto”(Gênesis 22:8). E Deus o fez, levando Abraão a encontrar um carneiro preso num arbusto.
A fé de Abraão fala conosco claramente hoje, da mesma forma como falou com Isaque: “Se ao menos você estivesse atento, veria a provisão de Deus para o sacrifício”.
Se ao menos o povo de Deus tivesse crido nas palavras de João Batista. Aqui estava um dos seus próprios profetas, venerado e digno de confiança que falou o seguinte de Jesus: “Eis o cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo” (João 1:29). Mais tarde, João novamente identifica a Jesus do seguinte modo: “E olhando para Jesus, que passava, disse: Eis o cordeiro de Deus!” (João 1:36).
Deus proveu o Seu próprio cordeiro para o sacrifício: Jesus, Seu único filho. E quando Cristo foi crucificado, sepultado e ressuscitado dos mortos, Ele se tornou a nossa expiação, a nossa paz. Jesus voluntariamente tomou sobre Si nossos pecados, culpas e vergonha. Ele morreu e ressuscitou para tornar livres todos os homens.
"Sabendo que não foi mediante cousas corruptíveis, como prata ou ouro, que fostes resgatados do vosso fútil procedimento que vossos pais vos legaram, mas pelo precioso sangue, como de cordeiro sem defeito e sem mácula, o sangue de Cristo, conhecido, com efeito, antes da fundação do mundo, porém manifestado no fim dos tempos, por amor de vós que, por meio dele, tendes fé em Deus, o qual o ressuscitou dentre os mortos e lhe deu glória, de sorte que a vossa fé e esperança estejam em Deus” (1 Pedro 1:18-21).
Pedro nos relembra a gloriosa verdade: “Cristo é a nossa esperança!”.
O Pai disse isso a respeito de Jesus, “Esse é o Meu filho amado de quem Me agrado”. O apóstolo Paulo nos relembra disso vez após vez ao longo de suas epístolas, ensinando que somente Cristo é a nossa justiça aos olhos de Deus.
“Mas agora, sem lei, tem-se manifestado a justiça de Deus, que é atestada pela lei dos profetas; isto é, a justiça de Deus pela fé em Jesus Cristo para todos os que crêem; pois não há distinção. Porque todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus; sendo justificados gratuitamente pela Sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus” (Romanos 3:21-24).
Paulo então acrescenta, “Assim também Davi declara bem-aventurado o homem a quem Deus atribui a justiça sem as obras, dizendo: bem-aventurados aqueles cujas iniqüidades são perdoadas, e cujos pecados são cobertos. Bem-aventurado o homem a quem o Senhor não imputará o pecado" (Romanos 4:6-8).
O apóstolo está dizendo, “Justiça unicamente por meio da fé é: ser encontrado em Cristo não tendo minha própria justiça ou retidão. A minha própria ‘justiça’ é aquela da lei. Mas a justiça que é de Cristo vem baseada na fé”.
Podemos dar aos pobres e necessitados, podemos ser bondosos, podemos ter pensamentos bons e honrosos. E podemos convencer a nós mesmos que essas boas obras vão ajudar a sermos salvos no dia do juízo. Não é assim. Mesmo se eu vivesse por anos sem quebrar a Palavra de Deus em pensamento e obras, isso não me daria crédito algum. “Não pelas obras que temos feito... mas pela fé no sangue vertido de Jesus”.
Não digo isso de maneira leviana. É devastador para qualquer pessoa ouvir, “Suas boas obras não vão te salvar”. De fato, não podemos convencer ninguém disso. Tal convencimento requer um milagre da misericórdia de Deus; é um trabalho que deve ser realizado pelo Espírito Santo.
Eis o sacrifício que devemos fazer, de acordo com Isaías: “O sacrifício aceitável a Deus é o espírito quebrantado; ao coração quebrantado e contrito não desprezarás, ó Deus” (Salmos 51:17).
 Quebrantamento é desistir de alcançar o céu através de qualquer quantidade de bondade pessoal. É deixar de lado toda confiança em nossos próprios esforços. É se voltar totalmente para a vitória da cruz de Cristo, crendo que Ele é o único caminho. Finalmente, é confiar Nele para nos dar poder através de Seu Espírito para correspondermos ao que Ele requer em nossas vidas.
Isso é quebrantamento, contrição, humildade. E precisamos de tal quebrantamento para continuarmos a andar em fé: “Perto está o Senhor dos que tem o coração quebrantado, e salva os contritos de espírito” (Salmos 34:18).
“Porque assim diz o Alto e o Excelso, que habita na eternidade e cujo nome é santo: Num alto e santo lugar habito e também com o contrito e humilde de espírito, para vivificar o espírito dos humildes, e para vivificar o coração dos contritos” (Isaías 57:15).
Não importa como eu possa me sentir, Cristo é a minha justiça e retidão. Não importa quantas dúvidas possam se levantar, Cristo é minha justiça. Não importa quantas acusações eu ouça do Diabo durante o dia, eu permaneço nisso: Deus vê a mim como justo em Cristo!
“Eis para quem olharei: para o humilde e contrito de espírito, que treme da minha palavra” (Isaías 66:2).
Onde está o Cordeiro de Deus agora? Está no céu, assentado em Seu trono, Rei dos Reis, Senhor dos Senhores, Príncipe da Paz. Um dia todas as religiões do mundo irão prostrar seus joelhos ante Jesus e confessar que Ele é o Senhor. “Todo joelho se dobrará, toda língua confessará, que Ele era – Ele é – o eterno Cordeiro de Deus”. Eis o Cordeiro de Deus!
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Pobre de espírito - Rico em Graça - Lloyd-Jones


O que significa «pobre de espírito» . . .? É o que disse Isaías (57.15):«Porque assim diz o Alto, o Sublime, que habita a eternidade, o qual tem o nome de Santo: Habito no alto e santo lugar, mas habito também com o contrito e abatido de espírito, para vivificaro espírito dos abatidos, e vivi-ficar o coração dos contritos». É espírito dessa qualidade, e você encontra infindáveis ilustrações dele no Velho Testamento. Foi o espírito de um homem como Gideâo, .por exemplo, que, quando o Senhor enviou um anjo para comunicar-lhe os grandes feitos que lhe cabia realizar, disse: «Não, não, isso é impossível; eu pertenço à menor tribo e à família mais pobre da tribo».Não se tratava de um humilde fingido; era um. homem que de fato acreditava no que dizia e que se encolhia ante o simples pensamento de grandeza e honra, achando-o incrível.

Foi o espírito de Moisés, que se sentiu profundamente indigno da tarefa que lhe foi imposta e estava consciente de sua insuficiência e inadequabilidade. Este espírito se encontava em Davi, quando disse: «Senhor, quem sou eu para que viesses a mim?» Este fato era-lhe incrível, e o deixou espantado. O mesmo espírito se percebe em Isaías, exatamente do mesmo modo. Havendo tido uma visão, ele disse: «Sou homem de lábios impuros». É isso que se chama «ser pobre de espírito», e pode ser percebido através das páginas do Velho Testamento.

Vejamo-lo, porém, no Novo Testamento. Você o vê bem, por exemplo, num homem como o apóstolo Pedro, que de natural era agressivo, auto-afirmativo e auto-confiante — um típico homem moderno do mundo, transbordante dessa confiança e crendo em si mesmo. Mas, observe-o quando ele, de fato, vê o Senhor. Diz ele: «Senhor, retira-te de mim, porque sou pecador». Observe-o mais tarde, como ele presta tributo ao apóstolo Paulo, em 2 Pedro 3.15,16. Mas. . . ele nunca deixou de ser arrojado; não se tornou vacilante e tímido . . . A personalidade essencial permanece; todavia, ao mesmo tempo, é «pobre de espírito».




Pobre de Espírito ou Rico de Orgulho
"Bem-aventurados os humildes de espírito, porque deles é o reino dos céus" (Mateus 5:3).
É importante saber que esta afirmação não confere nenhuma bênção especial aos economicamente pobres! Há a impressão de que a pobreza, por si mesma, é uma bênção, e que ser economicamente pobre automaticamente significa que se é acarinhado e protegido por Deus, abençoado por ele em boas graças. Este equívoco faz com que alguns citem erradamente a passagem: "Bem-aventurados os pobres, pois deles é o reino dos céus". Isso não é o que o Senhor disse, conforme está escrito em Mateus 5:3. Ele disse esta boa palavra para os"humildes de espírito". (Em Lucas 6:20; lê-se "bem-aventurados vós, os pobres" e no mesmo contexto o Senhor fala condenação aos ricos. Em Marcos 12:37 diz que "e a grande multidão o ouvia com prazer". Mas era necessário ouvi-lo e corresponder para ser abençoado. E nosso foco, em Mateus 5:3, tem que ser sobre uma qualidade espiritual e não sobre uma condição econômica.).
O que significa ser "pobre de espírito"? É ter aquela característica fundamental de perceber que se é espiritualmente vazio, e que somente confiando em Deus se pode preencher esse vazio. Reconhecendo que é espiritualmente pobre, a pessoa humilde de espírito conhece a sua própria necessidade.
Ajuda pensar sobre o oposto de "pobre de espírito". O contraste seria "orgulhoso de espírito", auto-suficiente, arrogantemente independente. Há indivíduos com a atitude que diz "não preciso que ninguém me dê qualquer direção na vida. Eu posso passar muito bem sem qualquer padrão moral de uma fonte divina". Este é o espírito moderno do humanismo. No Glossário do Humanismo o conceito é definido deste modo: "... uma visão da vida que é centrada no homem e sua capacidade de construir uma vida que vale a pena para si mesmo e seus parceiros, aqui e agora. A ênfase é colocada nos próprios recursos intelectuais e morais do homem, e a noção de religião sobrenatural é rejeitada."
O humanismo diz que o homem não precisa de um Salvador, não deverá confiar no evangelho, e não precisa de qualquer bênção espiritual. Isto é o oposto de "pobre de espírito". E esta arrogância e rebeldia contra Deus são ilustradas pelo rei babilônio descrito em Isaías 14 (veja Isaías 14:12-15). Esta mesma perspectiva é ilustrada na atitude daqueles que tentaram construir a torre de Babel (veja Gênesis 11:4). O motivo principal era a glória do homem. Eles eram pobres de espírito, mas ricos em orgulho humano.
Ser pobre de espírito é ter a disposição descrita em Isaías 66:2: "... mas o homem para quem olharei é este: o aflito e abatido de espírito e que treme da minha palavra".

-por Warren E Berkley






Nos ensinamentos de Jesus, há uma íntima relação entre a humildade e a condição de servo. Ser humilde é ser servo. Eles não são a mesma coisa, porém a humildade produz a disposição para serviços insignificantes com alegria no coração. O discípulo deixa de ser pobre de espírito e passa a confiar na graça de Deus como uma criança. Desenvolve um coração de servo e deseja servir aos outros.

A primeira das conhecidas bem-aventuranças de Jesus é: "Bem-aventurados os pobres em espírito" (Mateus 5.3). Isto é, bem-aventurados são os que não encontram motivo para mérito ou elogio quando olham para dentro de si. São o oposto daqueles que "confiavam em sua própria justiça" (Lucas 18.9). Eles sabem que nada têm em si que mereça o elogio de Deus.

Os humildes assumem com alegria o lugar dos servos inúteis descritos por Jesus em Lucas 17.10: “Assim também vocês, quando tiverem feito tudo o que lhes for ordenado, devem dizer: “Somos servos inúteis; apenas cumprimos o nosso dever' ". Que declaração profunda — e devastadora para o orgulho até o último vestígio! Jesus diz que nenhum ato de obediência, do pior ao melhor, merece reivindicar o elogio de Deus. A pessoa perfeitamente obediente deve dizer: "Sou um servo inútil". Isso deve fazer parte de sua obediência. E como dizer a Deus: "Não coloco sobre teus ombros nenhum dever de recompensar-me". Essa convicção é a raiz da humildade: não merecemos nenhuma recompensa de Deus.

Explicando de maneira mais positiva o exemplo do humilde publicano, a única coisa boa que podemos exigir de Deus é sua misericórdia, mesmo assim ela é imerecida: "Deus, tem misericórdia de mim, que sou pecador" (Lucas 18.13). "Eu lhes digo que este homem, e não o outro, foi para casa justificado diante de Deus" (v. 14). A alegria do humilde não está em ser merecedor de alguma coisa, mas em receber misericórdia.




Humilhado por Deus

by David Wilkerson | January 9, 1989





Humilhar significa “reduzir, rebaixar a dignidade e o orgulho de uma pessoa”. Pretendo mostrar nesta mensagem que Deus humilha aqueles a quem ama. Em verdade, a menos que você tenha experimentado esta humilhação divina, não estará preparado para ser plenamente usado por Deus; não estará preparado para receber de Sua plenitude.
Deus humilha Seu povo apenas com o intuito de prepará-lo para um maior aproveitamento - princípio que vemos em operação por toda as escrituras. Esta humilhação vinda de Deus é melhor ilustrada através das experiências dos filhos de Israel. Deus libertou Seu povo operando grandes milagres - depois o levou a um deserto estéril e o humilhou inteiramente!
Depois de 430 anos de escravidão, os israelitas perderam a esperança de algum dia conhecer a liberdade, ou possuir sua própria terra. Então apareceu entre eles um profeta chamado Moisés pregando a esperança. Ele ia de uma fornalha de tijolos à outra, de um campo para outro, e de casa em casa falando ao povo: “Então disse o Senhor: De fato tenho visto a aflição do meu povo, que está no Egito, e tenho ouvido o seu clamor por causa dos seus opressores, e conheço os seus sofrimentos. Por isso desci para livrá-lo das mãos dos egípcios, e para fazê-lo subir daquela terra para uma terra boa e espaçosa, para uma terra que mana leite e mel” (Êxodo 3:7-8). “Pois tu és um povo santo ao Senhor teu Deus. O Senhor teu Deus te escolheu para que lhe fosses o seu povo próprio, de todos os povos que há sobre a terra... mas porque o Senhor vos amava, e para guardar o juramento que fizera a vossos pais, o Senhor vos tirou com mão forte, e vos resgatou da casa da servidão, da mão do Faraó, rei do Egito” (Deuteronômio 7: 6,8).
Ali estavam eles, suados, cansados, mal sobrevivendo - enquanto Moisés lhes pregava uma brilhante mensagem de esperança! Viram o tremendo poder de Deus quando os livrou com um milagre após outro, demonstrando ao mundo como Ele protege e livra os Seus.
Na ocasião, Israel vivia em Gósen - um estado egípcio escravo. Mas Deus disse ao Egito: “Farei distinção entre o meu povo e o teu povo” (Êxodo 8: 23). E durante o decorrer de dez terríveis pragas o povo de Deus permaneceu intacto!
Primeiramente, Moisés ergueu sua vara, feriu as águas do Egito e elas se transformaram em sangue. Até mesmo a água guardada nos vasilhames de madeira ou pedra foi contaminada. Os peixes morreram e os rios exalaram mau cheiro! Durante vários dias a água se tornou imprópria para beber - mas em Gósen, o povo de Deus bebia água fresca e pura.
Depois Arão estendeu a mão sobre as águas, e ondas e ondas de rãs surgiram e cobriram a terra. Em toda casa, cozinha, quarto de dormir, no pátio dos palácios, no armazém e templo, não havia lugar para se deitar, ou sentar, por causa da invasão de rãs! Mas em Gósen as rãs ficaram nas águas, e todos os israelitas ouviam o seu coaxar. Que cena para Israel: contemplar os egípcios juntando rãs mortas aos montões; “e a terra cheirou mal!”. Mas não em Gósen!
Como o faraó endureceu o coração contra Deus, de novo a vara foi usada - desta vez para agitar o pó. O pó se tornou em piolhos, que atacaram todo o povo e todos os animais. Alguns interpretam isso como uma praga de moscas ou mosquitos: “Esses mosquitinhos molestavam os animais e as pessoas, entrando-lhes nos olhos e nas narinas, levando-os à fúria. Às vezes os animais eram torturados até à morte por esta invasão.” Mas em Gósen não havia piolho, nem mosquitinho, nem moscas!
A seguir veio a invasão de moscas - enxames de moscas como nuvens negras, “e a terra ficou arruinada com estes enxames”. Alguns dizem que esta praga incluía besouros, moscas de gado, moscas de cães, e todo tipo de mosca. “A terra foi assolada” (Êxodo 8: 24). Mas, em “a terra de Gósen, em que meu povo habita...não haja enxames de moscas” (Êxodo 8: 22).
Depois veio a praga sobre o gado do Egito. Cavalos, camelos, bois, ovelhas, burros e vacas caíram mortos por todo o Egito. “Mas do gado dos filhos de Israel não morrem nem um” (Êxodo 9:6).
A praga seguinte foi a das feridas na pele. Elas não eram como as que conhecemos; não, eram chamadas de “mal do Egito”, lepra negra, elefantíase - todas causadoras de deformidades.
Após esta veio a terrível chuva de pedras, com relâmpagos, trovões, “e fogo desceu à terra” e “havia saraivada misturada com fogo”. Era “tão terrível que nunca igual em toda a terra do Egito, desde que veio a ser nação”. Ela “feriu tudo o que havia no campo” (Êxodo 9: 23-25). E em Gósen? Nem uma pedrinha em parte alguma!
A seguir veio a invasão de gafanhotos que “cobriram a face de toda a terra” (Êxodo 10:15). Eles escureceram o céu “e não ficou verdura” (vers. 15). Entretanto, em Gósen não houve gafanhotos e o sol brilhou em todo seu esplendor.
Depois dos gafanhotos veio a praga de trevas, tão densas que podiam ser apalpadas (Êxodo 10: 21). Elas duraram três dias, e eram tão intensas que os egípcios não podiam ver uns aos outros. “Mas todos os filhos de Israel tinham luz nas suas habitações” (v. 23).
A décima e última praga foi a visita de um anjo da morte que matou todos os primogênitos: “Levantou-se Faraó de noite...e todos os egípcios; e havia grande clamor no Egito, pois não havia casa em que não houvesse um morto” (Êxodo 12:30). O Egito foi dizimado - completamente desmoralizado. Em Gósen, todavia, nem um morto sequer!
“Nesse mesmo dia, todos os exércitos do Senhor saíram da terra do Egito” (Êxodo 12:41). Os israelitas deixaram o Egito com gloriosas promessas soando nos ouvidos: ‘Tu, com a tua beneficência guiarás o povo que remiste. Com a tua força o levarás à tua santa habitação” (Êxodo 15:13). “Espanto e pavor cairão sobre eles (teus inimigos). Pela grandeza do teu braço emudecerão como pedra” (15:16). “Ele...te abençoará e te fará multiplicar...o fruto da tua terra, o teu cereal, o teu vinho, o teu azeite, a cria das tuas vacas e a cria das tuas ovelhas...Bendito serás mais do que todos os povos...O Senhor desviará de ti toda a enfermidade. Ele não te aligirá com as terríveis doenças que conheceste no Egito” (Deuteronômio 7: 13-15). “O Senhor teu Deus está no meio de ti, Deus grande e terrível...ninguém te poderá resistir” (Deuteronômio 7: 21,24).
Então aconteceu o maior de todos os milagres: viram Deus dividir o poderoso mar, amontoar suas águas e abrir uma via de escape sobre terra seca! Eles cantaram, dançaram e adoraram a Deus enquanto as águas se desmoronavam sobre o Faraó e seu exército. Viram um exército inteiro sendo varrido pelo dedo de Deus!
A seguir os israelitas saíram para o deserto chamado Sur (Êxodo 15:22). Depois se dirigiram ao deserto de Sim (Êxodo 17:1). Como se sentiam prósperos, abençoados e especiais - pois cada oração havia sido maravilhosamente respondida! Eles sabiam que estavam protegidos e guiados por um Pastor bondoso e sábio, e saíram cantando Suas promessas.
Mas no dia seguinte acordaram sentindo dores de fome! Todos os pães sem fermento já tinham sido comidos, e não havia alimento de espécie alguma no arraial. “...foram lançados fora do Egito e não tiveram tempo de preparar para si provisões” (Êxodo 12:39). Trinta dias depois de haverem deixado o Egito, dois milhões de pessoas haviam chegado ao fim dos recursos! As poucas cabeças de gado que possuíam, estavam fracas e magras, só davam para alimentar umas poucas pessoas, e ficariam sem nenhum animal para reprodução na nova terra.
Os filhos de Israel ficaram totalmente desamparados: pais, mães, príncipes, líderes - todos sem ter a quem recorrer. Não havia caravanas de camelos com provisões. Nada de frutas secas, nem peixes secos; não havia pão, nem figos, nem tâmaras, uvas ou castanhas. Sem dúvida tinham visto o comboio de suprimentos do Faraó desaparecendo - enormes lonas carregadas de alimentos flutuando sobre o mar Vermelho!
A lógica do povo deve ter sido: “Deus sabia exatamente o dia e a hora em que deixaríamos o Egito. Moisés conversa com Deus - então por que ele não nos disse que devíamos trazer provisões de alimentos para seis meses? Até os deuses do Egito dispensam melhor tratamento aos seus soldados. Por que nos mandaram pedir todo este ouro, prata e jóias? Isso não é coisa que se possa comer - não tem nenhum valor aqui!”
Não havia nem mesmo grama à vista - não havia animais para caçar, não havia árvores com frutos, não havia estrangeiros para se trocar mercadorias. Não poderiam voltar ao Egito ainda que desejassem: o mar Vermelho bloqueava-lhes a retirada! E ainda que pudessem contornar o mar, os egípcios teriam impedido a volta.
Assim, agora, pela frente nada havia senão um deserto sombrio e que trazia maus preságios. As crianças choravam e as esposas torciam as mãos em desespero. Os pais e maridos estavam desamparados e humilhados. Todos se reuniram em torno de Moisés e se queixaram: “Tu nos trouxestes a este deserto, para matardes de fome a toda esta multidão” (Êxodo 16:3).
Isso era humilhação para Israel - e uma lição para nós hoje. “Ora, estas coisas aconteceram como exemplos, para que não cobicemos as coisas más, como eles cobiçaram...estão escritas para aviso nosso, para quem já são chegados os fins dos séculos” (I Coríntios 10: 6,11).
“Ele te afligiu, e te deixou ter fome; depois te sustentou com o maná...para te dar a entender que não só de pão vive o homem, mas de tudo o que sai da boca do Senhor” (Deuteronômio 8:3).
A primeira lição deste versículo está nas palavras: “e te deixou ter fome”. Foi isso 40 anos mais tarde, e Moisés não queria que Israel se esquecesse desta lição de humilhação. “Lembrar-te-ás de todo o caminho pelo qual o Senhor teu Deus te guiou no deserto estes quarenta anos” (Deuteronômio 8:2).
Lembre-se, foi Deus quem deixou que tivessem fome - foi Deus que os levou para fora despreparados e trouxe esta crise sobre eles - e foi Deus que os colocou contra a parede e deixou os céus como bronze. Foi Deus quem os conduziu à circunstâncias tão humilhantes! Satanás nada tinha a ver com a medonha situação em que se encontravam. Era tudo uma prova para revelar o que havia no coração do povo, “para te humilhar e te provar, para saber o que estava no teu coração” (Deuteronômio 8:2).
Ele sabe o que está em nós, mas quer que nós também o saibamos. A prova a que os israelitas foram submetidos não era para saber o quanto de coragem possuíam para enfrentar poderosos inimigos, ou gigantes, ou carruagens de ferro, porque Deus já se empenhara em lutar as batalhas por eles. Mas era para prepará-los para as bênçãos, pois estavam despreparados - a incrível prosperidade: boas casas, tonéis cheios de vinho, rios de leite, abundância de mel, trigo e gado - para não mencionar todos os tipos de bênçãos espirituais.
“Pois o Senhor teu Deus te introduz numa boa terra, terra de ribeiros de águas, de fontes e de mananciais profundos que manam dos vales e das montanhas; terra de trigo, cevada, vides, figueiras e romãzeiras; terra de oliveiras, de azeite e mel; terra em que comerás pão sem escassez, e nada te faltará nela; terra cujas pedras são de ferro, e de cujas montanhas cavarás sobre o cobre. Comerás e te fartarás, bendizendo ao Senhor teu Deus pela boa terra que te deu. Guarda-te de não te esqueceres do Senhor teu Deus, não cumprindo os seus mandamentos, os seus juízos e os seus estatutos que hoje te ordeno; para não suceder que, depois de teres comido e estares farto, de teres edificado boas casas e habitado nelas, e depois de se multiplicarem as tuas vacas e as tuas ovelhas, e aumentar a prata e o ouro e tudo quanto tens, se ensoberbeça o teu coração e te esqueças do Senhor teu Deus, que te tirou da terra do Egito, da casa da servidão; que te guiou por aquele grande e terrível deserto de serpentes abrasadoras, de escorpiões, de terra árida e sem água, onde fez jorrar para ti água da pedra dos rochedos; que no deserto te sustentou com maná, que teus pais não conheceram, a fim de te humilhar e provar, e afinal te fazer bem. Não digas no teu coração: A minha força e o poder do meu braço me proporcionaram esta riqueza” (Deuteronômio 8: 7-17).
Aqui o Senhor está falando não só a Israel - mas a nós hoje. O objetivo de Deus ao humilhar o povo nunca esteve em dúvida: Era “a fim de te humilhar e provar, e afinal te fazer bem” (Deut. 8:16). Precisava ensinar Israel a lidar com toda a abundância que Ele estava prestes a derramar sobre Seu povo. E Deus tem de nos humilhar da mesma maneira que os humilhou.
Como se poder ver, embora os filhos de Israel estivessem protegidos e libertos pelo sangue, sendo guiados de modo sobrenatural, objeto do amor de Deus e do poder operador de milagres, uma coisa lhes faltava: eles não eram dependentes de Deus!
O sangue pode cobrir seus pecados, mas não lhe faz dependente de Deus. Os milagres podem lhe livrar do poder de Satanás, mas não podem lhe tornar dependente. Você pode ser guiado de maneira sobrenatural por Deus e ainda não se apoiar inteiramente nEle.
Deus tem de nos despojar de toda auto-segurança, e destruir tudo quanto resta de justiça própria, orgulho espiritual e vanglória. Ele deve (e o faz) humilhar a todos quantos estão destinados a herdar Suas grandes bênçãos espirituais.
Ele tem de pegar um Saulo de Tarso - cheio de auto-confiança, de auto-justificação, consumido com conhecimento das escrituras, cheio do zelo de Deus, pronto para morrer por Jeová - e feri-lo com cegueira! Saulo tinha de ser humilhado perante o mundo, ser conduzido por toda parte como criança e aguardar durante dias, em desamparo, até que Deus agisse. Ele foi humilhado até chegar ao ponto de dependência total!
Estou sob a mão humilhadora de Deus neste exato momento! Quanto a mim, ainda não atingi o alvo. Se você pensa que está no controle da situação, e que tudo está bem calculado, que ouve muito clara a voz de Deus, que nunca está errado, que todas as suas orações são respondidas - então cuidado! Você está indo em direção à fome, porque Deus reune todos num nível de fome e desamparo.
A Igreja de Times Square deve ser humilhada - e é o que está acontecendo agora mesmo! Tivemos seis meses de orações intensas contra uma certa legislação que defende o aborto, contudo ela ainda funciona. Os pornógrafos devastam - e Satanás, atrevido, monta uma peça teatral no mesmo teatro que Deus prometeu dar-nos como lugar de adoração. Por que? Porque Deus está nos examinando e provando, nos despindo de toda confiança depositada no homem e na carne, nos levando à uma situação de total dependência dEle a fim de preparar-nos para o grande derramamento de Si mesmo.
Deus pode lhe conduzir a um lugar onde parece que tudo sai errado: enfermidade, morte, vozes conflitantes, orações aparentemente não respondidas, promessas de Deus que parecem escarnecer de suas petições e lágrimas. É a sua hora de humilhação - o seu tempo determinado de prova.
Este texto de Deuteronômio 8:3 é tão poderoso que o próprio Jesus o usou contra o diabo durante Sua grande tentação no deserto (veja Mateus 4: 1-4). À semelhança dos filhos de Israel, Jesus também teve fome. Que maior humilhação haveria do que sendo o Filho de Deus, ser levado a um ponto de total dependência?
Como homem, Jesus aprendeu obediência e dependência pelas coisas que sofreu, como esta crise de fome. O que Jesus na realidade estava dizendo era: “Não estou aqui para agradar a mim mesmo ou para afagar a minha carne. Estou aqui para fazer a perfeita vontade de meu Pai.” Jesus entregou cada um de Seus cuidados humanos na mão do Pai. Em outras palavras, disse: “Gastarei toda a minha vida e todo o meu tempo obedecendo Meu Pai, fazendo Sua perfeita vontade - e Ele cuidará de mim a Seu modo.”
Jesus sabia que Deus poderia proferir apenas uma ordem: “Fome - dê o fora!” Mas sabia também que o Pai poderia lhe dar um alimento que ninguém conhece - por isso Ele não vivia pensando em comida, bebida, vestes, ou casas. Pelo contrário, buscaria a vontade de Deus em primeiro lugar, e deixaria que o Pai cuidasse de Suas necessidades.
Jesus estava dizendo algo muito profundo, e de um propósito: “Não vim para pedir ao Pai que cumpra Sua palavra comigo; vim para Eu cumprir todas as Suas palavras!” Jesus não necessitava de um milagre para provar a si mesmo o amor que o Pai lhe votava. Ele descansava nas palavras do Pai. Seu clamor não era: “Deus, cumpre Tua palavra comigo!”, mas, ao contrário: “Deixa-me cumprir a Tua palavra em todas as coisas.”
Multidões de cristãos hoje são o que eu chamaria de crentes “pão”- vivem só de pão, sempre pedindo que Deus prove Sua fidelidade. Eles têm uma fome interior, e pensam que sabem o que a satisfará.
Na maior parte dos meus primeiros anos de ministério eu era um cristão “pão”. Tinha uma fome insaciável, impulsionada por necessidades inexplicáveis. Quando achei que necessitava de uma nova igreja, eu a consegui! Quando achei que precisava de um programa na TV, eu o consegui! Quando precisei de multidões rejeitadas, eu as consegui! Todas eram coisas boas em si; mas eu passava anos orando: “Deus, prova o Teu poder! Envie dinheiro, estou endividado! Abençoa-me Senhor! Abençoa meu ministério! Responde às minhas orações! Deixa-me provar ao mundo que Tu tens todo o poder. Cura os enfermos para provar que Tu ainda és o mesmo hoje!”.
Assim, é raro Deus encontrar um cristão cujo único alvo seja conhecer e fazer a vontade de Deus - como Jesus conhecia e fazia - e que nunca diga: “Deus, onde estás?” mas, ao invés, ore: “Deus, onde estou eu nesta questão de obediência e dependência?”
Quando comparecermos perante o trono do juízo, não seremos julgados pelo número de curas que realizamos, ou por quantos demônios expulsamos, ou pelo número de orações que vimos respondidas, ou por quantas grandes obras realizamos. Seremos julgados com base em nossa dependência e obediência à palavra e à vontade de Deus.
Em nossos dias temos nos tornado muito bons em “dar ordens” a Deus. Damos ordens ao diabo e aos demônios; damos ordens às fortalezas para que caiam. Isso tudo é bom - mas só quando clamamos: “Ó Deus! Ordene a mim! Diga-me o que fazer - mostre-me como fazer a Tua vontade, como obedecer à cada palavra que sai da Tua boca.”
Através de todas as coisas, Deus está nos dizendo: “Quero ser sua única provisão, sua única esperança. Quero ser seu único objeto de confiança.”
Meu clamor é: “Ò Deus, Tu cuidas do dinheiro - apenas dá-me a Tua mente. Tu cuidas da minha saúde, minha família, minhas necessidades - apenas dá-me a Tua palavra.”
“No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus...E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós. Vimos a sua glória, a glória como do unigênito do Pai” (Jo. 1: 1,14).
Quanto do Verbo se fez carne? Todo ele! “Pois nele habita corporalmente toda a plenitude da divindade” (Colossenses 2:9). Assim sendo, como podemos viver de toda palavra que procede da boca de Deus? Será que é pegando um bloco e um lápis, e anotando todos os mandamentos de Jesus, depois nos disciplinando a fixar cada um deles até que os dominemos? Amados, mesmo depois de todos estes anos de pregação, não conheço ainda todos os muito preciosos mandamentos do Senhor!
Segundo meu modo de ver, há apenas um meio de agradar ao Senhor: apresentar seu corpo a ele - tirar o eu do caminho - e deixar Jesus viver Sua vida em você. Paulo diz: “Eu já não vivo, mas Cristo vive em mim” (Gálatas 2:20). Não era uma vida espiritual mística, vivida dentro dos limites da mente. Não! Paulo continua no mesmo versículo: “A vida que agora vivo na carne, vivo-a na fé no Filho de Deus”. Devemos oferecer nossos membros a Deus “como instrumentos de justiça” (Romanos 6:13).
É para aqui que Deus está nos guiando, àquela terra maravilhosa e boa, cheia de leite, mel, azeite e vinho - as bênçãos espirituais em Cristo para as quais Deus nos vem preparando. Quando tivermos um corpo tão morto, crucificado, humilhado e dependente, Cristo o possuirá e viverá Sua vida nele e através dele. Deus não trabalha por meio da carne - nem mesmo da “boa” carne. Ele só trabalha por intermédio de Seu Filho Jesus!
Paulo era um homem “bom” - santo, imaculado, que guardava os mandamentos de Deus. Mas esse “bom” Paulo tinha de morrer a cada dia, de modo que Cristo pudesse realizar Sua obra e viver Sua vida nele. Há um hino que diz: “Quem dera eu fosse Sua mão estendida, alcançando os oprimidos...” Isso é tão verdadeiro! Quando impusermos as mãos sobre os enfermos, nada acontecerá a não ser que sejam em realidade as mãos de Cristo estendidas, com o eu posto de lado e Jesus realizando as obras de Seu Pai por nosso intermédio.
Quanto a Paulo, o segredo era: “Não eu, mas Cristo” - um desvestir diário de Paulo e um vestir diário de Cristo. Entretanto, muitos de nós não queremos viver Jesus; queremos apenas usá-Lo quando for conveniente - desvestir-nos de Jesus e vestir outra roupa!
Viver Cristo não é complicado. Primeiro, você deve querer a vida dEle - de todo o coração e entendimento. A seguir você deve sair do caminho, jogar tudo sobre Ele, confiando que Ele o possuirá por completo.
Finalmente, creia que o tanto que de você for esvaziado, Ele encherá - conSigo próprio! Amém!






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Humilhe-se! - Martyn Lloyd-Jones


Humilhe-se à vista de Deus
A palavra hebraica «aviva» tem o sentido primário de «preservar», ou «manter vivo». O que Habacuque temia grandemente era que a Igreja estivesse sendo totalmente des truída. Daí orava: «Preserva-a, ó Deus, mantém-na viva, não permitas que ela seja derrotada». Entretanto, avivar não signi fica somente manter vivo ou preservar, mas também purificar e corrigir, despojar-se do mal. Este é sempre um acompa nhamento essencial, toda vez que Deus promove avivamento. 
Na historia de cada reavivamento lemos sobre a ação de Deus, purificando e eliminando o pecado, a impureza e as coisas que estavam embaraçando a Sua causa. . . enquanto a Igreja está sendo preservada, purificada e corrigida, ao mesmo tempo está sendo preparada para a libertação^ O profeta olha para a calamidade que se aproxima, e diz: «Õ Senhor, ainda que devamos ser punidos, prepara-nos para a libertação que há de vir. Faze a todo o Teu povo digno das Tuas bênçãos». . .
O apelo final de Habacuque é deveras tocante (capítulo 3, versículo 2) — «na tua ira», diz ele, «lembra-te da miseri córdia» . . . Não pede a Deus que se lembre do Seu povo por causa de quaisquer méritos deles. . . A única coisa que ele faz é pedir a Deus que se lembre de Sua natureza e daquele outro lado do Seu santo Ser — a Sua misericórdia. E como se dissesse: «Tempera a ira com a misericórdia. Nada temos para dizer, exceto pedir-Te que ajas de acordo contigo mesmo, que em meio à ira tenhas piedade de nós».

Temos aqui a oração modelo para uma época deste..* Em todos os nossos «dias nacionais de oração», durante a última guerra, parecia haver a presunção de que nós estávamos certos e de que tudo que tínhamos a fazer era pedir a Deus que derrotasse os nossos inimigos que, só eles, estavam errados. Tinha-se a impressão que não havia lugar para ne nhuma humilhação veraz ou confissão de pecado. . . 

A men sagem deste livro (Habacuque) é que, enquanto não nos humilharmos verdadeiramente. . . enquanto não nos encarar  mos a nós mesmos como somos aos olhos de Deus. . . não temos direito de procurar paz e felicidade. Enquanto o mundo não aprender estas poderosas lições da Palavra de Deus, não haverá esperança para ele.




Quebrantamento: Espírito de Humilhação
por
Rev. Richard Baxter


Prefácio

Estas páginas são uma tradução de um dos capítulos do livro do Rev. Richard Baxter, intitulado 
Direções e Persuasões para uma Conversão Segura (Directions and Persuasions to a Sound Conversion). Dentre as doze instruções que ele fornece no livro, a fim de que uma conversão não venha a ser abortada, mas sim firme, segura, sólida e saudável, a quarta, aqui traduzida, é a seguinte: “Atente para que a obra de humilhação seja feita de modo completo, e não fuja do Espírito de contrição antes que Ele complete Sua obra em você”.
O capítulo é, portanto, um tratado sobre quebrantamento, sobre a obra de humilhação que o Espírito quer realizar no entendimento, vontade e sentimentos de um pecador, a fim de habilitar seu coração a receber a Cristo com a solicitude e dignidade imprescindíveis, porque Cristo, escreve Richard Baxter, “não virá através da Sua graça salvadora à alma, para ser recebido ali com desprezo: porque Ele veio na carne com o propósito de ser humilhado, mas veio no Espírito com o propósito de ser exaltado”.
O Rev. Richard Baxter foi um conhecido pastor reformado, o qual viveu na Inglaterra durante o século XVII (1615-1691). Era um não-conformista, que tentou reformar a Igreja da Inglaterra, sendo muitas vezes preso por isso. Dentre os seus livros mais importantes estão: O Pastor Reformado, O Descanso Eterno dos Santos, A Vida Divina, Um Tratado sobre a Conversão, Um Apelo ao não Convertido, Agora ou Nunca, e muitos outros clássicos evangélicos.
Os escritos, a pregação e a vida de Richard Baxter produziram um inegável reavivamento espiritual na cidade de Kidderminster, onde realizou o seu ministério. Quando ele chegou à cidade, eram poucos os crentes e duvidosas as suas conversões. Algum tempo depois, entretanto, o templo de sua igreja teve que ser aumentado - ainda assim não comportava mais as pessoas, que escalavam as janelas para ouvir suas pregações. Muitas ruas da cidade tiveram todos os seus moradores convertidos: podia-se ouvir centenas de pessoas cantando hinos de louvor a Deus em plena rua; e as conversões davam provas suficientes de serem sinceras e profundas.
O propósito da Editora Clássicos Evangélicos [1], como o próprio nome indica, é traduzir e editar obras (sermões, biografias, obras práticas e teológicas) de homens de reconhecida estatura espiritual dos períodos mais gloriosos da História da Igreja, tais como: Jonathan Edwards, John Owen, Richard Sibbes, Thomas Goodwin, mais recentemente Martyn Lloyd-Jones, e outros, como o volume aqui apresentado de Richard Baxter, que introduz a série.
Vemos os escritos desses irmãos do passado como um tesouro espiritual valiosíssimo, mas ao mesmo tempo perdido ou quase inacessível aos leitores brasileiros. Desejamos resgatar alguns desses tesouros e compartilhar suas jóias (conselhos, interpretações, ensinos, experiências, luz e calor), tornando-os mais acessíveis.
O Editor




Introdução
 [2]
A firmeza da conversão e santificação é uma consideração tão importante que o nosso cuidado e diligência em confirmá-las não podem ser demasiadamente grandes. Tanto os ateístas professos, pagãos e infiéis lá fora, como os hipócritas auto-enganadores dentro da igreja, entregam-se deliberadamente à ruína eterna ao negligenciarem tal assunto de conseqüência eterna, enquanto têm tempo, advertência e assistência para considerarem a questão com urgência. Multidões vivem como brutos ou ateístas, esquecendo-se de que são nascidos em pecado e miséria, deliberadamente acomodados nesta situação, os quais devem ser convertidos, ou serão condenados. Muitos deles não sabem a necessidade que têm de conversão, nem o que é conversão ou santificação. Além disso, alguns pregadores do Evangelho têm sido tão lamentavelmente ignorantes quanto a um assunto de tal importância que têm persuadido o pobre e iludido povo de que apenas os pecadores grosseiros e odiosos necessitam de conversão, dessa forma prometendo salvação àqueles, aos quais Cristo, com muitas asseverações, declarou que não entrariam no reino de Deus. Outros, embora confessem que uma profunda santificação é algo necessário, iludem suas almas com alguma coisa que apenas se assemelha a isso.
Aí está a causa da miséria e desonra da igreja. A própria santidade é desonrada por causa dos pecados daqueles que, se dizendo santos, pretextam aquilo que não têm. Por isso, temos milhares que se chamam cristãos vivendo uma vida mundana e carnal; alguns deles odiando o caminho da piedade, pensando, contudo, que são convertidos por sentirem alguma tristeza quando pecam; desejam, quando o pecado já é passado, que não houvesse acontecido aquilo, imploram a misericórdia de Deus por isso, e se confessam pecadores. Isto, eles tomam por verdadeiro arrependimento; embora o pecado nunca tenha sido mortificado nas suas almas, nem os seus corações tenham sido levados a odiar e abandonar o pecado. Após haverem usufruído e se deleitado no pecado, ficam tristes por causa do perigo, mas nunca são regenerados e feitos novas criaturas pelo Espírito de Cristo.
É por isso, também, que temos tanta abundância de meros “opinionistas”, que se consideram pessoas religiosas porque mudaram de opinião ou de denominação, porque podem tagarelar contenciosamente contra aqueles que não pensam como eles, e porque se unem àqueles que parecem ser os mais piedosos, assim assumindo serem realmente santificados. Isto promove tamanho corre-corre de uma opinião à outra, e tal reprovação, injúria, e divisões, pelo seguinte: a religião deles consiste especialmente nas suas opiniões, sendo que nunca mortificaram suas inclinações e paixões carnais e egoístas. Isto sim, produziria neles uma mente santa e celestial.
Por isso também há tantos mestres licenciosos, os quais parecem ser religiosos, mas que não refreiam suas línguas, seus apetites, suas cobiças, sendo antes escarnecedores, caluniadores, beberrões, glutões, imundos e lascivos, ou de algum modo escandalosos para a sua santa profissão, porque desconhecem uma real conversão e apegam-se a uma mudança falsa ou superficial.
Esta é a razão pela qual há tantos mundanos que se consideram homens religiosos, os quais fazem de Cristo apenas um servo dos seus interesses mundanos, e buscam os céus apenas como uma reserva para quando nada mais lhes restar na terra, e são apegados a certas coisas deste mundo, as quais lhes são tão queridas, a ponto de não poderem abandoná-las pela esperança da glória; mas entregam-se a Cristo com secretas exceções e reservas, por causa de sua prosperidade no mundo. Tudo isso porque nunca conheceram uma conversão genuína, a qual deveria ter arrancado dos seus corações este interesse mundano, e tê-los libertado inteira e absolutamente para Cristo.
É por isso também que há tão poucos mestres que podem desvencilhar-se do seu orgulho, suportar desconsideração ou ofensa, amar os seus inimigos, e abençoar aqueles que os amaldiçoam; sim, ou amar seus amigos piedosos que os irritam ou desonram; e tão poucos que podem negar a si mesmos pela honra de outros, ou fazer qualquer coisa considerável por amor a Cristo, em obediência e conformidade com a Sua vontade. E tudo isso, porque nunca experimentaram esta transformação salvadora, que rebaixa o “eu”, e estabelece a Cristo como soberano na alma.
Aí está também a razão pela qual se observa, atualmente, tanto exemplo terrível de apostasia. Tantos ultrajando a Escritura, que pensam um dia tê-los convertido; ultrajando o caminho da santidade, o qual um dia professaram; negando o próprio Senhor que os comprou; e tudo porque anteriormente se apegaram a uma conversão superficial e falsa.
Oh, quão comumente, e quão lamentavelmente esta miséria se manifesta entre os mestres, nos seus discursos insípidos, nas suas contendas e invejas, nas suas pretensões religiosas, nas suas formalidades mortas e divisões impetuosas, ou nas suas mentes egoístas, soberbas e carnais! Uma conversão genuína teria curado tudo isso, ou, pelo menos, curado do domínio dessas coisas.
Assim sendo, tendo no meu livro “Apelo ao Não Convertido” (Call to lhe Unconverted) me esforçado no sentido de despertar almas descuidadas, e persuadir os obstinados a se voltarem para Deus a fim de que vivam, eu aqui me dirijo àqueles que parecem estar sob a obra de conversão. Tenciono dar-lhes algumas direções e persuasões para preveni-los de virem a perecer no nascimento, e, assim, prevenir a hipocrisia, na qual, provavelmente, se formarão. Prevenir também o engano de seus corações, o engano nas suas vidas, e a miséria na hora da morte, coisas estas, que provavelmente se seguiriam, para que não vivam como aqueles que honram a Deus com a sua boca e com os seus lábios, mas o seu coração não está correto diante Dele, nem são firmes à Sua aliança[3]. Para que, por não se entregarem a uma consideração profunda, nem enraizarem a semente de vida, ou por abafarem-na com um amor e cuidado predominantes pelo mundo, venham a secar quando o fogo da perseguição surgir. Para que, edificando sobre a areia, não venham a cair quando os ventos e as tempestades se levantarem, e a sua ruína seja grande, e assim “Saiam do nosso meio, a fim de que se manifeste que não eram dos nossos; porque, se tivessem sido dos nossos, teriam permanecido conosco”.[4]
Atentem, portanto, para esta grande e importante questão, e “procurai, com diligência cada vez maior, confirmar a vossa vocação e eleição”,[5] e não dêem crédito aos seus corações tão fácil e confiantemente; “mas voltem-se para o Senhor de todo o seu coração”. Apeguem-se a Ele resolutamente e com propósito de coração, e atentem a fim de que vendam tudo, comprem a pérola, e não hesitem diante do preço, mas se rendam totalmente a Cristo, e voltem-se para Ele - como fez Zaqueu e outros convertidos da igreja primitiva - renunciando a tudo o que não tem a Sua vontade.
Não deixem que nenhuma raiz de amargura permaneça; não façam exceções ou reservas; mas neguem-se a si mesmos; abandonem tudo, e sigam Aquele que os tem guiado a este caminho de autonegação; e confiem no Seu sangue, méritos e promessas, por um tesouro nos céus; e, assim, vocês serão Seus discípulos, e cristãos de fato.
Leitor, se tu, de coração, tomares estas resoluções e as guardares, descobrirás, que nas tuas situações mais críticas, Cristo não te enganará, enquanto que o mundo engana aqueles que o escolhem. Mas, se desistires, e pensares que estes termos são demasiadamente duros, lembra-te de que a vida eterna te foi oferecida; e lembra-te por que, e pelo que a rejeitaste. Se nesta vida terrena buscares o teu próprio benefício, espera ser atormentado, enquanto que as almas crentes, as quais trilharam o caminho da autonegação, estarão sendo confortadas.
Richard Baxter










Capítulo 1






A Verdadeira Natureza da Humilhação 

Há uma humilhação preparatória que acontece antes de uma transformação salvífica, que não deve ser desprezada, visto que nos aproxima de Deus, mas que, contudo, não consiste numa total submissão a Ele.

Esta humilhação preparatória, a qual muitos vêem fenecer, consiste principalmente nas seguintes coisas: em primeiro lugar, ela reside principalmente no temor de ser condenado - este temor se assemelha mais à sensação de medo. Consiste também em uma certa apreensão da grandeza dos nossos pecados, da ira de Deus que ameaça cair sobre nossas cabeças, e do perigo em que nos encontramos de sermos condenados para sempre. Ela consiste ainda em certa compreensão da loucura da qual somos culpados ao pecar, e de algum arrependimento por ter um dia cometido tais coisas, e algum remorso de consciência por isto. A isto pode se unir um certo sentimento de tristeza, sendo este expresso através de gemidos e lágrimas. Isso tudo pode ser acompanhado com confissões de pecado a Deus e a homens, lamentações por nossa miséria; em alguns, isto precede o próprio desespero. E, finalmente, isto pode levar a uma indignação contra nós mesmos, e à adoção de uma atitude de severa vingança sobre nós mesmos; sim, mais do que Deus levaria o homem a adotar; como Judas fez em se autodestruir. Este desespero e auto-execução não são parte da humilhação preparatória, mas o excesso, o seu erro, e a entrada do inferno.
Mas há também uma humilhação que é própria ao convertido, a qual acompanha a salvação, e que inclui tudo o que há na anterior, e muito mais - assim como a alma racional inclui o sensitivo, o vegetativo, e muito mais. Esta humilhação salvífica consiste nos seguintes particulares: ela começa no entendimento, e é enraizada na vontade. Opera nos sentimentos e, quando há oportunidade, manifesta-se em expressões e atitudes exteriores.
1. A humilhação do entendimento consiste em uma baixa apreciação de nós mesmos, num auto-rebaixamento, e num auto-julgamento condenatório; e isto nas seguintes particularidades:
Consiste numa apreensão profunda, sólida, habitual e real da hediondez dos nossos próprios pecados, e de nós mesmos por causa deles; isto porque eles são contrários à bendita natureza e lei de Deus, e tão contrários à nossa própria perfeição e bem principal. Também consiste em uma sólida e fixa apreensão da nossa própria ruína por causa desses pecados, de tal modo que os nossos julgamentos subscrevem a eqüidade da sentença condenatória da lei, e nos julgamos indignos da menor misericórdia, e dignos de punição eterna. Consiste em uma apreensão da nossa condição arruinada e miserável: visto que nós não apenas somos herdeiros de tormento, como também, destituídos da imagem e Espírito de Deus, perdemos Seu favor, estamos debaixo do Seu desagrado e inimizade. Por causa do nosso pecado, perdemos o direito da nossa parte na glória eterna, e grande é nossa incapacidade de nos ajudar a nós mesmos.
Isto se dá em tal medida, que nós julgamos realmente os nossos pecados e a nós mesmos, por causa do pecado, mais odiosos do que qualquer outra coisa que algum outro mal pudesse nos tornar. Consideramos a nossa miséria, por causa do pecado nas particularidades referidas anteriormente, maior do que qualquer calamidade exterior na carne, e do que qualquer perda terrena que viesse a nos atingir. Isto nós apreendemos através de um julgamento prático e não apenas por mera especulação ineficaz. A fonte disto está em um certo conhecimento do próprio Deus, cuja majestade é tão gloriosa, e cuja sabedoria é tão infinita. O qual é tão bom em Si mesmo e para conosco, cuja santa natureza é contrária ao pecado. O qual tem em nós uma propriedade absoluta, e também é soberano sobre nós. Isto é também proveniente de um conhecimento do verdadeiro estado da felicidade humana, que foi arruinada pelo homem em conseqüência do pecado, a qual consiste em agradar, glorificar e gozar a Deus em amor, deliciar-se Nele, e louvá-Lo para sempre, e em ter uma natureza perfeitamente santa e adequada a este propósito. Ver que o pecado é contrário a esta felicidade e que nos tem privado dela, é uma das fontes da verdadeira humilhação.
Esta humilhação no entendimento provém também de um conhecimento pela fé de Cristo crucificado, o qual foi morto pelos nossos pecados, o qual declarou na maneira mais viva possível ao mundo através de Sua cruz e sofrimentos o que é o pecado, o que ele faz, e a situação em que nós nos colocamos.
Assim, muito da humilhação salvífica se processa no entendimento.
2. A sede principal desta humilhação é na vontade, e aí ela consiste nos seguintes atos: ao pensarmos humildemente a respeito de nós mesmos, nós temos um constante desagrado por nós mesmos e pelos nossos pecados, e uma certa indignação contra nós por causa das nossas abominações. Um pecador humilhado é um inquiridor de si mesmo, e como ele é mau, seu coração é contra ele próprio.
Há também na vontade um profundo arrependimento por termos pecado, ofendido a Deus, abusado da Sua graça, e por termos nos colocados em tal situação; de tal modo que a alma humilhada desejaria gastar seus dias na prisão, a esmolar, ou em miséria corporal, ao invés de gastá-los no pecado; e se pudesse começar de novo, ela preferiria escolher uma vida de vergonha e calamidade no mundo, do que uma vida de pecado, e ficaria alegre pela troca.
Uma alma humilhada deseja realmente se entristecer por causa dos pecados que cometeu, e por causa deles ser sensível e afligida tão profundamente quanto fosse agradável a Deus. Mesmo quando ela não pode derramar uma lágrima, ainda assim a sua vontade é derramá-las. Quando ela não consegue sentir nenhuma profunda aflição por causa do pecado, seu sincero desejo é que possa senti-la. Ela preferiria cem vezes chorar no desejo, quando não o faz em ato.
Uma alma humilhada deseja realmente mortificar a própria carne pelo uso daqueles meios indicados como sendo aqueles através dos quais Deus a subjuga, como através do jejum, abstinência, vestuário simples, trabalho duro e negando-se prazeres desnecessários.
É uma dúvida digna de consideração se quaisquer destes atos de humilhação devem ser usados propositadamente em revide contra nós mesmos por causa do pecado. A isto respondo que nós não podemos fazer nada, a título de revide, que Deus não o permita, ou que torne nossos corpos menos habilitados para o Seu serviço, pois esta atitude receberia revide de Deus e da nossa alma. Mas aqueles meios de humilhação necessários para domar o corpo podem bem ser usados com dupla intenção: primeiro e especialmente, como um meio para nossa segurança e como precaução, a fim de que a carne não venha a prevalecer; e então, paralelamente, nós deveríamos ficar mais contentes em ver mais sofrimento ser imposto à carne, porque ela foi e ainda é um grande inimigo de Deus e nosso, e a causa de todo o nosso pecado e miséria. Este é o revide que é permitido ao penitente, e que alguns pensam ser tencionado.
Visto que a alma humilhada tem pensamentos humildes de si mesma, então ela deseja que outros a avaliem e a considerem desse modo, mesmo que seja um pecador vil e indigno, desde que a sua desgraça não prejudique o Evangelho ou a outros, ou venha a desonrar a Deus. Seu orgulho é humilhado a tal ponto que ela não pode suportar ser depreciada com alguma condescendência. Não que aprove o pecado de qualquer homem que faça isso maliciosamente, mas consentindo com o julgamento e repreensão daqueles que façam isto com sinceridade, e consentindo com o julgamento de Deus, ainda que através daqueles que o façam maliciosamente. A alma humilhada não fica se defendendo e atenuando injustamente seus pecados, se desculpando, e se inflamando contra o reprovador; o que quer que ela faça em uma tentação, se esta atitude for predominante, seu orgulho, e não humilhação, acabará por predominar. Mas ela se julga a si mesma o tanto quanto outros possam justamente julgá-la, e humildemente consente em ser humilhada aos olhos humanos até que Deus venha a levantá-la e a recuperar sua dignidade.
A raiz de toda essa humilhação na vontade é um amor a Deus, a quem ofendemos, um ódio ao pecado que O ofendeu, e que nos fez odiosos; um senso confiante do amor e dos sofrimentos de Cristo, O qual condenou o pecado na Sua carne.
Assim vocês vêem no que consiste a humilhação da vontade, a qual é a própria vida e alma da verdadeira humilhação.
3. A humilhação também inclui os sentimentos: uma genuína tristeza pelo pecado que cometemos; pela corrupção que há no pecado; uma vergonha por estes pecados; um santo temor a Deus quando nós O ofendemos, e dos Seus julgamentos os quais merecemos, e uma apropriada aversão aos nossos pecados. Mas, como mostrarei adiante, não é pelo grau, mas pela sinceridade destes sentimentos que você deve fazer um julgamento do seu estado; e isto dificilmente será discernido pelos próprios sentimentos. Assim, portanto, a vontade é o meio mais seguro através do qual podemos nos avaliar.
4. A humilhação também consiste expressivamente em ações exteriores, quando é oferecida oportunidade. Não há humilhação verdadeira no coração, se ela se recusa a aparecer no exterior, quando Deus a requer no seu curso ordinário. Os atos exteriores da humilhação são: uma confissão voluntária dos pecados a Deus e aos homens, quando Deus o requer, isto é, quando isto se torna necessário à Sua honra, ao bem daqueles a quem ofendemos, e satisfação do ofendido. Isto deve ser feito pelo menos quando confessamos os pecados abertamente a Deus na presença dos homens. Uma alma não humilhada se recusaria a fazê-lo por vergonha; mas o humilhado aceitaria livremente ser envergonhado, se isso viesse a advertir seus irmãos, e justificar a Deus, e Lhe dar glória. “Se confessarmos os nossos pecados Ele é fiel e justo para nos perdoar...” (1 Jo 1:9). “Confessai, pois, os vossos pecados uns aos outros, e orai uns pelos outros, para serdes curados...” (Tg 5:16). “O que encobre as suas transgressões jamais prosperará; mas o que as confessa e deixa, alcançará misericórdia” (Prov 28:13). Não que a pessoa precise confessar seus pecados secretos a outros, a não ser quando não possa alcançar alívio; não que a pessoa deva publicar as suas ofensas, vindo a desonrar a Deus ainda mais, e a ser empecilho para o Evangelho. Mas quando o pecado já é público e especialmente quando a ofensa de outros, o endurecimento dos ímpios, a satisfação da igreja com relação ao nosso arrependimento, requer nossa confissão e lamentação pública, então a alma humilde deve e se submeterá a isto.
O homem de coração corrompido, hipócrita, não humilhado, entretanto, confessará apenas nos seguintes casos: quando o sigilo da confissão, ou a insignificância da falta, ou a freqüência de tal confissão não traga grande vergonha sobre si. Ou quando a falta já é tão pública que seria vã qualquer tentativa de escondê-la, e a confissão não aumentaria em nada a sua desgraça. Ou quando a consciência está pesada, ou à beira da morte, ou forçado por algum terrível julgamento de Deus. Em todos estes casos o ímpio pode confessar seus pecados. Assim Judas confessou: “Pequei traindo sangue inocente” (Mt 27:4). Faraó confessou: “Eu e o meu povo somos ímpios” (Ex 9:27). Um ladrão à beira da forca confessará; e o mais vil e desprezível ser, no seu leito de morte, também confessará. Mas nós temos mais confissões no leito de morte do que confissões voluntárias diante da igreja. Infelizmente,o orgulho e a hipocrisia têm prevalecido de tal modo, e a antiga disciplina da igreja tem sido tão negligenciada, que eu penso que na maioria dos lugares na Inglaterra há muito mais pessoas que fazem confissão na forca do que pessoalmente em uma congregação.
A humilhação também deve ser expressa através de todos aqueles meios e sinais externos, aos quais Deus, através das Escrituras ou da nossa própria natureza, nos conclama. Como, por exemplo, através de lágrimas e gemidos, tanto quanto oportunamente nos ocorra; através de jejum, e da atitude de prostrar-se por causa de nossa pompa e tolice mundanas, e uso de roupas humildes, porém decentes; condescendendo com os mais desfavorecidos, e se sujeitando aos mais humildes; usando linguagem e carruagem simples; e perdoando outros, por sermos sensíveis à grandeza dos nossos débitos para com Deus.
Assim eu mostrei brevemente a vocês a verdadeira natureza da humilhação, a fim de que possam saber a que lhes estou persuadindo, e a que precisam submeter os seus corações.










Capitulo 2Utilidade e Propósito da Humilhação 

Quando eu houver falado sobre a utilidade e propósito da humilhação, vocês entenderão mais do porquê da necessidade dela para vocês mesmos.

1. Um dos usos da humilhação é ajudar na mortificação da carne, ou do “eu” carnal, e aniquilá-la, visto ser esta o ídolo da alma. A natureza do estado pecaminoso e miserável do homem consiste no fato de haver se afastado de Deus, e de estar entregue a si mesmo, vivendo agora para si mesmo, estudando, amando e satisfazendo a si mesmo, ao seu “eu” natural mais do que a Deus. Um pecador se livrará de muitos pecados exteriores e se libertará de obras exteriores antes que venha a se libertar do seu “eu” carnal, e se livre da fortaleza e poder do pecado. Não há parte da mortificação tão necessária e tão difícil como a autonegação - na verdade, ela virtualmente compreende todo o resto, e se isto for feito, tudo estará feito. Se fosse apenas uma questão dos seus amigos, seus supérfluos, sua casa, suas terras, talvez um coração carnal pudesse abrir mão disso. Mas abrir mão da sua vida, do seu tudo, do seu “eu”, é uma palavra dura para ele, e suficiente para fazê-lo ir embora pesaroso. Assim sendo, aqui aparece a necessidade da humilhação; ela coloca todo o fardo sobre o “eu”, e quebra o coração do velho homem, e faz um homem não tolerar a si mesmo, a quem anteriormente amava sobremaneira.
A humilhação transforma esta torre de Babel em pó, e faz com que nos detestemos até o pó e cinzas. Ela toca fogo na casa, na qual confiávamos e nos deleitávamos, diante dos nossos olhos; e nos faz não apenas ver, mas sentir, que é tempo de nos rendermos. O orgulho é o pecado mestre do ímpio, e é parte da humilhação fazê-lo cair por terra. A auto-satisfação é o propósito de suas vidas, até que a humilhação ajude a mudar o curso do rio; e aí, então, se você pudesse ler os pensamentos deles, veria que eles agora se consideram os mais indignos; e se você pudesse ouvir suas orações e lamentos, você os ouviria clamar por si mesmos como se fossem os seus maiores inimigos.
2. A próxima utilidade da humilhação, e implícita na utilidade anterior, é mortificar aqueles pecados dos quais o “eu” carnal depende e pelos quais é nutrido, e bloquear todas as avenidas e passagens através das quais eles são supridos. O pecado é doce e querido por todos os que não são santificados; mas a humilhação faz com que se tornem amargos e vis.
Assim como as crianças são dissuadidas de brincar com uma colméia de abelhas quando são uma ou duas vezes ferradas por elas, ou de brincar com cães bravios quando são mordidas por eles, assim Deus ensina Seus filhos a saberem o que significa brincar com o pecado, quando são golpeados por ele. Eles distinguirão uma urtiga de arbustos inofensivos quando sentirem o seu ardor. Nós estamos tão acostumados a viver pelos sentidos, que Deus considera necessário que nossa fé tenha a ver com os sentidos para ajudá-la. Quando a consciência acusa, o coração sofre, geme de dor, e sentimos que nenhum expediente ou esforço nos livrará disso, então começamos a nos tornar mais sábios do que antes, e a conhecer o que é realmente o pecado, e o que ele nos causa. Quando aquilo que era o nosso deleite se torna a nossa aflição, e uma aflição pesada demais para suportarmos, isto cura o nosso deleite no pecado. Quando Davi estava encharcando o seu leito com lágrimas, e teve que beber delas, o seu pecado não era mais a mesma coisa para ele, como o foi quando o cometeu. A humilhação retira a pintura desta prostituta que é o pecado e mostra-a em sua deformidade. Ela desmascara o pecado, o qual assumiu uma máscara de virtude, ou de algo irrelevante, ou de uma coisa inofensiva. Ela desmascara Satanás, o qual foi transformado num amigo, ou em um anjo de luz, e revela o seu caráter maligno.
Quão difícil é curar um mundano do amor ao dinheiro! Mas quando Deus coloca tal peso em sua consciência, a ponto de fazê-lo gemer e clamar por socorro, o dinheiro perderá o seu atrativo. Quando ele começa a chorar e gemer por causa das misérias que vêm sobre si, e vê os efeitos da sua riqueza corrupta, e a gangrena do seu ouro e prata começar a comer a sua carne como fogo, e seu ídolo se torna nada menos do que um testemunho contra si, então estará melhor habilitado do que antes para avaliar o pecado. O devasso pensa que tem uma vida feliz quando os lábios da prostituta destilam favos de mel, mas quando ele percebe que o fim dela é amargoso como o absinto, agudo como a espada de dois gumes, que os seus pés descem à morte, e que os seus passos conduzem-na ao inferno[6], e ele jaz em tristeza, lamentando-se da sua loucura, estará então em mais condições de julgar corretamente do que antes estava. O Manassés humilhado em cadeias não é o mesmo que era quando estava no trono; embora a graça tenha contribuído mais para isso do que seus grilhões, estes foram úteis para este fim. A humilhação abre a porta do coração, e lhe diz o que o pecado faz à vida, e introduz a palavra de vida, a qual não havia ainda penetrado além dos ouvidos ou do cérebro.
É um trabalho cansativo falar a homens mortos, os quais perderam os seus sentimentos; especialmente quando se trata de uma doutrina efetiva e prática, a qual devemos lhes comunicar, e que será perdida se não for sentida e praticada. Até que a humilhação opere, nós falamos a homens mortos, ou pelo menos a homens profundamente adormecidos. Quantos sermões eu tenho ouvido que se pensava viriam a transformar os corações dos homens internamente, a fazê-los chorar por causa dos seus pecados, com tristeza e vergonha diante da congregação, levando-os a nunca mais se envolverem com o pecado; e, no entanto, os ouvintes quase que nem foram tocados por eles, mas saíram como vieram, como se não soubessem do que o pregador estava falando, porque os seus corações estavam o tempo todo sonolento dentro deles.
Uma alma humilhada, entretanto, é uma alma despertada. Ela considerará aquilo que é dito; especialmente quando percebe que vem do Senhor, e diz respeito à sua salvação. É um grande encorajamento para nós pregar para um homem que tem ouvidos, vida e sentimentos, que recebe a palavra com apetite, saboreando-a, engolindo a comida que é colocada na sua boca. A vontade é a principal fortaleza do pecado. Se nós pudermos alcançá-la, nós poderemos fazer alguma coisa, mas se ela bloquear o coração, e nós não pudermos chegar mais perto do que o ouvido ou o cérebro, não haverá benefício algum. A humilhação nos abre uma passagem para o coração, a fim de que possamos tomar de assalto o pecado em seu vigor. Eu lhes falo da natureza abominável do pecado, que causou a morte de Cristo, e leva ao inferno, e que é melhor correr para o fogo do que, de maneira propositada, cometer o menor pecado, embora se trate de algo tal que o mundo nem note. Mas, ao lhes falar, se você não for humilhado, pode ouvir tudo isto e superficialmente crer nisso, e dizer que é verdade, mas é a alma humilhada que pode sentir o que lhe está sendo dito. Que luta nós temos com um beberrão, ou com um mundano, ou com qualquer outro pecador frívolo, na tentativa de persuadi-lo a abandonar seus pecados com abominação; e tudo com tão pouco resultado! Às vezes ele deseja abandoná-los, mas é tentado a provar do pecado de novo; e assim fica adiando, porque a palavra não se assenhoreou do seu coração. Mas quando Deus vem sobre a alma como uma tempestade, arrebentará as portas, e como se fossem relâmpagos e trovões na consciência, apodera-se do pecador e o sacode todo em pedaços com o Seu terror e lhe pergunta: O pecado é bom para ti? Uma vida carnal e descuidada é boa? Tu, verme desprezível! Tu, tolo pedaço de barro! Ousas abusar de Mim face a face? Ignoras que Eu estou te olhando? É esta a obra para a qual continuas vivo? Fora com o pecado, sem mais delongas, ou jogarei fora a tua alma e te entregarei aos atormentadores. Isto o desperta da sua demora e procrastinação, faz com que veja que Deus tem boa vontade para com ele, e que, portanto, ele deve ter boa vontade para com Deus.
Se um médico tem um paciente amante da comida que sofre da gota ou de pedra nos rins, ou de qualquer outra doença, e lhe proibir do vinho, bebida forte e outros alimentos que deseja, logo que ele se sentir melhor se aventurará a prová-los, e não se sujeitará às palavras do médico; mas, quando for atacado pela doença e sentir o tormento, então se submeterá às prescrições médicas. A dor o ensinará mais efetivamente do que as palavras poderiam fazê-lo. Quando ele sente o que lhe é doloroso, e que aquilo sempre o faz adoecer, ele se reprimirá mais do que faria por atenção às recomendações médicas.
Assim, quando a humilhação quebrar o seu coração e lhe fizer sentir que está doente de pecado, e encher a sua alma com dores agudas e sofrimentos, então você terá mais desejo de que Deus destrua o pecado em você. Quando o pecado pesar sobre você, a ponto de não lhe permitir levantar os olhos, quando fizer com que vá a Deus com gemidos e lágrimas clamando: Oh, Senhor, tem misericórdia de mim porque sou pecador! Quando você ficar feliz em procurar os ministros para aliviar a sua consciência, encher os ouvidos deles com acusações a si mesmo, e revelar até os pecados mais odiosos e vergonhosos, então você ficará feliz em se desvencilhar dos pecados. Antes disso não adianta lhe falar sobre mortificação e sobre rejeição resoluta dos seus pecados; os preceitos do Evangelho parecerão rigorosos demais para que você se submeta a eles. Mas um coração quebrantado mudaria a sua mente.
Um saudável lavrador diria: “Eu como o que quero”; “os médicos só querem tirar o nosso dinheiro”; “eu nunca seguirei o conselho deles”. Mas quando a enfermidade vier sobre ele, e houver tentado em vão tudo que estava ao seu alcance e a dor não lhe der descanso, e for levado ao médico, então ele fará qualquer coisa, e tomará qualquer remédio que ele lhe der, a fim de que possa ter algum alívio e se recupere.
Assim, quando o seu coração estiver endurecido e não humilhado, estes pregadores e as Escrituras lhes parecerão severos demais. O que vocês desejam realmente são ministros afetados e presunçosos, que preguem o que bem quiserem. Vocês nunca acreditarão que Deus concorda com as coisas duras que os ministros fiéis pregam, nem que Deus condenará vocês pelas coisas às quais dispõem seus corações. Mas quando aqueles pecados se tornarem como que espadas no seu coração, e você começar a sentir aquilo de que os ministros haviam lhe alertado, então a sua reação será outra. Portanto, fora com o pecado! Não há nada tão odioso, tão maligno, tão intolerável. Oh, se você pudesse se livrar dele, custasse o que custasse! Então você teria por seu melhor amigo aquele que lhe pudesse dizer como matar o pecado, e se livrar dele; e aquele que afastasse você desse amigo lhe seria como o próprio Satanás. A humilhação cava tão profundamente que mina o pecado, e a fortaleza do mal; e quando o alicerce está profundamente enraizado, a humilhação o destroçará. Quando os assassinos de Cristo tiveram o seu coração golpeado, eles clamaram por um conselho dos apóstolos. Quando um assassino dos santos é jogado cego por terra, e o Espírito, além disso, humilha a sua alma, então ele é levado a clamar: “Senhor, o que tu queres que eu faça?” Quando um cruel carcereiro que açoita os servos de Cristo é levado por um tremor de terra a um tremor de coração, ele então clamará: “Que devo fazer para que seja salvo?”
Aqui se manifesta o uso das aflições; e mesmo o porquê delas favorecerem tanto a humilhação: os homens são trazidos à razão em momentos de crise. Quando eles jazem num leito de morte, alguém pode falar-lhes, que eles não vão, tão soberbamente, fazer pouco caso do que lhes é dito, ou escarnecer da Palavra do Senhor, como o fizeram na prosperidade. Deus será mais considerado quando Ele pleitear com eles com uma vara na mão. Os açoites são a melhor lógica e o melhor discurso para um tolo. Quando o pecado leva cativa a razão deles pela carne, o argumento que poderá convencê-los deverá ser tal que a carne seja capaz de entender. A carnalidade brutifica o homem de tal modo que, tornando-se brutos, não são mais as razões mais claras que prevalecerão; e se Deus não houvesse mantido no homem corrompido algum resquício de razão, nós pregaríamos aos animais com tanta esperança como pregamos aos homens. Mas as aflições tendem por enfraquecer o inimigo que os cativa; assim como a prosperidade tende a fortalecê-lo. A carne entende a linguagem da vara melhor do que a linguagem da razão e da Palavra de Deus.
Como a parte sensível da nossa humilhação promove a mortificação, assim a humilhação racional e voluntária, que é própria ao santificado, é a parte principal da mortificação. Assim, como você vê, é necessário que sejamos totalmente humilhados, a fim de que o pecado possa ser plenamente aniquilado em nós.
3. Outro uso da humilhação é o de preparar a alma para encontrar mais graça, para a honra de Cristo e para o nosso próprio bem.
(1) Com relação a Cristo, é de se esperar que Ele habite apenas em almas que estejam preparadas para recebê-Lo. Nem a Sua pessoa, nem a Sua obra são tais que possam se coadunar com um coração não humilhado. Até que a humilhação faça um pecador sentir o seu pecado e miséria, não é possível que Cristo, como Cristo, venha a ser bem-vindo ou recebido com a honra que Ele espera. Quem liga para o médico quando não está doente e nem teme a morte? Ele pode passar pela porta de tal homem, e este não o chamará, mas quando a dor e o temor da morte estão sobre si, ele irá atrás, procurará e implorará para que venha. Correria para Cristo, em busca de socorro, aquele que não sente sua própria necessidade ou perigo? Agarrar-se-iam Nele como o único refúgio das suas almas, achegando-se a Ele como sua única esperança, aqueles que não sentem necessidade Dele? Prostar-se-iam aos Seus pés mendigando misericórdia aqueles que passam muito bem sem Ele?
Quando os homens ouvem acerca do pecado e da miséria, e crêem apenas superficialmente, eles podem procurar Cristo e graça com frieza, e sentem tão pouco o valor do segundo, como sentem a importância do primeiro. Mas Cristo não é nunca valorizado e procurado como Cristo, até que a tristeza nos ensine como valorizá-Lo; nem é Ele recebido com a honra devida a um Redentor, até que a humilhação quebre todas as portas; nem um homem pode buscá-Lo de todo o seu coração, se não o fizer com o coração quebrantado.
Também é certo que Cristo não baixará o custo para vir a uma alma. Embora Ele venha para o nosso bem, receberá honra ao fazer isso. Embora Ele venha para curar-nos, e não porque tenha qualquer necessidade de nós, terá que receber as boas vindas devidas a um médico. Ele veio para nos salvar, mas será honrado na nossa salvação. Ele convida a todos para a festa do casamento, e até mesmo compele-os a vir; mas espera que tragam a veste nupcial, e não venham com uma roupa ordinária que desonraria Sua casa. Embora a Sua graça seja livre, Ele não a expõe ao desprezo, mas terá a Sua plenitude e liberdade glorificadas. Embora Ele não venha para redimir a Si mesmo, mas a nós, ainda assim vem para ser glorificado na obra da nossa redenção. A Sua graça não é tão livre a ponto de salvar aqueles que não a valorizam, e não dão graças por ela.
Assim sendo, apesar da fé ser suficiente para aceitar o dom, a fé deve ser uma fé grata, que magnificará o doador, e uma fé humilde que reconheça o Seu valor, e uma fé obediente que responda ao Seu propósito. Assim, a fé que é a condição de nossa justificação é apropriada tanto à honra do doador, como à necessidade do recebedor. E como a razão nos diz que deveria ser, assim confirma a experiência cristã. A alma que é verdadeiramente unida a Cristo e compartilha da Sua natureza, valoriza mais a obra da Sua salvação, onde a honra de Cristo é maior. Ela não consegue sentir prazer na idéia de uma graça tal que venha a desonrar o próprio Senhor da graça. Assim como Cristo é solícito para a salvação da alma, assim Ele faz a alma solícita em receber corretamente Aquele que a salva. Deste modo, foi através do Seu sangue, e não da nossa aceitação do Seu ensino ou governo, que obtivemos o resgate da nossa alma. Mas, por outro lado, Ele está resolvido a não justificar a ninguém através do Seu sangue, exceto sob a condição desta fé, que é um assentimento do coração ao Seu ensino e senhorio. A virtude não está tanto na aplicação ou concessão dos benefícios de Cristo quanto está na Sua obra de adquirir para nós esses benefícios.
Quando Ele veio para nos resgatar, consentiu em ser um sofredor, a dar a Sua face ao golpeador, e a se submeter ao opróbrio. Suportou a cruz, desprezando a vergonha, e sendo injuriado não injuriou, mas orou por Seus perseguidores. Todavia, Ele não virá através da Sua graça salvadora à alma para ser recebido ali com desprezo, porque Ele veio na carne com o propósito de ser humilhado, mas veio no Espírito com o propósito de ser exaltado. Cristo veio na carne para condenar o pecado que reinava na nossa carne, e assim foi feito pecado por nós, isto é, um sacrifício pelo pecado. Mas no Espírito, Ele veio para conquistar a nossa carne e, através da lei do Seu Espírito vivificador, para nos libertar da lei do pecado e da morte[7], a fim de que a justiça da lei se cumprisse em nós, e também para que não fôssemos condenados, nós os que andamos não segundo a carne, mas segundo o Espírito.
O reino de Cristo não era deste mundo, porque, se o fosse, Ele procuraria estabelecê-lo pela força das armas e da luta, que são os meios mundanos. Mas o Seu reino é dentro em nós; é um reino espiritual, e assim, apesar de estar no mundo, Ele foi tratado com desdém, como um tolo, como um pecador, e como um infortunado. Mas dentro em nós Ele deve ser tratado com honra, e reverência, como um Rei e Senhor absoluto. A vez do executor e do poder das trevas foi quando Ele estava em agonia; mas quando Ele vem através da Sua graça salvadora a uma alma, é a vez do Seu triunfo e casamento, e do poder prevalecente da luz celestial. Na cruz, Ele era como um pecador, e tomou o nosso lugar, e suportou o que era a nossa culpa, e não Sua. Mas na alma Ele é o conquistador de pecados, e vem para tomar posse do que é Seu, e para realizar a obra que pertence a Ele na Sua dignidade; e, assim, Ele será ali reconhecido e honrado. Na cruz, Ele estava derrubando o reino de Satanás, e estabelecendo o Seu próprio, apenas de um modo preparatório; mas na alma, Ele faz ambos serem executados imediatamente. Na cruz, o pecado e Satanás se vangloriaram; mas quando Ele penetra a alma, é Ele quem Se vangloria sobre eles, e não cessa até os haver destruído. Na redenção, Ele Se consumiu; mas na conversão, Ele toma posse do que remiu. Em uma palavra, Ele veio ao mundo em carne para ser humilhado, mas Ele vem à alma, através do Seu Espírito, para a Sua merecida exaltação. Assim sendo, embora Ele houvesse suportado ser cuspido na carne, não suportará ser desprezado na alma. Assim como no mundo Ele foi escarnecido com um título de rei, coroado com espinhos, e vestido com tais roupas reais a fim de que fosse feito objeto de opróbrio, assim, quando Seu Espírito entra em uma alma, Ele é ali entronizado com a nossa consideração mais reverente, subjetiva, e profunda. Ele é ali coroado com o nosso mais elevado amor, e gratidão, e adorado com a ternura da nossa obediência e do nosso louvor. A cruz haverá de ser a porção dos Seus inimigos; a coroa e o cetro serão a Sua. E assim como tudo foi preferido em detrimento Dele na terra, até mesmo o próprio Barrabás, assim também todas as coisas haverão de ser subjugadas a Ele na alma santificada, e Ele obterá a primazia diante de todas as coisas.
Este é o propósito da humilhação: preparar o coração para um maior gozo do Senhor, e preparar o caminho diante Dele, e habilitar a alma para ser o templo do Seu Espírito. Uma alma humilhada nunca se desvencilharia Dele usando bois, fazendas, ou casamentos como desculpas. Aquele, porém, que não é humilhado fará muito pouco caso Dele.
(2) Assim como o próprio Cristo será recebido com honra, ou então nem será recebido, assim deve acontecer com a misericórdia e com a graça que Ele oferece. Ele não aplicará o Seu sangue e a Sua justiça àqueles que não lhes dão valor. Ele não perdoará tamanha quantidade de iniqüidades, nem removerá tais montanhas que caem sobre a alma daqueles que não sentem a necessidade de tal misericórdia. Ele não resgatará do poder do mal, da opressão do pecado, dos arrabaldes do inferno e não fará membros de Seu próprio corpo, filhos de Deus e herdeiros dos céus, aqueles que não aprenderam a valorizar estes benefícios, mas são mais voltados para os seus pecados, misérias e frivolidades do mundo. Cristo não despreza Seu sangue, Seu Espírito, Sua aliança, Seu perdão, nem Sua herança celestial e assim Ele não as dará a ninguém que as despreze, até que Ele os ensine melhor a conhecer o Seu valor. Você pensa que estaria de acordo com a sabedoria de Cristo dar bênçãos indizíveis como estas a homens que não têm coração para valorizá-las? Porque dar a um homem justificação e adoção é mais do que lhe dar todo este mundo visível: o sol, a lua, o firmamento, e a terra. Deveriam estas graças ser dadas a alguém que não liga para elas? Porque assim Deus perderia Seu propósito. Ele não obteria o amor, a honra nem a gratidão tencionada no Seu dom. É necessário, portanto, que a alma seja totalmente humilhada, a fim de que o perdão seja recebido como perdão, e a graça como graça, e não negligenciados indevidamente.
(3) Assim como a humilhação é necessária tanto para a honra de Cristo e de Sua graça, assim também ela é necessária para o nosso próprio benefício e consolação. A misericórdia não pode ser realmente nossa, se a humilhação não nos habilitar a isso. Estas bênçãos devem ser engolidas por um estômago vazio, e não tomadas na vaidade e impiedade. Um homem à beira da forca se regozijará com um perdão; mas um mero observador que se julgue inocente, não daria valor a isso, mas tomaria o perdão como uma acusação. Não há muita doçura no nome de um redentor para uma alma não humilhada. Ela não valoriza o Espírito. O Evangelho não é evangelho para ela. As boas novas de salvação não são tão alegres para tal pessoa quanto as boas novas de riquezas ou deleites mundanos. Assim como um estômago sadio é o que faz a refeição parecer agradável a nós, e assim como o cardápio rústico é mais agradável para o sadio do que as refeições suculentas ao doente, da mesma forma, se não formos esvaziados de nós mesmos, vis e perdidos nas nossas próprias prisões, e se a contrição não estimular os nossos apetites espirituais, o próprio Senhor e todos os milagres da Sua graça salvadora seriam aos nossos olhos coisa sem valor, e ouvir ou pensar sobre estas coisas apenas nos aborreceriam. Oh, que tesouro inestimável é Cristo para uma alma humilhada! Que vida nas Suas promessas! Que doçura em cada experiência da Sua graça, e que festa no Seu imensurável amor!
(4) Outro uso da humilhação, implícito no item anterior, é que ela é necessária para fazer com que o homem se submeta aos termos do pacto da graça. O homem natural se agarra aos prazeres da carne, e vive pelos sentidos e é apegado às coisas do presente. Ele não sabe como viver apegado às coisas invisíveis através de uma vida de fé. Esta é a nova vida que todos os que vivem em Cristo devem viver. Assim, portanto, Ele os convoca a abandonar tudo, a crucificar o mundo e a carne, e negar a si mesmos, se quiserem ser Seus discípulos. Mas quão relutante é o homem natural para renunciar a tudo e se entregar totalmente a Cristo! Mas quão ansioso ele é para se agarrar às coisas do presente, por falta de confiança nas promessas celestiais, tendo os céus, em última análise, apenas como uma reserva. É nestes termos que os hipócritas são religiosos, e é assim que enganam as suas almas. Mas quando o coração é verdadeiramente quebrantado, ele não mais permanecerá desse modo com relação a Cristo, mas se submeterá totalmente aos Seus termos. Não estabelecerá condições com Ele, mas aceitará com gratidão as Suas condições. Com Cristo, com graça, e com a esperança da glória, qualquer coisa lhe satisfaz a alma.
(5) Outro uso da humilhação é nos preparar para reter e progredir na graça quando nós a recebemos. O ditado diz: “O que é conseguido com facilidade, facilmente se perde”. Se Deus desse o perdão dos pecados ao que não é humilhado, quão cedo Ele seria desprezado! Quão facilmente tal pessoa daria ouvidos à tentação, e retornaria ao seu próprio vômito! Como nós dizemos: “A criança queimada teme o fogo”. Quando o pecado o golpear, e quebrar o seu coração, você o abominará enquanto viver. Quando a tentação vier, você se lembrará da sua dor aguda: “Não é isto aquilo que me custou tantos gemidos, me deixou no pó, e quase me condenou, e vou eu cometê-lo novamente? Foi tão difícil para eu ser restaurado por um milagre de misericórdia, vou eu agora correr novamente para a miséria da qual eu fui salvo? Não tive eu tristezas, temor e inquietação suficientes para que vá agora buscar mais disso, e renovar o meu transtorno?” Assim, a lembrança dos seus sofrimentos será um contínuo alerta para você. Um espírito contrito, que é esvaziado de si mesmo, e ao qual é ensinado o valor de Cristo e da misericórdia, não apenas se agarrará a eles, mas saberá como usá-los, com gratidão a Deus e benefício para si mesmo.
(6) Outro uso da humilhação é preparar a alma para se aproximar do próprio Deus, de quem ela se afastou. Assim como a nenhuma criatura é permitido se aproximar do Deus dos céus, a não ser que o faça com reverente humildade, assim também a nenhum pecador é permitido se aproximar Dele, a não ser que o faça em contrita humildade. Quem é que pode sair de tal estado de impiedade e miséria, e não trazer consigo o senso disso em seu coração? Não é permitido a um filho pródigo encontrar seu pai com tanta confiança e ousadia, como se ele nunca o tivesse abandonado, a não ser que diga: "Pai, pequei contra os céus e contra ti, e já não sou digno de ser chamado teu filho”[8]. Não é sem falta que uma alma culpada, ou que alguém que é resgatado do fogo, olhará para Deus com uma face soberba, mas com a cabeça baixa de vergonha e tristeza, batendo no peito e dizendo: “Ó Senhor, tem misericórdia de mim, pecador!”[9]; “Porque Deus resiste aos soberbos, contudo aos humildes concede a Sua graça”[10]; "O Senhor é excelso, contudo atenta para os humildes; os soberbos, Ele os conhece de longe”[11]; "Porque assim diz o Santo: Habito no alto e santo lugar, mas habito também com o contrito e abatido de espírito, para vivificar o espírito dos abatidos, e vivificar o coração dos contritos”[12]; “...mas o homem para quem olharei é este: o aflito e abatido de espírito, e que treme da minha palavra”[13]; "Perto está o Senhor dos que têm o coração quebrantado e salva os de espírito contrito”[14]; "Sacrifícios agradáveis a Deus são o espírito quebrantado; coração compungido e contrito; não o desprezarás, ó Deus”[15]. Não há retorno para Deus, a menos que não nos toleremos por causa das nossas abominações.
Quanto mais nos aproximamos de Deus, mais nós devemos nos detestar até o pó e cinzas. Ele não aceita um pecador em seus pecados; mas primeiro o lava e limpa. A conversão deve nos fazer humildes como crianças, as quais são ensináveis e não procuram por grandes coisas no mundo ou, de outro modo, não podem entrar no reino de Deus.
Estes são os usos e a necessidade da humilhação.

Capítulo 3
Erros sobre a Humilhação a Serem Cuidadosamente Evitados 

Pelo que já foi dito, você pode perceber quais os erros a serem cuidadosamente evitados com relação à sua humilhação, e com que cuidados ela deve ser buscada.

(1) Um erro com o qual você deve tomar cuidado, é o de não encarar a humilhação como algo irrelevante, ou como apenas um apêndice à fé, que pode ser dispensado. Não pense que uma alma não humilhada, enquanto tal, pode ser santificada. Alguns corações carnais supõem que apenas os pecadores mais atrozes precisam ser contristados e ter o coração quebrantado, mas que isto não é necessário para eles, que foram criados descente e religiosamente desde a mocidade. Mas é tão possível ser salvo sem fé e sem arrependimento quanto sem esta humilhação especial, a qual eu já descrevi, e que é parte da sua santificação.
(2) Outro erro a ser cuidadosamente evitado é o de colocar a sua humilhação somente ou principalmente na parte emocional, ou nas expressões externas dessas emoções. Eu me refiro tanto a uma dor aguda, como à tristeza de coração, ou ainda às lágrimas. Mas você deve se lembrar que o valor dela, como eu disse antes, está na sua reação ao julgamento e na vontade. Não é o grau de uma tristeza ou angústia de sentimentos que mostrará melhor o grau de sinceridade da sua humilhação, e muito menos as suas lágrimas ou expressões exteriores. Mas é a baixa avaliação que você faz de si próprio, e a aceitação em ser visto como vil aos olhos dos outros. É o seu descontentamento, e o desejo de gemer e chorar por causa do pecado o tanto quanto Deus gostaria que você o fizesse, juntamente com a aceitação do julgamento e vontade antes descritos que demonstram realmente a sua humilhação.
Há dois grandes perigos aqui, diante de você, a serem evitados. Há alguns que podem ter terríveis angústias de tristeza, e estão a ponto de arrancar os próprios cabelos, sim, e até mesmo de darem um fim a si próprios, como Judas, por causa do horror da sua consciência; e isto poderia lhes parecer que eles teriam verdadeira humilhação. Mas mesmo assim não a têm. Alguns podem chorar abundantemente em um sermão, ou em uma oração, ou ao mencionar seus pecados a outros, e, portanto, pensar que estão realmente humilhados; mas ainda assim podem não estar. Pois, se ao mesmo tempo, seu coração ama o pecado e prefere apegar-se a ele do que se livrar dele, ou não tem um ódio habitual pelo pecado e um amor predominantemente muito maior a Deus, a sua humilhação nada tem a ver com a obra de salvação. Os seus sentimentos e as suas lágrimas podem até ser forçados contra a sua vontade. Se você não deseja realmente odiar o pecado, os sentimentos e as lágrimas dificilmente significariam mais do que uma graça comum.
Muitos podem chorar por causa dos sentimentos, e por causa da natureza feminina sensível, e ainda assim permanecerem não humilhados, podendo até estar em um grau muito elevado de orgulho. Quão regularmente vemos tantos que são assim! As mulheres, especialmente, podem chorar mais em um culto ou conversa, do que alguém que está realmente quebrantado poderia fazê-lo em toda a sua vida, e ainda assim estarem tão longe de se verem vis aos seus próprios olhos e desejarem ser vistas assim aos olhos dos outros que elas odiarão, reprovarão e criticarão todos aqueles que as acusarem com as faltas que elas mesmas parecem se lamentar. Também, ao serem acusadas de horrendos pecados, estas pessoas se desculparão e suavizarão seus pecados, fazendo deles assunto de menor importância e se apegando àqueles que tenham um alto conceito delas. É assim que o pecado reina regularmente em seus corações: manifesta-se nas suas palavras e vidas; faz com que odeiem aqueles que com fidelidade as reprovam; e que vivam em contenda com qualquer um que venha a desonrá-las, apesar de todas as lágrimas que caem dos seus olhos. Assim, portanto, não julgue pelos sentimentos, ou apenas pelas lágrimas, mas pela reação aos julgamentos e pela vontade, como foi dito acima.
Um outro caso, que é muito melhor e mais feliz do que o primeiro, mas que produz grande dificuldade, é o erro daqueles que pensam que não têm uma verdadeira humilhação por não experimentarem tais sentimentos e liberdade de lágrimas como outros experimentam quando o coração deles é contristado, pois não conseguem derramar sequer uma lágrima.
Diga-me apenas isto: “Você se vê como vil aos seus próprios olhos por ser culpado de pecados, e isto contra o Senhor, a quem você realmente ama? Você odeia os seus pecados, por causa das suas abominações, e desejaria de coração sofrer quando estivesse pecando? E se você tivesse que escolher de novo, você preferiria sofrer do que pecar? Você sente o desejo de se entristecer por causa do pecado mesmo quando não pode sentir tristeza, e deseja chorar, ainda que não consiga? Pode você suportar calmamente quando é ofendido, porque sabe que é realmente vil? É você grato a um reprovador sincero, apesar dele lhe mostrar o mais terrível pecado? Você considera as suas próprias palavras e feitos indignos, e as palavras e feitos dos outros melhores, desde que haja a menor razão para isso? Você atribui justiça às aflições que vêm de Deus e às reprimendas verdadeiras de homens, e se considera indigno da comunhão dos santos, ou de ver a justiça de Deus se Ele viesse a condená-lo?”
Este é o estado de uma alma humilhada. Se você puder responder afirmativamente a estas perguntas, então não precisa duvidar da sua aceitação por parte de Deus, mesmo que você não derrame uma lágrima. Há mais humilhação em uma baixa estima de nós mesmos do que em mil lágrimas, e mais em uma vontade ou desejo de chorar pelo pecado do que nas lágrimas que vêm motivadas pelo terror, por uma consciência pesada, ou pelos sensíveis sentimentos naturais. Se a vontade estiver correta, você não precisa temer. É aquele que mais odeia o pecado e é mais severo para com o pecado que é humilhado por causa dele. Aquele que lamenta o pecado hoje e o comete amanhã é muito menos humilhado e penitente do que aquele que não é atraído para o pecado na esperança dos prazeres do mundo, nem o comete, mesmo que fosse para salvar sua vida.
(3) Para evitar isto alguns incorrem no erro oposto e pensam que a tristeza e lágrimas são desnecessárias, e que podem se arrepender com ou sem lágrimas. Estes, fundamentam tudo em alguns desejos vagos e ineficazes; e assim, pensam que o coração foi mudado. Mas certamente Deus não criou os sentimentos em vão. É impossível que um homem possa ter uma vontade santificada e as suas emoções não manifestem alguma correspondência, e sejam controladas pela vontade. Embora não possamos gemer naquele grau que desejaríamos, ainda assim terá de haver alguma tristeza sempre que o coração for verdadeiramente mudado, e, aparentemente, esta tristeza deveria ser grande. Ninguém pode crer de coração que o pecado é o maior mal para sua alma sem ser afligido por isto. Na verdade, os nossos sentimentos mais vivos deveriam ser afetados por estas coisas tão importantes. É uma vergonha ver um homem gemer por um amigo e lamentar por uma provação, que afeta apenas a carne, e, no entanto, ser tão insensível à praga do pecado, à ira do Senhor, e sorrir e gracejar com tais pesos sobre a sua alma.
Embora a tristeza e as lágrimas não sejam o coração e a parte principal de nossa humilhação, ainda assim elas devem ser buscadas como um dever. Sim, certo grau de tristeza é absolutamente necessário, e a falta de lágrimas não é um bom sinal naqueles que as derramam por outras coisas. Na verdade, a convicção da nossa loucura e crueldade deveria ser tão grande a ponto de quebrar o nosso coração de tristeza, derreter o nosso peito, e produzir rios de lágrimas dos nossos olhos. Se nós não podemos produzir isso em nós, devemos antes lamentar a dureza do nosso coração, ao invés de nos desculparmos.
(4) Neste item, trataremos de como responder à questão, se é possível a um homem ser humilhado e se arrepender em demasia.
A manifestação exterior da humilhação, que consiste nos atos que provêm do entendimento e da vontade, não podem ser maiores do que o próprio entendimento e a vontade que produziram estes atos. Se as manifestações externas forem maiores do que a própria vontade, elas não apenas serão erradas como também nada terão a ver com a verdadeira humilhação salvadora. Um homem pode se considerar pior do que ele realmente é, pensando falsamente de si mesmo como se ele fosse culpado de pecados dos quais realmente ele não é; e isto não é a mesma coisa que verdadeira humilhação. Mas, se ele tiver uma clara apreensão da maldade do seu pecado e da sua própria vileza, a isto ele não deve temer.
No âmbito da vontade é mais claro: nenhum homem pode estar querendo livrar-se do pecado em demasia, nem ter a mesma aversão ao pecado quanto o próprio Senhor o tem. Mas, quanto à outra parte da humilhação que consiste em aguda tristeza ou lágrimas, pode muito bem ocorrer em demasia, embora eu conheça muito poucos que incorrem neste erro ou precisem temer isso, pois o homem normal do mundo é estúpido e duro de coração, e até a maioria dos piedosos são lamentavelmente insensíveis.
Ainda assim, há alguns poucos que necessitam desse conselho, a fim de que não se agonizem em grau excessivo de tristeza. Permita que o seu coração se disponha o mais possível contra o pecado, mas permita também algum limite às suas tristezas e lágrimas. Este conselho é necessário aos seguintes tipos de pessoas: (1) Às pessoas melancólicas, as quais estão em perigo de serem perturbadas, e agirem de modo irracional e sem propósito por excessiva tristeza. Seus pensamentos são fixos, confusos, sombrios, escuros e cheios de temores, e acabam tornando as coisas piores do que já são, sendo mais profundamente afetadas por estes sentimentos do que suas cabeças podem suportar. (2) Este é o caso também de algumas mulheres fracas de espírito, as quais não são melancólicas, mas ainda assim, por fraqueza natural de seus cérebros e por serem altamente sensíveis, não têm condições de suportar estas comoções sentimentais sérias e profundas que outros podem desejar, pois a profundidade da sua sensibilidade e a intensidade das suas paixões representam um perigo de serem lesadas pelos seus julgamentos, e serem facilmente lançadas à melancolia, ou a algo ainda pior.
Ser destituído da razão é uma das grandes calamidades corporais nesta vida, e isto seria um grande problema tanto para a própria pessoa como para os que a cercam. Trata-se de uma questão de vergonha e desonra para o Evangelho aos olhos dos ímpios que não entendem o caso. Quando eles vêem alguma tristeza excessiva e desmesurada, ou alguém cair em perturbação, isto representa uma grande tentação para que fujam da religião, evitem a tristeza que vem de Deus e todos os pensamentos sérios a respeito das coisas celestiais. Faz com que os tolos escarnecedores digam que a religião torna o homem maluco, e que esta humilhação e conversão para as quais os conclamamos é o caminho para fazê-los perder o juízo. Assim sendo, por causa da tristeza dos piedosos, e do endurecimento dos impiedosos, o caso se reveste de seriedade a ponto de requerer nosso maior cuidado em evitá-lo.
Pergunta: Mas se é tão perigoso entristecer-se, tanto de modo insuficiente como em demasia, o que fará um pobre pecador em tal desfiladeiro, e como pode ele saber quando deve restringir sua tristeza?
Resposta: Há pouquíssimas pessoas no mundo que têm razão em temer o excesso deste tipo de tristeza. A situação geral do homem é ser insensível; a tristeza do mundo provoca muito mais melancolia e perturbação do que a tristeza que vem de Deus. Mas, para aqueles poucos que estão em perigo de excesso, eu primeiramente direi como discernir o perigo e, depois, como remediá-lo.
Quando a sua tristeza é maior do que o seu julgamento pode suportar, com aparente perigo de perturbação ou de distúrbio melancólico e diminuição de seu entendimento, então a tristeza é certamente demasiada e deve ser restringida. Porque se você arruinar a sua razão, você se constituirá em opróbrio para a religião, e não estará habilitado para nada que seja realmente bom: nem para sua edificação, nem para o serviço do reino de Deus.
Se você estiver com uma séria doença a qual a tristeza poderia aumentar o risco para sua vida, você então tem razão para restringi-la; embora não deva abster-se de arrepender-se, ou descuidar-se da sua salvação; mas, o sentimento de tristeza, esta você deve moderar ou reduzir.
Quando a tristeza é tão grande a ponto de transtornar a sua mente, ou enfraquecer o seu corpo, de modo a incapacitá-lo para o serviço de Deus, e a torná-lo mais despreparado para fazer o bem, você tem razão então para moderar e restringir a tristeza.
Quando a intensidade da sua tristeza sobrepuja a medida necessária do seu amor, ou alegria, ou gratidão, deixando estes de lado, apossando-se mais do seu espírito do que deveria, não deixando espaço para os seus outros deveres, então esta tristeza é excessiva, e precisa ser restringida. Há alguns que se esforçariam e lutariam com seus corações para arrancar algumas lágrimas e aumentar sua tristeza, os quais, entretanto, fazem pouco caso de outros sentimentos e não se esforçariam a metade para aumentar sua fé, amor e alegria.
Quando o seu sofrimento, por causa da sua intensidade, o conduz à tentação ou ao desespero, ou a pensar que Deus e o Seu serviço são duros demais, ou a desvalorizar Sua graça e a satisfação de Cristo, como se fossem deficientes e insuficientes para você, neste caso, você tem razão para moderar e restringir o sofrimento.
Quando a sua tristeza é inoportuna e a vontade precisa de impulso em momentos quando você é conclamado à gratidão e à alegria, você tem então razão em moderá-la e restringi-la durante estas épocas. Não que devamos eliminar toda tristeza, seja qual for o dia de alegria ou gratidão, a menos que possamos suprimir todos os nossos pecados nos deveres daquele dia. Também não devemos suprimir todo conforto espiritual e prazer nos dias de maior humilhação. Porque assim como o nosso estado aqui é um misto de graça e pecado, assim também todos os nossos deveres religiosos devem ser um misto de alegria e tristeza. É apenas no céu que teremos alegria absoluta, assim como é apenas no inferno que há tristezas absolutas, ou, pelo menos, em nenhum estado de graça. Mas, por enquanto, por causa disso tudo, há épocas agora quando um destes sentimentos deve ser exercido de modo mais preponderante, e o outro em menor grau. Em tempos de calamidades, por exemplo, e após uma queda, nós somos tão conclamados à humilhação que o conforto deveria apenas moderar nossas tristezas, e o seu exercício deveria estar submisso nestas épocas. Assim também em épocas de especial misericórdia da parte do Senhor nós podemos ser conclamados a exercitar nossa gratidão, louvor e alegria tão preponderantemente que a tristeza deve nos manter humildes, e ser, por assim dizer, serviçal às nossas alegrias.
Quando graça e misericórdia são mais eminentes, então a alegria e o louvor deveriam ser predominantes, o que se verifica com mais freqüência em uma vida cristã que anda erguida a cuidadosamente com Deus. Quando pecado e julgamento são mais eminentes, a tristeza deve então ser predominante, visto ser um meio necessário para uma sólida alegria. Assim sendo, normalmente um pecador que ainda está passando pela obra de conversão, e é recém-chegado a Deus de um estado de rebelião, deve estimular mais tristeza, e se dar mais a gemidos e lágrimas do que posteriormente, quando for trazido à reconciliação com Deus, a andar com integridade.
Pergunta: Mas quando é, por outro lado, que eu posso saber que a minha humilhação é pequena demais, e que deveria me esforçar para aumentá-la?
(1) Quando, aparentemente, não há os perigos acima mencionados, quais sejam de destruir seu corpo, perturbar sua mente, transformar suas faculdades, afogar as outras graças, deveres, etc. Não havendo estes perigos você tem pouca razão de temer o excesso.
(2) Quando você não se humilhou o suficiente para levá-lo a valorizar o amor de Cristo, a ter estima pelo Seu sangue e seus efeitos, a ter fome e sede Dele e de Sua justiça e a mendigar ardentemente pelo perdão de seus pecados. Então você tem razão de desejar mais humilhação. Se você não sente grande necessidade de Cristo, mas passa por Ele tão desinteressadamente, como o estômago cheio passa pela comida, como se você pudesse passar muito bem sem Ele, então você pode estar certo de que precisa ser mais quebrantado. Se você não é tão movido pelo amor de Deus, a ponto de se desvencilhar de qualquer coisa para gozá-Lo, e de não considerar nada mais querido do que os céus, você necessita ficar sob convicção dos seus pecados e miséria um pouco mais, e de implorar ao Senhor que o salve do seu coração de pedra. Se você pode ouvir do amor e dos sofrimentos do seu Redentor sem ferver de amor por Ele novamente, e pode ler ou ouvir as promessas de graça, sobre os dons de Cristo, e sobre a vida eterna sem nenhuma considerável alegria ou gratidão, é tempo de implorar a Deus por um coração mais humilhado.
(3) Quando há muitos altos e baixos na obra da sua conversão, e você fica às vezes num bom estado, e novamente num mau estado, como se ainda estivesse irresoluto quanto a se deve mudar ou não; quando você hesita diante dos termos que Cristo estabelece quanto à autonegação, à crucificação da carne, e a abandonar tudo pela esperança da glória, e acha estas coisas duras, e está ainda considerando se deveria submeter-se a elas ou não, ou está ainda reservando secretamente alguma coisa para você mesmo. Isto tudo certamente mostra que você ainda não foi suficientemente humilhado, caso contrário você não estaria agindo tão levianamente para com Deus. Ele ainda deve colocar os seus pecados diante de você, e segurá-lo por um pouco sobre o fogo do inferno, e fazer soar em sua consciência tal estampido, a ponto de fazer com que você se submeta e acabe com suas dúvidas, e o ensine a não mais procrastinar com seu Criador.
O próprio Faraó ficava submisso e insubmisso a Deus, e às vezes deixava Israel ir, às vezes não, sendo necessário que Deus o humilhasse com praga sobre praga, até fazê-lo submeter-se e ficar até feliz em permitir que o povo partisse. Mesmo quando Deus usa dos meios de graça, quando o coração é duro, Ele faz tanto uso das tristezas quanto seja necessário para fazer com que o homem se submeta o mais cedo possível aos Seus termos e se alegre em obter misericórdia em tais termos.
(4) Quando você está insensível e desanimado quanto às ordenanças de Deus e a Escritura tem pouca vida ou doçura para você; quando se encontra quase que indiferente se invoca a Deus em secreto ou não, se vai à igreja ou não para ouvir a Palavra e unir-se em louvor a Deus na comunhão dos santos; quando não sente grande gosto nos cultos e nos sacramentos, mas pratica-os quase que meramente por costume, ou para aliviar a sua consciência, e não por uma grande necessidade que sinta dessas práticas, ou do bem que encontra nelas. Isto mostra, por certo, que você carece de mais um pouco da vara e da espora de Deus. Seu coração ainda não foi suficientemente quebrantado, mas Deus precisa tomá-lo novamente em Suas mãos.
(5) Quando você está esquecido de Deus, e da vida por vir, e esquece tanto dos seus pecados como do sangue do Salvador, e coloca os seus pensamentos quase que continuamente nas vaidades a nas coisas deste mundo, como se estivesse crescendo mais nestas coisas do que na sua necessidade de Cristo. Isto mostra que a pedra ainda está no seu coração, que Deus precisa fazer com que você se alimente de um cardápio mais difícil, para corrigir os seus apetites, e fazê-lo sentir o seu pecado e miséria até que Ele retire os pensamentos que você tem nas coisas que são na realidade pouco importantes, e o ensine a preocupar-se mais com o seu estado eterno. Se você começa a se esquecer do seu próprio estado e de Deus, é tempo de ser lembrado disto.
(6) Quando você começa a sentir mais doçura na criação, e a ser mais lisonjeado com aplausos a honras, e a sentir mais prazer na abundância, e mais impaciência com a pobreza ou necessidade, ou com os erros dos homens, e com as cruzes do mundo; quando você se dedica a ser bem sucedido, e está desejoso de se tornar rico e cai de amor pelo dinheiro; quando você se atira aos cuidados e negócios do mundo, e fica oprimido com muitas coisas por sua própria escolha. Isto mostra, na verdade, que você está perigosamente não humilhado. Se Deus tiver misericórdia de você, Ele o rebaixará e fará com que a sua riqueza se torne em amargura e absinto para você, abaterá o seu apetite e ensinará que uma coisa é realmente necessária: “Desejar ardentemente a comida que não perece”. Ensiná-lo-á daí em diante a escolher a melhor porção.
(7) Quando você percebe que poderia voltar a brincar com as circunstâncias propícias ao pecado, ou a olhar para elas com disposição na mente como se ainda tivesse a mente voltada para isso e quase que pudesse voltar o seu coração querendo novamente aquilo; quando você começa a ter a mente novamente voltada para suas velhas companhias e caminhos, ou começa a se aproximar o mais possível novamente dessas coisas, e a olhar com fixação para a isca na tentativa de provar daquilo que é proibido, e quase que não pode dizer como negar as suas inclinações, apetites, sentimentos e desejos. Isto mostra que você carece de uma obra de despertamento. Parece que Deus precisa ler para você mais um pouco da Palavra, e fazer com que você soletre aquelas linhas de sangue, as quais, ao que parece, você se esqueceu. Ele precisa acender o fogo da sua consciência, até que você sinta e entenda se é realmente bom brincar com o pecado, com a ira de Deus, e com o fogo eterno.
(8) Quando você começa a se tornar indiferente com relação a sua comunhão com Deus. Você começa a não pensar mais muito se Ele lhe aceitou realmente e se de fato lhe manifestou o Seu amor, mas começa a deixar de lado as suas orações e a não mais atentar para elas ou ao que acontece com elas. Passa a fazer uso dos sacramentos raramente questionando o resultado desta prática. Quando você pode dispensar o consolo espiritual dos santos e extrai pouco conforto espiritual de Cristo e dos céus, e cada vez mais dos seus amigos, bens, prosperidade e situações materiais, talvez comece a sentir-se tão bem na companhia de pessoas do mundo, falando e agindo como elas, com a mesma satisfação que antes tinha ao meditar no amor de Cristo. Isto mostra que você ainda não tem um real senso do perigo que corre. A humilhação ainda tem uma grande obra a realizar em você. Você precisa ser ensinado a conhecer mais a sua casa, a ter mais prazer em seu Pai, a conhecer mais o seu marido, seus irmãos em Cristo, mais a sua herança, do que os estranhos ou inimigos de Deus e seus.
(9) Quando você começa a fazer pouco caso das ordenanças ou de outras misericórdias, e ao invés de recebê-las com gratidão e se alimentar delas passa a queixar-se delas, e nada lhe agrada, dizendo: “O pastor é muito fraco”, ou “o pastor é muito exigente”, ou “o pastor é muito formal”, “isso deveria ser desse ou daquele modo”, “o culto é muito ou pouco formal”, “ele gesticula muito ou pouco”, “esta ordem não está boa”, “isto ou aquilo não é apropriado”. Isto tudo mostra que você carece ser humilhado, e que você está mais preparado para a vara do que para o alimento. Se Deus pudesse apenas abrir a porta do seu coração e mostrar claramente a maldade e o vazio que há nele, você veria que o erro não está no pastor nem no culto, e mesmo que houvesse erro neles, o erro maior ainda seria o seu. A causa da sua relutância e contenda com o mundo está no seu próprio estômago cheio, e Deus precisa lhe dar um remédio, que faça o seu coração doer antes que Ele termine a Sua obra. Então o seu apetite será corrigido, a sua frivolidade terá fim, e aquilo que você antes criticava passará a lhe ser doce.
(10) Quando você começa a tufar de orgulho, a pensar muito alto de si mesmo, a ter bons conceitos sobre o seu próprio talento e desempenho, ter prazer em ser notado e visto como alguém que desponta entre os piedosos, e não pode suportar ser esquecido ou ser deixado de lado. Quando você considera os talentos e desempenho dos outros inferiores em comparação com os seus, se considera tão sábio quanto seus mestres e passa a ouvi-los como se fosse juiz deles, com espírito de julgamento, e achando que poderia fazer tão bem quanto eles. Quando você começa a encontrar falta naquilo que deveria estar lhe nutrindo, e não encontra nada em cada sermão a não ser defeitos, e a acha que não cometeria tais erros. Quando você deseja veementemente ser seu próprio mestre e se considera mais habilitado a pregar do que a aprender, a dirigir do que ser dirigido, a responder do que a perguntar. Quando você pensa tão bem de si mesmo que a igreja não é mais boa nem pura o suficiente para sua companhia, embora Cristo não seja ali negado, e você não seja ali induzido a pecar. Quando você se torna crítico e passa a agravar mais e mais a falta dos outros, diminuindo as suas virtudes. Pode ver um cisco nos olhos dos outros, mas não consegue discernir as virtudes deles, a não ser que sejam altas como uma montanha, e ninguém pode passar por piedoso ao seu julgamento, a não ser os santos mais eminentes. Quando você passa a desejar veementemente as novidades na religião e a se achar mais sábio do que a igreja presente e antiga, e se considera excepcional por não ser como os demais. Quando você não pode ouvir nem este nem aquele pastor, embora sejam na verdade ministros de Cristo. Quando você fica batendo sempre na mesma tecla: “Saí dentre eles, e separai-vos deles”, como se Cristo houvesse chamado você a sair da igreja, quando na verdade o chama a sair da companhia dos infiéis. Tudo isso indica que você necessita de mais humilhação.
Você tem um inchaço que precisa ser aberto para permitir que o ar saia e ele seque. Para que você não venha a se perder, para que não venha a ser abandonado por Deus e ser entregue a si mesmo, você precisa ser trazido à humilhação novamente com um testemunho. Quando Deus lhe revirar e lhe mostrar que você é um pobre, miserável, cego e nu, e que está inchado sem razão e se enchendo de si mesmo, Ele fará você parar diante daqueles que você despreza. Ele fará você se considerar indigno da comunhão com aqueles que antes você julgava indignos de você. Fará com que se considere indigno de ouvir aqueles pastores aos quais você antes virava as costas. Ele jogará por terra o seu ensino, coisas tolas, e o tornará feliz em ser ensinado de novo. Numa só palavra, por meio da conversão Ele o fará novamente como criança, ou você nunca entrará no reino dos céus.
Este orgulho espiritual é uma doença lamentável, e consiste em algo excessivamente triste. Para muitos, é o prelúdio de condenação e apostasia. Deus os entrega aos seus próprios conceitos e à sabedoria que eles tanto estimam, até que estes os levem à perdição. E dentre aqueles que são curados, há muitos que o são da maneira mais triste, pois é comum Deus deixá-los sozinhos até que se lancem a erros abomináveis ou caiam em algum pecado vergonhoso e escandaloso, até que se tornem objeto de escândalo e comentários entre os homens. Esta vergonha e confusão podem, entretanto, despertá-los, a fim de que venham a compreender o que foi que os tornou tão orgulhosos, e a reconhecerem que não passam de simples vermes.
Desse modo eu mostrei quando é que você deve buscar uma humilhação mais profunda, e quando pode concluir que ainda não foi suficientemente humilhado. Sim, quando uma humilhação em maior grau é necessária à sua alma.
Pergunta: Bem, mas ainda assim, você ainda não nos disse que caminho um pobre pecador deveria tomar em tal desfiladeiro, quando não sabe se sua humilhação, no que diz respeito à parte emocional, é insuficiente ou demasiada.
Resposta: 1. Vocês mesmos podem discernir parcialmente pelo que foi dito, se têm necessidade de mais ou menos humilhação, apenas testando o coração por essas indicações. 2. Mas, ainda assim, eu os aconselharia e persuadiria veementemente, em caso de dificuldade, a recorrerem a algum ministro capaz e fiel, para uma resolução.
Se você sente que a tristeza se apodera demasiadamente do seu espírito, que põe em perigo o seu entendimento ou a sua saúde, especialmente se você é uma mulher sentimental ou uma pessoa melancólica, não permaneça neste estado por muito tempo, para que a demora não venha a fazer aquilo que não poderá ser facilmente desfeito, mas vá e converse sobre o seu caso, e peça conselho. Esta é uma das principais funções dos pastores: que você possa tê-los à disposição para se aconselhar com eles a respeito das doenças e perigos da sua alma, assim como você faz com os médicos com relação às doenças e perigos do corpo. Desvencilhe-se de toda timidez pecaminosa, e não continue a confiar em si mesmo e nas suas habilidades, mas vá àqueles aos quais Deus designou com superintendência sobre você para estas situações, e conte-lhes o seu caso.
Este é o modo de Deus, e Ele abençoará a Sua própria ordenança. Pessoas melancólicas, sensíveis e irritadiças não são juízes habilitados para avaliar sua própria situação. Neste caso, você deve desconfiar do seu próprio entendimento e não ser orgulhoso, nem se agarrar obstinadamente a cada capricho que venha à sua cabeça, mas, ao sentir a sua fraqueza, confie-se à direção dos seus fiéis ministros, até que o seu problema seja superado, e você se torne mais capaz de discernir por você mesmo.
Outro erro do qual você será aqui alertado é o de pensar que a tristeza e as lágrimas são desejáveis em si mesmas. Elas são desejáveis apenas como expressão de uma disposição sincera da vontade, e quando elas ajudam a atingir o fim para o qual a humilhação é designada. Assim, aqui você poderá aprender o caminho pelo qual deve buscá-las.
(1) Você não deve colocar a ênfase da sua religião nelas, como se fôssemos chamados pelo Evangelho apenas para uma vida de tristeza. Mas deve fazer da tristeza e das lágrimas servas da sua fé, amor, e alegria no Espírito Santo, e de outras graças. Assim como o uso da agulha é apenas para abrir caminho para a linha, e então é a linha, e não a agulha, que faz a costura, assim, a nossa tristeza serve apenas como preparação para a fé e amor, sendo estes os que unem a alma a Cristo. É, portanto, um triste erro que alguns fiquem muito preocupados por sua falta de tristeza, mas pouco preocupados por sua falta de fé e amor, e orem e se esforcem para quebrar seus corações, ou chorem pelos pecados, sem, contudo, fazerem o mesmo para obter aquelas graças maiores, às quais a tristeza deveria conduzi-los. Um deveria ser feito sem se deixar de lado o outro.
(2) Visto que as lágrimas são uma expressão do coração, elas deveriam ser espontâneas e sinceras, fluindo voluntariamente do sentimento interior por causa do mal que lamentamos. Se você vier a chorar bastante, meramente por pensar que as lágrimas são em si mesmas necessárias, e não por causa do ódio que sente pelo pecado e pelo sentimento da sua natureza vil e assassina, isto não tem nada a ver com a verdadeira humilhação. Se o coração estiver humilhado diante do Senhor, não é a falta de lágrimas que fará com que Deus o despreze. Alguns são, por natureza, tão pouco dados ao choro que não podem chorar por nenhuma coisa externa, nem pela perda do mais querido amigo, embora fossem capazes de fazer dez vezes mais para salvar a vida dele do que alguns que choram à vontade. Gemidos, assim como as lágrimas, também são expressões de tristeza, mas a rejeição e ódio sinceros ao pecado, são evidências ainda melhores do que ambos.
Quando, entretanto, a pessoa tem uma disposição natural para chorar, mesmo que seja por dificuldades materiais, e ainda assim não pode derramar uma lágrima pelo pecado, aí o caso é mais questionável.
(3) A razão principal pela qual vocês devem se esforçar para ter uma tristeza mais profunda é para que possam obter o fim ao qual a tristeza deveria levar: que o pecado vos seja mais odioso e mortificado com mais efetividade; que o “eu” seja humilhado, para que Cristo possa ser mais valorizado, desejado e exaltado, e para que você seja melhor habilitado a uma maior comunhão com Deus no tempo por vir, seja salvo do orgulho, e mantido vigilante.
Pelo que foi dito, você tem uma regra pela qual pode acertadamente discernir que grau de humilhação deve ser alcançado: ela deve ir tão profundamente a ponto de minar o nosso orgulho. O coração deve ser tão quebrantado quanto necessário para nos afastar do pecado e nos desvencilhar do “eu” carnal. Se isso não for alcançado, ainda que você chore os próprios olhos, isso não valerá nada. Você precisa ser rebaixado a tal ponto que o sangue de Cristo e o favor de Deus venham a ser mais preciosos a seus olhos do que o mundo inteiro, e em seu próprio coração preferira antes aqueles do que este. Aí, então, você pode estar seguro de que a sua humilhação é sincera, quer você derrame lágrimas ou não.
Pelo que foi dito, você também pode concluir que deve fugir da idéia de atribuir às suas próprias humilhações qualquer valor da honra devida apenas a Cristo. Não pense que você pode satisfazer a justiça da lei ou merecer qualquer coisa da parte de Deus pelo valor dos seus sofrimentos, mesmo que você venha a chorar lágrimas de sangue. Isto não será uma verdadeira humilhação, se não consistir no senso de reconhecimento da sua indignidade e merecida condenação, e se não levá-lo a buscar por perdão e vida em Cristo, e se não levá-lo a se ver perdido e totalmente incapaz em si mesmo. Portanto, seria clara contradição se a verdadeira humilhação viesse a ser tida como satisfação ou mérito, ou algo em que confiar ao invés de Cristo.

Capítulo 4
Conselho Principal: Não Recuse Ser Totalmente Humilhado 
Tendo tratado amplamente da natureza e razões da verdadeira humilhação, eu quero concluir com o conselho que é minha principal intenção aqui: não recuse ser total e profun damente humilhado. Não se canse da obra de humilhação do Espírito.
A aflição não é um convidado bem-vindo à natureza humana; mas a graça pode achar razão para lhe dar boas-vindas. A graça é sincera e não pode tomar consciência de impiedade sem se dispor a se lamentar por isso. Há alguma coisa de Deus na tristeza piedosa, por isso a alma a aceita, procura por ela e clama por ela. Sim, a alma até se entristece quando não consegue mais se entristecer. Não que a tristeza, como tal, seja desejável, mas como uma conseqüência necessária da nossa aflição por causa do pecado, e como um antecedente necessário para a restauração que se seguirá.
Assim como podemos nos submeter à própria morte com acalentada expectativa, porque ela é santificada para ser a passagem para a glória, embora seja dolorosa em si mesma para a natureza humana, assim muito mais nós podemos nos submeter à humilhação e ao quebrantamento do coração com um santo desejo, porque ela é santificada para que seja a entrada para o estado de graça.
A título de incentivo, considere o que se segue:
1. A maior parte dos seus sofrimentos ocorrerá apenas no início. Uma vez que você se estabeleça em um caminho santo, você encontrará mais paz e conforto do que em qualquer outro caminho que possa seguir. Eu sei que se você se envolver com o pecado novamente, ele provocará mais sofrimento em você. Mas uma vida piedosa é uma vida de retidão, conversão é um abandono do pecado e conseqüentemente um abandono da causa dos sofrimentos. Você não pode suportar tais sofrimentos por um pouco mais?
2. Considere de onde você está vindo. Não é de um estado de ira? Onde você esteve todo este tempo, não foi sob o poder de Satanás? O que você fez durante toda a sua vida, não foi se submeter à escravidão do pecado, e ofender o seu Senhor, e destruir-se a si mesmo? Seria próprio, seria razoável, seria sincero, vir de tal estado sem lamentar ter permanecido por tanto tempo nele?
3. Considere, também, que a humilhação é necessária a sua própria restauração e salvação. Você pensa que cometeria tão grande excesso, e então seria curado sem nenhum propósito? Você suportaria, para a saúde do seu corpo, o comprimido mais amargo, e o remédio mais repugnante, a dieta mais rigorosa, e até retirar o seu sangue, porque sabe que a sua vida depende disto e não há outro remédio. Não deveria você, então, suportar, para a salvação da sua alma, os sofrimentos mais amargos, as reprimendas mais duras, as confissões mais francas, e a abundância de lágrimas? O pecado não será vencido de modo mais fácil, o “eu” não será conquistado de outra maneira, o coração do pecado não será quebrado, até que o seu coração seja quebrado.
Nós sabemos que não há nenhum mérito em seus sofrimentos, e que não são eles que farão com que Deus perdoe seus pecados. Nem tão pouco a sua tristeza é requerida por ser o sangue de Cristo insuficiente. Mas ela é parte do fruto do Seu sangue sobre a sua alma. Se o sangue Dele não derreter e quebrar o seu coração, você não tem parte Nele. É preciso que você lamente por Aquele que você traspassou, e este fruto do Seu sangue é um preparativo para mais. É tão impossível você ser salvo sem fé, como sem arrependimento e humilhação.
Considere quanta ruindade havia nas suas obras; poderia você ser grato por isso? Quem foi que o trouxe a essa necessidade de sofrimento? Você passou toda a sua vida abusando da sua natureza, e causando o seu próprio mal, e agora você tem má vontade para com o transtorno necessário para a sua cura? A quem você acusaria, e em quem encontraria falta, senão em você mesmo? Não foi você quem pecou? Não foi você quem alimentou o fogo do seu sofrimento e semeou as sementes deste fruto amargo, e acariciou a causa dos seus próprios transtornos? Não foi Deus quem fez isto, foi você mesmo. Ele quer apenas desfazer aquilo que você fez. Não tenha, portanto, má vontade para com o Seu médico, se você precisa ser purgado, sangrado, e tem que passar pela mais rigorosa dieta, mas “agradeça” a si mesmo o ter que passar por isto.
4. Considere também que você tem um sábio e meigo médico, o qual conheceu Ele mesmo o que são a tristeza e o sofrimento, pois por sua causa Ele foi feito um homem de dores[16], e, portanto, pode se compadecer daqueles que estão em sofrimento. Ele não se deleita no seu sofrimento e dores, mas na sua cura e subseqüente consolação. Por conseguinte, você pode estar seguro de que Ele o tratará da maneira mais gentil e moderada, e não colocará sobre você mais do que o necessário para o seu próprio bem, nem lhe dará um cálice mais amargo do que a sua doença o requeira.
Quando Ele mostra a sua grande simpatia para com o contrito, é para que possa vivificar o seu coração. Além disto, Ele diz: “não contenderei para sempre, nem me indignarei continuamente; porque do contrário o espírito definharia diante de Mim e o fôlego da vida que Eu criei”[17]... Ele chama para Si “todos os que estão cansados e sobrecarregados, e Eu os aliviarei”[18]. Ele foi enviado para curar os quebrantados de coração; proclamar libertação aos cativos; para recobrar a vista aos cegos e para pôr em liberdade os algemados. Quando Ele quebrar o seu coração, Ele também o unirá da forma mais terna e segura do que você possa razoavelmente desejar.
Até mesmos os seus ministros, quando se esforçam para quebrar o coração de vocês, e humilhar vocês até o pó, não têm outro propósito que não o de trazê-los a Cristo, à vida e ao conforto. Embora eles fiquem felizes em ver os olhos chorosos dos seus ouvintes e em ouvir as suas confissões e lamentações, ainda assim, não é porque eles tenham prazer nas suas aflições, mas porque antevêem os seus frutos de salvação. Eles sabem ser isto necessário para a paz eterna de vocês. Você pode ler quais são os pensamentos deles nas palavras de Paulo: “Agora me alegro, não porque fostes contristados, mas porque fostes contristados para arrependi mento; pois fostes contristados segundo Deus, para que de nossa parte nenhum dano sofrês seis, pois a tristeza segundo Deus produz arrependimento para a salvação que a ninguém traz pesar; mas a tristeza do mundo produz morte. Porque quanto cuidado não produziu isto mesmo em vós que segundo Deus fostes contristados! Que defesa, que indignação, que temor, que saudades, que zelo, que vindita!”[19].
A verdade é que nem Cristo, nem seus ministros têm aquele amor tolo e apaixonado por vocês, e piedade de vocês, como vocês têm por si mesmos. Eles não são tão dóceis, a ponto de evitar que sofram as tristezas que são necessárias para livrá-los do inferno. Não obstante, eles não colocariam sobre vocês mais tristezas do que é necessário, nem têm vocês experimentado uma gota de vinagre ou fel, ou derramado uma lágrima, a não ser que tenha servido para o vosso conforto e salvação.
5. Considere também que sofrimentos são aqueles que os presentes sofrimentos evitam, e que sofrimentos serão aqueles no inferno, os quais são evitados por estes sofrimentos que vêm de Deus, na terra. Comparados com os sofrimentos do inferno, os sofrimentos do arrependimento são alegrias. Os seus sofrimentos produzem esperança, mas os sofrimentos daqueles que perecem no inferno conduzem ao desespero. Os seus sofrimentos são pequenos e não mais do que uma gota, comparados com o oceano deles. Os seus curam, mas os deles atormentam. Os seus são a vara de um pai, mas os deles são instrumentos de tortura e forcas. Os seus estão misturados com amor, mas o deles não, antes oprimem-nos em confusão. Os seus são curtos, mas os deles não têm fim. Você preferiria o sofrimento deles, em vez do sofrimento que vem de Deus? Preferiria você uivar com os demônios e rebeldes, do que chorar com os santos e filhos? Preferiria você ser quebrado no inferno por tormentos, do que na terra pela graça?
Não é algo razoável de sua parte rebelar-se por causa dos sofrimentos que acabarão por salvá-lo, se você lembrar do que eles irão salvá-lo e do que sofrem todos aqueles que não são humilhados aqui pela graça! O quão diferente é o sofrimento que outros estão agora suportando. Não resmungue por causa da abertura de uma veia enquanto que muitos milhares estão agora sangrando até o coração.
6. Considere também que quanto mais você for corretamente humilhado, mais doce Cristo e todas as suas misericórdias serão para você enquanto viver. Uma prova do amor de Cristo fará com que você bendiga aqueles sofrimentos que o prepararam para isto. O próprio Cristo não é igualmente valorizado, nem mesmo por todos aqueles que Ele salvará. Não deveria você ser antes esvaziado de você mesmo mais e mais, para que seja mais cheio de Cristo daqui em diante? Quando você sentir os Seus braços envolvendo-o, e vê-Lo naquela postura em que se encontrava o pai do filho pródigo, você agradecerá àqueles sofrimentos que o habilitaram para os Seus braços.
Se você for totalmente humilhado, viverá todos os seus dias de modo muito mais seguro. A humilhação lhe fará odiar o pecado, por causa do qual você veio a sentir dor aguda, e lhe fará fugir de ocasiões que lhe foram tão caras.
O pecado do orgulho é um dos pecados mais mortais e danosos no mundo; e é a razão de milhares de mestres serem mal sucedidos. A humilhação é totalmente contrária a ele, e, portanto, precisa ser algo bem-vindo e desejável. Valeria a pena suportar todo o sofrimento que cem homens suportam aqui para salvá-lo deste perigoso pecado do orgulho.
7. Uma humilhação profunda é usualmente um sinal de uma maior exaltação futura. “Porque quem a si mesmo se exaltar, será humilhado; e quem a si mesmo se humilhar, será exaltado”[20]. “Humilhai-vos, portanto, sob a poderosa mão de Deus, para que Ele em tempo oportuno vos exalte”[21].
Quanto mais alto um homem pretenda construir, mais profundamente ele deve cavar para fazer o alicerce. As suas consolações serão provavelmente maiores quanto maiores forem seus sofrimentos. Você pode livrar-se daquelas hesitações que acompanham outros por todos os seus dias e que acabam fazendo com que nunca sejam verdadeiramente humilhados. Você não precisa estar ainda questionando, ou arrancando seus alicerces, como se você tivesse que começar tudo novamente. Se muitas coisas concorrem para o seu sofrimento, isto é um sinal de que você poderá ser grandemente usado. Paulo deve ter sido humilhado profundamente na sua conversão, a fim de que pudesse ser habilitado como um “instrumento escolhido para levar o Meu nome perante os gentios e reis”[22] .
Coloque tudo isto diante de você, e considere quantos motivos você tem para acalentar a obra de humilhação da graça, e não, ao invés disso, apagá-la.
Quando o seu coração começar a se afligir por causa do pecado, não procure a companhia dos tolos para beber ou se distrair, com o propósito de se esquecer da aflição do pecado. Não expulse estes sentimentos da sua mente, como se fossem indesejáveis, como se eles houvessem vindo para magoá-lo. Mas fique sozinho, e considere o assunto, e de joelho, em secreto, clame ao Senhor para visitá-lo e para quebrar o seu coração e para prepará-lo para estas consolações salvadoras, para que não o deixe neste Mar Vermelho, mas traga-o à outra margem e coloque em sua boca os cânticos de louvor.

* Digitado e revisado por Emir Bemerguy Filho.
[1] Versão on-line do livro Richard Baxter, Quebrantamento: Espírito de Humilhação, 2 ed., trad. Paulo R. B. Anglada (Belém-PA: Editora Classicos Evangélicos, 1991). Direitos da traduçào reservados.
[2] Esta é a introdução ao livro inteiro: Direções e Persuasões para uma Conversão Segura (Directions and Persuasions to a Sound Conversion)


Filipenses 2:1-11
por
Vincent Cheung


Se por estarmos em Cristo nós temos alguma motivação, alguma exortação de amor, alguma comunhão no Espírito, alguma profunda afeição e compaixão, completem a minha alegria, tendo o mesmo modo de pensar, o mesmo amor, um só espírito e uma só atitude. Nada façam por ambição egoísta ou por vaidade, mas humildemente considerem os outros superiores a si mesmos. Cada um cuide, não somente dos seus interesses, mas também dos interesses dos outros. Seja a atitude de vocês a mesma de Cristo Jesus, que, embora sendo Deus, não considerou que o ser igual a Deus era algo a que devia apegar-se; mas esvaziou-se a si mesmo, vindo a ser servo, tornando-se semelhante aos homens. E, sendo encontrado em forma humana,humilhou-se a si mesmo e foi obediente até a morte, e morte de cruz! Por isso Deus o exaltou à mais alta posição e lhe deu o nome que está acima de todo nome, para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho, nos céus, na terra e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para a glória de Deus Pai”. (Filipenses 2:1-11).
Parceiros no evangelho são unidos pelo evangelho; eles se unem para promover uma mesma mensagem e um mesmo propósito. Fazendo isto, eles evidenciam que de fato são escolhidos de Deus, e ao mesmo expõem todos aqueles que lhes fazem oposição como condenados por Deus. Contudo, hábitos pecaminosos permanecem nas pessoas mesmo após sua conversão, e várias circunstâncias podem suscitar esse egoísmo que restou a fim de proteger seus próprios interesses, até mesmo à custa de outros e do evangelho, ameaçando assim a unidade cristã.
Portanto, Paulo trata da abnegação, para que eles não percam de vista o quanto isto é importante, e que eles permaneçam firmes na união em torno do evangelho. A santificação bíblica não vem somente pela oração ou por força de vontade, mas ela vem e se desenvolve por repetidamente lembrar e persuadir os crentes a obedecer aos preceitos de Deus e seguir o exemplo de Cristo.
Consequentemente, Paulo os relembra de sua participação comum no evangelho. Como ele enfatiza noutra parte, há um só corpo de crentes, chamado por Deus para uma mesma esperança. Essa comunidade é unida por meio de um mesmo Espírito, um mesmo Senhor, uma mesma fé, um mesmo batismo, e um mesmo Deus e Pai (Efésios 4:4-6). Não existe nenhuma maneira de alcançar verdadeira unidade com aqueles que estão fora desse corpo, nem tal unidade com eles é desejável. Mas todos aqueles que verdadeiramente compartilham dos benefícios supremos e exclusivos do evangelho tem realmente algo importante em comum, e isto deve conduzi-los à unidade.
Quando o “partidarismo e vanglória” se introduz para minar essa unidade, temos de nos esforçar para preservá-la, mesmo à custa de nosso próprio interesse e orgulho. Assim, Paulo apela à abnegação em face do egoísmo, e prescreve a humildade para superar o orgulho. Nós devemos tomar cuidado só de nós mesmos, mas também do interesse dos outros. Se fomos verdadeiramente convertidos a Deus, isto é, se recebemos os benefícios do evangelho, então vamos nos unir em torno dessa mesma mensagem e desse mesmo propósito, e assim teremos uma mesma mente. Aqueles que são parceiros no evangelho, que sejam também unidos pelo evangelho.
Para instruir e encorajar os Filipenses a praticar a abnegação, Paulo cita o exemplo de Jesus Cristo, nos versículos 5-11. Embora uma exegese precisa dessa passagem envolva algumas dificuldades, o sentido geral é claro. Jesus sempre foi Deus, mas ele não se apegou a isto negando humilhar-se ao assumir atributos humanos para redimir os eleitos. Pelo contrário, sendo Deus, ele se submeteu de boa vontade à humilhação de tornar-se um escravo. Além do mais, ele foi obediente à vontade do Pai a ponto de voluntariamente morrer a morte de um criminoso!
Onde a NIV diz que ele “se fez nada,” a NASB diz que ele “se esvaziou,” o que é mais literal. Algumas pessoas tem falsamente inferido dessa expressão que Jesus colocou de lado alguns de seus atributos divinos na encarnação. Isto é chamado de teoria kenosis ou teologia kenótica. Outros vão além e dizem que ele transitou sobre esta terra como um mero ser humano apoderado pelo Espírito Santo. Mas essa é uma heresia condenável. Visto que são os atributos de um ser o que o definem, um ser que deixa de lado qualquer dos seus atributos originais essenciais (assumindo que isso seja possível, em primeiro lugar) já não é mais o que originalmente era.
Isto é, se Jesus deixou de lado qualquer um de seus atributos divinos, ele já não é Deus. E como são justamente os atributos divinos que fazem Deus ser Deus, é estúpido dizer que Deus possa ser Deus se ele deixou de lado alguns de seus atributos divinos. Contudo, Deus é imutável, de modo que se Jesus sempre foi Deus, ele nunca poderá deixar de ser Deus. Portanto, aqueles que afirmam a impossível e absurda teoria da kenosis não só arriscam perder as bases reais sobre as quais poderiam chamar-se de cristãos, mas se tornaram os inimigos do cristianismo. Ao invés disso, os cristãos devem afirmar que Jesus sempre foi Deus, e que ele ainda era Deus quando tomou sobre si os atributos humanos e viveu sobre a terra. [1] Ele nunca deixou de lado nenhum de seus atributos divinos; ele nunca existiu como um mero ser humano apoderado pelo Espírito Santo.
Quando Paulo diz que Cristo “esvaziou a si mesmo,” ele não está retratando Cristo como um recipiente com atributos divinos que poderiam ser despejados como água, após o que tais atributos não mais estariam nele, pelo menos até a sua ressurreição ou ascensão. O propósito da passagem é recordar a humildade e humilhação de Cristo para prevenir e encorajar os crentes a praticar a abnegação, e assim preservar sua unidade em torno do evangelho. A humilhação de Cristo não foi esvaziar a si mesmo dealgo, mas foi ele humilhar-se a si mesmo “tomando” atributos humanos (v. 7). Seu ato de “se esvaziar” estava em seu ato de “tomar ” a natureza humana. Dizer que ele esvaziou a si mesmo é, desse modo, somente uma metáfora, assim como quando Paulo diz: “Estou sendo oferecido como libação” (v. 17), ele não está dizendo que seus órgãos internos ou seus atributos humanos seriam despejados como se despeja o líquido de uma garrafa (tal como em 2 Coríntios 12:15; 2 Timóteo 4:6). O ponto é que Cristo praticou a abnegação e o auto-sacrifício por nossa causa (2 Coríntios 8:9).
Este é o maior exemplo de abnegação e Paulo nos chama a adotar a mesma atitude, tendo a mesma prontidão em negar nosso “partidarismo ou vanglória” em favor do evangelho e em favor de outros crentes. Como mencionado, várias circunstâncias podem suscitar o orgulho que restou para que ele venha proteger nossos próprios interesses, pondo em risco assim a unidade cristã. É nestas ocasiões que devemos estar dispostos a nos humilhar por uma causa maior, isto é, por uma mesma mensagem e um mesmo propósito em torno do qual devemos todos nos unir.
Porque Cristo dispôs-se ao sacrifício e à submissão, Deus o exaltou ao mais alto lugar, de modo que todos devem adorá-lo. Mas para que seja assim, Cristo não tem de ser Deus? Sim, mas agora nós não estamos nos referindo ao seu estado de encarnação, embora saibamos que Cristo reteve seus atributos humanos em sua ressurreição. Todos têm de se curvar diante dele, e isto inclui todos os falsos deuses e falsos profetas das religiões não-cristãs. Maomé e Joseph Smith são agora forçados a curvar-se diante de Jesus Cristo de onde estão no inferno, em meio a sua extrema agonia — não como sinceros adoradores, é claro, mas como inimigos derrotados de Cristo — assim como seus seguidores enganados que pensaram que esses falsos profetas poderiam conduzi-los ao céu. Como Pedro escreve: “Portanto, humilhem-se debaixo da poderosa mão de Deus, para que ele os exalte no tempo devido” (1 Pedro 5:6). Se você se humilhar diante de Deus, ele irá exaltá-lo, embora ele faça isso no seu tempo e de acordo com o seu plano.

NOTAS:
[1] — É óbvio, Deus Filho nunca “viveu sobre a terra” no sentido em que ele estava completamente restrito a seu corpo humano; se fosse assim ele realmente teria colocado o atributo divino da onipresença de lado, o que é impossível. Ao invés disso, Deus o Filho sempre foi e ainda é onipresente, mesmo quando viveu sobre a terra segundo a sua natureza humana, e até agora, sua natureza humana não é onipresente, embora sua natureza divina certamente o seja.


Nota sobre o autor: Vincent Cheung é o presidente da Reformation Ministries International [Ministério Reformado Internacional]. Ele é o autor de mais de vinte livros e centenas de palestras sobre uma vasta gama de tópicos na teologia, filosofia, apologética e espiritualidade. Através dos seus livros e palestras, ele está treinando cristãos para entender, proclamar, defender e praticar a cosmovisão bíblica como um sistema de pensamento compreensivo e coerente, revelado por Deus na Escritura. Ele e sua esposa, Denise, residem em Boston, Massachusetts. http://www.rmiweb.org/




Extraído e traduzido de Commentary on Philippians, de Vincent Cheung, páginas 35-37.
Traduzido por: Márcio Santana SobrinhoRevisão: Felipe Sabino de Araújo Neto


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"A conversão tira o cristão do mundo; a santificação tira o mundo do cristão." JOHN WESLEY"

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