Por isso sofro dificuldades (2Tm 2.9-11). Aqui, ele antecipa uma possível objeção, visto que aos olhos dos ignorantes sua prisão denegria a credibilidade de seu evangelho. Ele reconhece que, diante de todas as aparências externas, outra coisa não é senão um criminoso, mas acrescenta que isso não impedia o evangelho de continuar sua livre trajetória. Ao contrário, o que ele sofre é para o bem-estar dos eleitos, porquanto seu propósito era confirmá-los. Tal é a inabalável coragem dos mártires de Cristo, quando se sentem tão enobrecidos pelo conhecimento da boa causa a que servem, que são capazes de suplantar não só dores e torturas corporais, mas até mesmo todo e qualquer gênero de desgraça. Além do mais, todos os piedosos devem tomar alento ao verem os ministros do evangelho sendo assaltados e insultados pelos adversários, de modo que nem por isso reverenciem menos o seu ensinamento; ao contrário, dêem glória a Deus ao verem como, pelo divino poder, o evangelho despedaça todos os obstáculos que o mundo põe em seu curso.
Se não fôssemos excessivamente devotados à carne, tal fato, por si só, seria suficiente para consolar-nos em meio às perseguições, ou seja, o conhecimento de que, ainda quando somos oprimidos pela crueldade dos ímpios, não obstante o evangelho se estende e se difunde mais amplamente. Por mais que tentem, estão mui longe de obscurecer ou de extinguir a luz do evangelho; o máximo que podem é fazê-la brilhar ainda mais claramente. Portanto, suportemos com alegria; ou, ao menos, com uma mente tranqüila; não importa se o nosso corpo e o nosso bom nome estejam encarcerados, contanto que a verdade de Deus se irrompa e seja difundida livremente por todo o mundo.
Portanto, suporta todas as coisas. Ele mostra, à luz de seus resultados, que sua prisão, longe de ser motivo de reprovação, é na verdade muitíssimo proveitosa para os eleitos. Ao dizer que Timóteo devia suportar todas as coisaspox causa dos eleitos, com isso ele demonstra que se preocupava mais com a edificação da Igreja do que com seu próprio bem-estar. Pois está pronto não só a morrer, mas ainda a ser tido no número dos criminosos, se porventura tal coisa promovesse o bem-estar da Igreja. Nesta passagem, o ensino é o mesmo que em Colossenses 1.24, onde ele diz que "cumpro na minha carne o que resta das aflições de Cristo, por amor do seu corpo, que é a Igreja". Os papistas interpretam audaciosamente este texto, afirmando que a morte de Paulo foi uma satisfação por nossos pecados; o próprio texto, porém, refuta completamente tal idéia. Como se Paulo reivindicasse mais para sua morte do que para a confirmação dos piedosos na fé, pois ali imediatamente se deduz, à guisa de explicação, que a salvação dos crentes se acha fundada exclusivamente em Cristo. Uma abordagem mais completa de sua intenção se encontra na passagem que acabo de citar.
Com eterna glória. Eis o propósito da salvação que obtemos em Cristo. Pois o alvo de nossa salvação consiste em vivermos para Deus, e isso começa com nossa regeneração e se plenifica com nossa total libertação das misérias desta vida mortal, quando Deus nos tomar e nos reunir em seu reino. A esta salvação acrescenta-se a participação na glória celestial, glória esta de caráter divinal; e assim, para magnificar a graça de Cristo, ele chama nossa salvação de glória eterna.
Fiel é a palavra. Ele usa esta frase como prefácio ao que vem a seguir, porquanto nada há mais estranho à sabedoria da carne do que crer que devemos morrer a fim de vivermos, e que a morte é o pórtico de entrada para a vida. Deduzimos de outras passagens que era o costume de Paulo usar este prefácio antes de algo especialmente importante ou difícil de se crer. O significado é que a única forma de participarmos da vida e glória de Cristo é antes participando de sua morte e humilhação; como diz em Romanos 8.29, todos os eleitos foram "predestinados para serem conformados à imagem de seu Filho". Isso foi escrito tanto para exortar quanto para consolar os crentes. Quem poderia fracassar ao ser estimulado por esta exortação de que não devemos desesperar-nos por causa de nossas aflições, visto que teremos um feliz livramento delas? O mesmo pensamento abate e ameniza todas as amarguras geradas pela cruz, visto que nem dores, nem tormentos, nem reprovações, nem morte nos podem apavorar, uma vez que as compartilhamos com Cristo; e, especialmente, porque todas essas coisas são precursoras de nosso triunfo. Portanto, através de seu exemplo pessoal, Paulo injeta ânimo em todos os crentes para que, com o coração iluminado, pudessem suportar as aflições nas quais já têm uma prelibação da glória futura. Mas, se porventura isso for demais para crermos movidos por nossa própria iniciativa, e se a cruz nos subjugar e toldar nossa visão, nos impedindo de discernir a Cristo, lembremo-nos de empunhar este escudo: "Fiel é a palavra." Onde Cristo se faz presente, também presente está a vida e a bem-aventurança. Devemos manter-nos firmes a esta comunhão que temos com Cristo, para que não morramos em nós mesmos, mas com ele, para que sejamos companheiros de sua glória. Morte, aqui, significa a mortificação externa de que fala em 2 Coríntios 4.10.
Sofrimento - Essencial, não Opcional - John Piper
A DEMONSTRAÇÃO DA GLÓRIA DA GRAÇA DE DEUS NAS REALIZAÇÕES DE CRISTO POR MEIO DO SEU SOFRIMENTO
Considere a revelação da glória da graça de Deus nas realizações de Cristo por seus sofrimentos.
1. Cristo absorveu a ira de Deus em nosso lugar — e ele fez isso por meio do sofrimento
Gálatas 3.13: "Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se ele próprio maldição em nosso lugar, porque está escrito: Maldito todo aquele que for pendurado em madeiro". A ira de Deus que causaria nosso sofrimento eterno caiu sobre Cristo. Essa é a glória da graça, e só poderia vir por meio do sofrimento.
2. Cristo carregou os nossos pecados e comprou o nosso perdão - e ele fez isso mediante o sofrimento
IPedro 2.24: "Carregando ele mesmo em seu corpo, sobre o madeiro, os nossos pecados". Isaías 53.5: "Mas ele foi traspassado pelas nossas transgressões e moído pelas nossas iniquidades". Os pecados que deveriam ter nos esmagado sob o peso da culpa foram transferidos para Cristo. Essa é a glória da graça e só poderia acontecer por meio do sofrimento.
3. Cristo providenciou para nós uma perfeita retidão que se torna nossa nele - e ele fez isso mediante o sofrimento
Filipenses 2.7,8: "Antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens; e, reconhecido em figura humana, a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte e morte de cruz". A obediência de Cristo pela qual muitos são reputados justos (Rm 5.19) deveria ser uma obediência até à morte, e morte de cruz. Essa é a glória da graça e apenas poderia vir por meio do sofrimento.
4. Cristo venceu a morte - e ele fez isso sofrendo a morte
Hebreus 2.14,15: "Visto, pois, que os filhos têm participação comum de carne e sangue, destes também ele, igualmente, participou, para que, por sua morte, destruísse aquele que tem o poder da morte, a saber, o diabo, e livrasse todos que, pelo pavor da morte, estavam sujeitos à escravidão por toda a vida". "Onde está, ó morte, a tua vitória? Onde está, ó morte, o teu aguilhão? O aguilhão da morte é o pecado e a força do pecado é a lei. Graças a Deus, que nos dá a vitória por intermédio de Jesus Cristo" (ICo 15.55-57). Essa é a glória da graça e só poderia ter vindo por meio do sofrimento.
5. Ele desarmou Satanás - efez isso pelo sofrimento
Colossenses 2.14,15: "Tendo cancelado o escrito de dívida, que era contra nós [...] removeu-o inteiramente encravando-o na cruz; e despojando os principados e as potestades, publicamente os expôs ao desprezo, triunfando dele na cruz". Quando o registro de todas as nossas dívidas é pregado na cruz e cancelado, o poder de Satanás para nos destruir é quebrado. Satanás tem apenas uma arma que pode nos condenar ao inferno - pecado não perdoado. Essa arma Cristo arrancou das mãos de Satanás na cruz. Essa é a glória da graça, e somente poderia vir por meio do sofrimento.
6. Cristo conquistou cura perfeita e final para todo o seu povo - e fez isso pelo sofrimento
"... o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados" (Is 53.5). "Pois o Cordeiro que se encontra no meio do trono os apascentará e os guiará para as fontes da água da vida. E Deus lhes enxugará dos olhos toda a lágrima" (Ap 7.17). O Cordeiro foi morto e o Cordeiro foi ressuscitado dos mortos e o Cordeiro com o Pai enxugará toda a lágrima de nossos olhos. Essa é a glória da graça, e somente poderia vir mediante o sofrimento.
7. Cristo nos levará finalmente a Deus - e fará isso por meio do seu sofrimento
1 Pedro 3.18: "Pois também Cristo morreu, uma única vez, pelos pecados, o justo pelos injustos, para conduzir-vos a Deus". A conquista final da cruz não é ficarmos livres de doenças, mas sim, comunhão com Deus. Essa foi a razão pela qual Deus nos criou: ver, saborear e mostrar a glória de Deus. Essa é a glória da graça e só poderia acontecer pelo sofrimento.
A RAZÃO FINAL PARA A EXISTÊNCIA DO SOFRIMENTO
O propósito último do universo é demonstrar a glória da graça de Deus. A mais alta, mais clara e mais absoluta demonstração desta glória está no sofrimento da melhor pessoa do universo em favor de milhões de pecadores indignos. Portanto, a razão última para a existência do sofrimento no universo é que Cristo possa revelar a grandeza da glória da graça de Deus sofrendo ele mesmo para sobrepujar nosso sofrimento e ocasionar o louvor da glória da graça de Deus.
Cristão, lembre-se do que Carl Ellis, David Powlison, Mark Talbot, Steve Saint, Joni Eareckson Tada e Dustin Shramek dizem neste livro: todos eles, à sua própria maneira dizem que, quer sejamos perfeitos ou soframos com alguma deficiência, quer estejamos enfrentando perdas ou apreciando os amigos, sofrendo dor ou saboreando o prazer, todos nós que cremos em Cristo somos imensuravelmente ricos nele e temos muito por que viver. Não desperdice sua vida. Saboreie as riquezas que você tem em Cristo e gaste-se, qualquer que seja o custo, em espalhar essas riquezas por este nosso mundo desesperado.