Felipe Sabino de Araújo Neto
“Alegrai-vos no SENHOR, e regozijai-vos, vós os
justos; e cantai alegremente, todos vós que sois
retos de coração” (Salmo 32:11).
Qualquer pessoa que tenha ao menos um conhecimento superficial da
Palavra de Deus provavelmente reconhecerá que o tema do contentamento,
da satisfação, é recorrente nas páginas da Escritura. “Regozijai-vos e alegraivos no Senhor” é a exortação que recebemos continuamente.
Em primeiro lugar, vejamos que o nosso regozijo e a nossa alegria é no
Senhor. Isso não quer dizer que devemos estar contentes apenas com Deus, e
odiar tudo o mais, incluindo nossa vida financeira, nossos vizinhos, etc. Não!
Antes, visto Deus ser soberano e tudo, não apenas algumas coisas, acontecer
por sua vontade, e não mera permissão, devemos estar alegres e contentes com
tudo o que recebemos de Suas mãos. Isso é estar alegre no Senhor!
Se estivermos em abundância, devemos estar contentes, gratos a Deus,
reconhecendo Sua bondade imerecida para conosco, e demonstrando tal
gratidão não apenas mediante um espírito alegre e rosto sorridente, mas
através do uso responsável e caridoso dos nossos bens. Mas se a nossa
situação for uma de necessidade,
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nem por isso justifica-se a alteração de
espírito, pois sabemos que Deus prova os Seus filhos, e até o Filho de Deus
passou necessidades enquanto habitou entre nós (Mt. 8:20).
O texto de Filipenses 4:11-12, no qual Paulo fala sobre o seu
aprendizado na “escola do contentamento”, é amplamente conhecido e
citado, embora seja, em geral, mal-interpretado e aplicado. Paulo diz ter
aprendido a lidar com as situações adversas, de tal forma que a sua postura era
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Sem dúvida, sempre devemos analisar a nossa situação, a fim de constatar se Deus está nos provando ou
julgando. Por exemplo, alguém que é honesto, trabalhador e responsável, certamente estará sendo
provado se passar por algum problema financeiro; contudo, o preguiçoso, negligente e imoderado pode
ter certeza que está sendo julgado por Deus, e deve se arrepender e mudar de vida. Monergismo.com – “Ao Senhor pertence a salvação” (Jonas 2:9)
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a mesma daquela quando estava em bonança. Isso é ainda mais
impressionante quando nos lembramos de 2 Coríntios 11, onde o apóstolo
menciona todos os infortúnios pelos quais já tinha passado.
Todavia, lamentavelmente, a maioria daqueles que se dizem cristãos
parece achar que o relato de Paulo é apenas algo a ser admirado, e não
seguido. Eles dizem: “Eu admiro Paulo ter conseguido aquilo”, “eu queria ser
como Paulo” ou “infelizmente não sou como Paulo”. Ora, Paulo não estava
simplesmente dando o seu testemunho pessoal para que ele fosse admirado
no decorrer dos séculos. Não! Ele estava a apresentar o modelo cristão de
comportamento! É ele mesmo quem diz (mediante inspiração do Espírito
Santo) em 1 Timóteo 6:8 que devemos nos contentar com aquilo que temos.
É o grande apóstolo dos gentios que ordena em Filipenses 4:4: “Regozijai-vos
sempre no Senhor; outra vez digo, regozijai-vos” (itálico meu). O escritor aos
Hebreus, que pode ter sido Paulo, diz o seguinte no capítulo 13: “Sejam
vossos costumes sem avareza, contentando-vos com o que tendes”. E ele
continua, apresentando a promessa de Deus aos Seus filhos: “Não te deixarei,
nem te desampararei” (v. 5).
O que é pior, aqueles que simplesmente elogiam a Paulo e não seguem
o seu exemplo (e mandamento de Deus!) geralmente expressam a sua
insatisfação e aborrecimento por motivos financeiros. Eles não estão
insatisfeitos com o seu próprio pecado, por estar aquém do padrão que Deus
exige de nós, estabelecido nas Escrituras. Eles não estão tristes por causa do
fardo do pecado, por constatarem diaramente quão operante o pecado ainda
está em nós. De forma alguma! Eles se queixam de não ganhar mais, de não
poder ter uma casa melhor, um carro do ano, viajar nas férias, poder comprar
e fazer o que quiser, etc. Há aqueles que são ainda mais hipócritas e dizem:
“Eu sei que Deus tem me abençoado muito, mas o fato é que eu quero mais”.
Para o meu espanto, ouvi recentemente alguém dizer que reconhecia a
bondade de Deus para com ela (citando seu marido, filhos, saúde, etc.), mas
estava desejosa de receber mais, e na conversa o “mais” era dinheiro. Que
blasfêmia e ingratidão! No contexto de tal pessoa, o dinheiro não era mais, mas
sim menos, pois aquele não pode comprar uma família harmoniosa, um marido
fiel, filhos amorosos e obedientes, e nem mesmo a saúde. Tal atitude é fruto
de um pensamento modelado pelo mundo, pela mídia, e não transformado e Monergismo.com – “Ao Senhor pertence a salvação” (Jonas 2:9)
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renovado pela Palavra de Deus. Como disse o filósofo e apologista cristão
Cornelius Van Til: “Devemos pensar os pensamentos segundo Deus”.
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Com certeza Deus pode nos abençoar financeiramente, mas o fato de
prosperarmos financeiramente não é em si mesmo uma bênção. Pode ser um
castigo de Deus! Por exemplo, Romanos 1 diz que o homossexualismo é o
resultado de Deus entregar algumas pessoas às suas paixões infames.
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Da
mesma forma, Deus pode entregar certas pessoas às suas “paixões infames”
fazendo com que estas prosperem, o que lhes dará oportunidade para
manifestar quem realmente são, e o que estava oculto em seus corações.
Além disso, não podemos esquecer que Deus concede favores aos
ímpios também. Foi por esquecer essa verdade que o salmista entrou em
grandes apuros (ver Salmo 73).
Não digo que Deus é contra o sucesso financeiro de alguém, muito
menos daqueles que Ele ama. Longe disso! Afinal, o que contesto é a
insatisfação geral, e não apenas por motivos econômicos, usado aqui como
mero exemplo. Na verdade a Escritura encoraja o trabalho e o acúmulo de
bens, para que assim promovamos o reino de Deus
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e ajudemos aos que estão
em necessidade (Ef. 4:28).
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E visto que Deus instituiu o casamento, e ordenou
que tenhamos filhos, com certeza ele espera que trabalhemos para sustentar a
família que constituirmos.
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Outra coisa que devemos considerar é que Deus não requer
simplesmente um silêncio, mas sim uma manifestação clara e genuína de
contentamento. Não é o caso de ficarmos quietos, guardando e escondendo o
rancor, mas sim o de mudarmos a nossa mente a respeito do assunto. Não
devemos apenas aceitar o que recebemos de Deus, mas, antes, nos alegrar
com aquilo que recebemos. Ele é Deus, e nós somos suas criaturas. Sendo
Deus bom, ou melhor, a própria definição de bondade, tudo o que Ele faz é
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Van Til, Defense of the Faith (Phillipsburg, NJ: Presbyterian and Reformed Publishing Co., 1967).
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Em outras coisas, Deus pode entregar um homossexual às suas paixões infames ao privar-lhe das Suas
restrições providenciais. Ter pais “tolerantes” seria uma forma dessa privação.
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Contribuindo financeiramente para o estabelecimento de igrejas fiéis, escolas cristãs, etc.
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“Aquele que furtava, não furte mais; antes trabalhe, fazendo com as mãos o que é bom, para que tenha o
que repartir com o que tiver necessidade”.
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bom. Dessa forma, não importa o que recebamos das Suas soberanas mãos, é
algo justo e bom.
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E como faremos para mudarmos a nossa atitude e percepção?
Estudando a Bíblia, e deixando que ela modele os nossos valores, os nossos
pressupostos, a nossa cosmovisão. O nosso problema é que avaliamos as
nossas vidas por meio dos padrões que o mundo nos apresenta: seja por
filmes, novelas, livros, etc. Queremos o que Hollywood diz ser bom.
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Não
venceremos essa nossa pecaminosidade através de alguma experiência mística,
mas sim mediante intenso estudo bíblico, em sujeição e submissão à Palavra
de Deus, lembrando que ela é o padrão último de verdade, justiça, bondade e
felicidade.
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Há aqueles que supõem que a vida cristã é entediante, sem prazeres e
alegrias, mas a resposta a esse padrão de pensamento mudano e irracional
ficará para outra ocasião. Enquanto isso, lembrem-se: Regozijai-vos e alegraivos no Senhor vosso Deus!
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Mesmo a correção severa pelo nosso pecado é algo bom (ainda que doloroso!), pois a Escritura diz que
Deus corrige e açoita aquele que Ele ama, aqueles que são seus filhos (Hb. 12).
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Recomendo o excelente livro Cinema e Fé Cristã - Vendo Filmes com Sabedoria e Discernimento, de
Brian Godawa, lançado no Brasil pela Editora Ultimato (http://www.ultimato.com.br/).
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