No seu livro perspicaz, Christian Commitment [Compromisso cristão], Edward John Carnell descreveu esse conflito entre a afronta moral e o perdão como uma "terrível condição judicial". Ele disse: "Não podemos ignorar os atos impensados de outras pessoas; contudo, não podemos executar a pena da lei. Não temos o direito de completar o ciclo moral [...] Mesmo que não tenhamos nenhum impedimento espiritual quanto ao clamor contra a injustiça, a pureza da vida moral se deteriora no momento em que tentamos administrar a justiça".3 Não obstante, a indignação sentida geralmente vence a disputa e se apega à ofensa, pois seria moralmente repugnante proceder de forma leviana com o erro.
Agora podemos ver por que a promessa bíblica do juízo divino é crucial para nos ajudar a vencer o anseio pela vingança. Ela nos mostra a saída da "terrível condição judicial". Deus intervém como vingador para podermos reconhecer o crime; mas também para que não precisemos ser o juiz. A vingança prometida por Deus remove a legitimidade moral do anseio pessoal pela retaliação. A promessa divina diz: "Sim, uma afronta terrível foi cometida contra você. Sim, ela merece ser castigada com severidade. Sim, a pessoa ainda não sentiu o castigo. Mas, não, você não pode ser o executor do castigo, e você não pode continuar nutrindo retaliação pessoal. Por quê? Porque Deus fará a justiça ser cumprida. Deus retribuirá. Você não pode melhorar a justiça dele. Ele enxerga cada aspecto do mal feito contra você — muito mais que você pode enxergar. A justiça dele será mais profunda que qualquer justiça administrada por você". Se você guarda rancor, duvida do juiz.
Essa é a promessa de Romanos 12.19. E a pergunta para a pessoa indignada e ofendida se torna: "Você crê nessa promessa?". Em outras palavras, a questão de abrir mão da mágoa é uma questão de fé nas promessas divinas de graça futura — a graça futura do juízo sobre o ofensor. Se crermos na promessa de Deus: "Minha é a vingança; eu retribuirei", então não o depreciaremos com nossos esforços inferiores de melhorar sua justiça. Deixaremos a questão com ele e viveremos na liberdade do amor ao inimigo — não importa se o inimigo se arrepende ou não. E se ele não se arrepender? O que fazer então? Há 300 anos, Thomas Watson expressou-se muito bem: "Não somos obrigados a confiar no inimigo; mas somos obrigados a perdoá-lo".4 Não somos responsáveis por fazer a reconciliação acontecer. Somos responsáveis por buscá-la: "Façam todo o possível para viver em paz com todos" (Romanos 12.18).
COMO JESUS RESOLVEU A "TERRÍVEL CONDIÇÃO JUDICIAL"
O apóstolo Pedro mostra que o próprio Jesus lidou com a "terrível condição judicial" da mesma maneira. Nunca se pecou mais gravemente contra ninguém do que contra Jesus. Toda a animosidade contra ele foi completamente imerecida. Nunca viveu ninguém mais digno de honra que Jesus; e ninguém foi mais desonrado. Se alguém teve o direito de ficar irado e amargo e vingativo, esse foi Jesus. Como ele se controlava quando patifes, cuja própria vida ele provia, cuspiam-lhe na face?
Pedro dá a resposta nestas palavras: " 'Ele [Jesus] não cometeu pecado algum, e nenhum engano foi encontrado em sua boca. Quando insultado, não revidava; quando sofria, não fazia ameaças, mas entregava-se àquele que julga com justiça." (IPedro 2.22,23). Isso significa que Jesus tinha fé na graça futura do justo juízo divino. Ele não precisou se vingar por todos os ultrajes sofridos, pois confiou sua causa a Deus. Deixou a vingança nas mãos divinas e orou pelo arrependimento dos inimigos (Lucas 23.34).
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