Na nossa avaliação da história da redenção, vemos que Deus causou as decisões livres de certas pessoas, como a dos irmãos de José (Gn 45.5-8), Ciro (Is 44.28) e a de Judas (Lc 22.22; At 2.23,24; 3.18; 4.27,28; 13.27). Portanto, não devemos nos deixar influenciar preconceituosamente pela idéia não-bíblica, mas popular, de que Deus nunca predestina as nossas decisões livres.
Ademais, vimos que Deus decreta os acontecimentos da natureza e os acontecimentos da nossa vida cotidiana. Como seria possível que tamanho envolvimento divino na nossa vida não acabasse por influenciar profundamente as nossas decisões? Deus nos fez, por dentro e por fora. Para nos fazer como somos, ele precisou controlar a nossa hereditariedade. Assim sendo, ele nos deu os pais que temos, e seus pais e os pais deles. E para nos dar nossos pais, Deus precisou controlar muitas de suas decisões livres (como a decisão livre dos pais de Jeremias para se casarem) e os de seus pais e avós, etc. Além disso, vimos que Deus nos colocou no nosso ambiente, em situações que requerem de nós certas decisões. Ele decide quanto tempo iremos viver e faz acontecer nossos sucessos e fracassos, mesmo que esses acontecimentos dependam habitualmente de nossas livres decisões, em acréscimo a fatores externos.
Negativamente, os propósitos de Deus excluem muitas decisões livres que seriam, de outra maneira, possíveis. Visto que Deus havia planejado levar José ao Egito, os seus irmãos não estavam, num sentido importante, livres para o matar, mesmo tendo, a certa altura, planejado fazê-lo. Golias também não podia matar Davi, nem Jeremias poderia ter morrido antes de nascer. Os soldados romanos também não podiam quebrar as pernas de Jesus quando ele estava pendurado naquela cruz, pois os profetas de Deus haviam declarado algo diferente.
No entanto, além dessas inferências, as Escrituras nos ensinam diretamente que Deus causa as nossas decisões livres. Ele não somente predestina o que acontece conosco, como também o que escolhemos fazer.
A origem da decisão humana é o coração. Jesus diz que tanto as coisas boas quanto as más vêm do coração (Lc 6.45). Porém, esse coração está sob o controle de Deus: "Como ribeiros de águas assim é o coração do rei na mão do SENHOR; este, segundo o seu querer, o inclina" (Pv 21.1). Certamente, como já vimos, é isso o que Deus fez com Ciro. Isso também é o que ele fez com o Faraó do Êxodo (Rm 9.17; cf. Ex 9.16; 14.4), como veremos na próxima seção.
Deus dirige o coração, não somente de reis, mas de todas as pessoas (SI 33.15). Assim, ele controlou não somente o coração de Faraó, mas também o de todo o povo egípcio, dando a eles uma disposição favorável aos israelitas (Ex 12.36). A Escritura ressalta que essa mudança foi obra do Senhor. Ela menciona que Deus havia predito esse acontecimento no seu encontro com Moisés na sarça ardente (Ex 3.21,22).
Deus, que forma os propósitos do nosso coração, também decide os passos que devemos dar para cumprir esses propósitos: O coração do homem traça o seu caminho, mas o SENHOR lhe dirige os passos. (Pv 16.9; cf. 16.1; 19.21)
De acordo com muitas passagens das Escrituras, Deus controla as nossas decisões e atitudes livres, predizendo freqüentemente essas decisões muito antes de elas ocorrerem. Ele declarou que, quando os israelitas subis¬sem a Jerusalém para as festas anuais, as nações inimigas não cobiçariam a sua terra (Ex 34.24). Deus estava afirmando que controlaria a mente e o coração daqueles pagãos para que, naquelas ocasiões, não causassem problemas ao povo de Israel.
Quando Gideão liderou o seu pequeno exército contra o acampamento midianita, "o SENHOR tornou a espada de um contra o outro, e isto em todo o arraial" (Jz 7.22). Durante o exílio, Deus "fez" um chefe oficial babilônico "conceder a Daniel misericórdia e compreensão" (Dn 1.9). Depois do exílio, o Senhor "os tinha alegrado, mudando o coração do rei da Assíria a favor deles (Israel)" (Ed 6.22).
No momento da crucificação de Jesus, os soldados decidiram livremente lançar sortes sobre a túnica de Jesus, em vez de rasgá-la. No entanto, Deus havia predestinado essa decisão:
para se cumprir a Escritura: Repartiram entre si as minhas vestes e sobre a minha túnica lançaram sortes. (Jo 19.24, citando SI 22.18; cf. Jo 19.31-37).
O argumento de João foi que Deus não só sabia antecipadamente o que iria acontecer, mas, mais propriamente, que o acontecimento se deu para que as Escrituras pudessem ser cumpridas. De quem era a intenção de cumprir a Escritura por meio desse acontecimento? A causa primária da decisão dos soldados não foi a intenção deles, mas a intenção de Deus.
Os evangelhos afirmam, repetidas vezes, que certas coisas aconteceram para que as Escrituras se cumprissem. Muitos desses acontecimentos envolviam decisões livres de seres humanos (veja p. ex., Mt 1.20-23; 2.14,15, 22,23; 4.12-16). Em alguns casos, seres humanos (tais como o próprio Jesus em 4.12-16) podem ter tido a intenção consciente de cumprir as Escrituras. Em outros casos, eles não tinham essa intenção ou nem mesmo sabiam que estavam cumprindo as Escrituras (p. ex., Mt21.1-5; 26.55,56; At 13.27-29). Em todo caso, as Escrituras devem ser cumpridas (Mc 14.49).
O quadro que é formado por essa grande quantidade de passagens é que o propósito de Deus está por trás das livres decisões dos seres humanos. Freqüentemente, e por vezes muito antes de o acontecimento ocorrer, Deus nos diz o que um ser humano decidirá livremente o que vai fazer. O ponto aqui não é meramente que Deus tem conhecimento antecipado de um acontecimento, mas que ele está cumprindo o seu próprio propósito por meio dele. Esse propósito divino transmite uma certa necessidade (Gr. dei,cf. Mt 16.21; 24.6; Mc 8.31; 9.11; 13.7,10,14; Lc 9.22; 17.25; 24.26) à decisão humana para que realize o acontecimento predito.
Nenhum comentário:
Postar um comentário