Quando Deus exclamou FIAT LUX (Gn. 1.3) Ele passou a dar forma, simetria, beleza, graça e perfeição à sua criação. Fê-lo, todavia, através dum processo gradual, ensinando-nos, como diz Henry Law, que a “diligência persistente é a vereda de tudo que é feito com primor”. Tudo era bom. Era bom segundo o padrão de Deus. Segundo o projeto de Deus. Segundo a intenção de Deus. Sendo Deus perfeito, suas concepções são igualmente perfeitas.
Deus deixou para o fim de sua obra aquilo a que Ele deu maior importância: O homem. De tudo que Deus criou, o homem era aquele que levava a imagem de Deus. Disse Deus: “Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; e tenha ele domínio sobre a criação” (Gn. 1.28). Fê-lo integral. Corpo e alma. Ambos cheios da dignidade e beleza de Deus. O homem integral é a soma de suas partes – corpo e alma. E aqui cabe uma breve digressão: Embora as principais vertentes da filosofia grega, que tanto influenciou o cristianismo, tendam a desvalorizar a matéria e a reputar o corpo como sendo inferior à alma, o texto bíblico nos ensina que ambos são parte do todo. O todo é o homem. Criação idealizada por Deus. Deus criou e abençoou como vemos no verso 29 de Gênesis. 1. E, ainda que o pecado tenha corrompido o todo do homem – corpo e alma – Deus resolveu restaurar, redimir, salvar sua criação. A esperança escatológica, a esperança cristã fala em ressurreição do corpo (Rm. 8.23), redenção do corpo. O homem será restaurado a uma posição de perfeição diante de Deus – corpo e alma – ressurreto e glorificado, para gozar da comunhão de Deus para todo sempre.
Mas volto ao ponto:
Deus deu ao homem incumbências. Fez com ele um pacto.
O homem deveria trabalhar – Deus mesmo dera exemplo do valor do trabalho - seu fruto, sua dignidade. O homem deveria trabalhar. Ser mordomo do mundo. Ser senhor da terra. Dominar sobre os animais e sobre a terra. Dar nome, organizar, desenvolver, multiplicar. Tudo isso era projeto de Deus. Bom e perfeito.
Mas faltava alguma coisa.
A Escritura diz que o próprio Deus anunciou solenemente que não é bom que o homem estivesse só (Gn. 1.18).
Pensemos um pouco nesta realidade:
Estar só, definitivamente, não é algo que traga vantagem a homem algum.
Deus designou o homem para ser um ser social. Que se interage com o seu semelhante. Que vive em harmoniosa paz com seu semelhante.
O homem não foi feito para ficar só.
Nos momentos de crise, lutas, angustia, tristeza, precisamos dum ombro amigo. Duma mão forte. De alguém que nos ouça. Que nos faça compania. Vejamos alguns exemplos das Escrituras. O texto de Provérbios 17.17 diz que “Em todo tempo ama o amigo e na angustia se faz o irmão”.
Jesus Cristo, no Jardim d’angustia, no momento mais difícil de sua missão, chamou aqueles discípulos que lhe eram mais chegados – Pedro, João e Tiago. Seus amigos, companheiros, para que fizessem a ele compania. Ele pede a eles que “vigiem com ele, pois estava angustiado até a morte” (Mt. 26.36-46).
Quando Davi fugia do rei Saul, refugiou-se em uma caverna chamada Adulão e, quando souberam disso seus irmãos, a casa de seu pai e seus companheiros, “desceram ali para ter com ele” e todos os demais homens que “se achavam em aperto, endividados, amargurados de espírito” se juntaram a Davi, na Caverna de Adulão (1 Sm. 22.1-3).
Até mesmo Jó, quando viu-se naquela situação miserável, mesmo queixando-se da “zombaria” a que fora submetido, reconhece ser “amigo” daqueles homens (Jó 11.4).
Também nas horas de dúvidas, incertezas e pecados, precisamos duma palavra orientadora. Duma exortação, de ser recolocado nos trilhos.
Davi, quando pecou contra Deus, contra a nação, contra Urias e contra Bate-Seba, foi restaurado por Deus mediante a corajosa e amiga palavra do profeta Natã, que proferiu aquela parábola para chamar a atenção de Davi à gravidade de seu pecado.
O mesmo Davi, quando estava prestes a matar Nabal, foi dissuadido através do bom conselho de Abigail.
Ainda mais, nos momentos de alegria, gozo, paz e vitórias, precisamos d’alguém para compartilhar e vivenciar aquele momento tão triunfante.
O texto de Eclesiastes 4.9-12 diz que:
“Melhor é serem dois do que um, porque têm melhor paga do seu trabalho. Porque se caírem, um levanta o companheiro; ai, porém, do que estiver só; pois, caindo, não haverá quem o levante. Também, se dois dormirem juntos, eles se aquentarão; mas um só como se aquentará? Se alguém quiser prevalecer contra um, os dois lhe resistirão; o cordão de três dobras não se rebenta com facilidade.”
Enfim, não é bom que o homem esteja só. Toda a ocupação e trabalho – bons – que Deus dera ao homem não era ainda suficiente. O homem fora feito alma vivente. Ele aspiraria por alguém com quem pudesse compartilhar sua vida; com quem pudesse conversar, conviver, ter comunhão.
A Fundação da Família:
E, assim, Deus fundou a primeira e mais importante instituição da humanidade:
“E disse o SENHOR Deus: Não é bom que o homem esteja só; far-lhe-ei uma ajudadora idônea para ele.”
A família foi concebida por Deus no mundo pré-Queda. No mundo de perfeição. Antes que o pecado adentrasse o mundo, com suas manchas, nódoas e corrupção, Deus idealizou e executou, em sua perfeita criação, um mundo belo [e devemos pensar em beleza, como Agostinho ensina, em termos daquilo que está mais próximo de Deus – o summum bonum – bem supremo; ou como ensina Edwards, em termos de simetria e proporção]. Tudo era belo e perfeito.
É importante destacar o fato de que a família é ideal de Deus antes da queda.
É ideal de Deus também na redenção do homem.
Quando a salvação da graça de Deus nos alcança, nós passamos a fazer parte da “família de Deus”. (Ef. 219). O texto de Gálatas 6.10 fala em “família da Fé”. Jesus nos ensina a chamar a Deus de nosso “Pai” (Mt. 6.9). Somos instruídos a nos tratar como irmãos e irmãs em Cristo (At. 9.30).
A família é algo tão valoroso para Deus, que Ele revela a misteriosa comunhão que há entre Ele e o Logos, Jesus Cristo, nessas categorias: Pai e Filho.
A linguagem de “pai”, “mãe”, “filho”, “irmão”, é muito forte nas Escrituras. Evocam sentimentos íntimos, muito próximos de nossos afetos, de nossas emoções.
O verso 24 de Gn. 2 diz: “Portanto deixará o homem o seu pai e a sua mãe, e apegar-se-á à sua mulher, e serão ambos uma carne.”
Moisés está aqui aplicando o princípio que Deus estabeleceu na criação do mundo e do homem: O homem não deve estar só. Num certo momento, ele deixará a casa de seu pai e unir-seá à sua mulher.
Deus estabelece desde o início o padrão da união familiar: Casamento de homem e de mulher:
Algumas definições se fazem importantes aqui[1]:
Casamento – A palavra tem origem no verbo casar. Este, por sua vez, veio de casa, pois o ato do matrimônio traz o estabelecimento de nova casa. O conjunto de palavras (casal, casado) tem a mesma origem.
Homem – Alguns estudiosos identificam a relação entre os termos homo e humus. Humus é terra, solo. Daí adviria o conjunto de palavras (humano, humanidade). Hominis seria o nascido da terra, do pó, do solo.
Mulher – O latim é mulier. (…). Segundo alguns estudiosos, mulier é a palavra proveniente de mollier que significa mais mole, mais delicado, mais suave, tenro. Daí a idéia do “sexo frágil”, que, não obstante, é mais forte do que o homem em muitas coisas, diga-se de passagem. Em Hebraico, conforme a narrativa bíblica da criação da espécie humana, a palavramulher (ishá) é a mesma palavra homem (ish) acrescida de apenas uma letra, transmitindo a idéia bíblica de que ela procede do homem, e que, embora diferente, compartilha como ele de uma essência comum. Daí as antigas traduções bíblicas traduzirem as palavras hebraicas por “varão” e “varoa”, a fim de manter o mesmo radical nos vocábulos.
A Família Funcional:
A família é o projeto social de Deus. É a solução de Deus para por fim à solidão do homem.
E, ao desenhar um projeto tão bom e perfeito, Deus estabeleceu o papel que cada um dos membros da família deveria executar.
Em rigor, homem e mulher são essencialmente iguais. Iguais em dignidade e em valor, aos olhos de Deus e de todo mundo.
As diferenças entre homem e mulher nas Escrituras são funcionais e servem à harmonia familiar. A esposa, nesse sentido, é liderada pelo marido e os filhos, pelos pais (Ef. 5.22)
A mulher foi feita como auxiliadora do homem – Esse papel foi dado à mulher antes mesmo da queda. A Escritura ensina que a esposa deve ser amorosamente submissa ao seu marido. A liderança e condução do lar cabe ao homem. A mulher deve apoiar e encorajar este papel que ao homem foi dado e cumprir o seu, conforme se vê em Provérbios 31.10-31.
O homem, por sua vez, deve à sua esposa um respeito e amor semelhantes àquele que Cristo deu à sua igreja. Seu amor deve ser sacrificial. Um amor que se entrega e se dá, em favor de sua esposa.
O puritano Richard Baxter[2], sugere como deve se dar o relacionamento entre o marido e amulher, num lar cristão:
Ele o faz na forma de pergunta: Qual o meu dever para com minha esposa e qual o seu dever para comigo?
O dever mutuo entre marido e mulher é:
1. Amarem totalmente um ao outro; por isso, escolha alguém que seja verdadeiramente amável….e evite tudo quanto tenda por extinguir seu amor.
2. Viverem juntos, desfrutarem um do outro, unindo-se fielmente na tarefa de educar os filhos, no governo da família, no gerenciamento de seus negócios seculares.
3. Ajudarem-se especialmente na santificação um do outro; despertarem, um ao outro, à fé, ao amor, à obediência e às boas obras; admoestarem-se a ajudarem-se mutuamente contra o pecado e contra as tentações; unirem-se na adoração familiar, e também na adoração particular; prepararem-se mutuamente para a aproximação da morte e consolarem um ao outro na esperança da vida eterna.
4. Evitarem todas as dissenções e suportarem as fraquezas um do outro, que nenhum deles pode curar sozinho; amenizar e não provocar as paixões desordenadas; e, nas coisas legitimas, agradarem um ao outro.
5. Manterem a castidade e a fidelidade conjugal, evitando toda conduta imprópria e sem modéstia com um terceiro, o que pode provocar o ciúme; e, ainda, evitarem todo ciúme injusto.
6. Ajudarem-se mutuamente a levar suas cargas (e não a agravá-las por sua impaciência). Na pobreza, nas dificuldades, nas enfermidades, nos perigos, consolarem-se e apoiarem-se mutuamente. Serem companhias agradáveis no amor santo, nas esperanças e nos deveres espirituais, quando falharem todos os confortos materiais.
Os filhos devem honra, respeito e obediência aos pais, conforme estabelecido na própria Lei do Senhor e conforme o apóstolo Paulo explicam em Ef. 6.1-4.
Os pais devem conduzir a criança no caminho do Senhor, instruindo-a com a mensagem do Evangelho, pelo exemplo e preceito, pastoreando seu coração.
Esse é o ideal de Deus para a família. Foi assim que Deus a idealizou. É assim que Deus é glorificado.
Uma família forte faz uma igreja forte. Uma igreja forte brilha no meio das trevas – concede à sociedade corrompida e incrédula o exemplo forte, sólido, seguro e firme. Famílias fortes testificam a ação de graça e amor de Deus ao mundo caído. Exibe qual o padrão elevado de Deus para a sociedade e exemplifica qual será a sociedade redimida por Deus, no mundo porvir.
Sigamos, pois, o propósito para nossas famílias, para que funcionem segundo os desígnios da Palavra, para a glória dEle.
[1] Gilson Santos em gilsonsantos.com.br
[2] J.I Packer. Entre os Gigantes de Deus. São José dos Campos, SP. (Editora Fiel) pg. 283 em “O matrimônio e a família”.
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