Eu lhes digo que se a justiça de vocês não for muito superior a dos fariseus e mestres da lei, de modo nenhum entrarão no Reino dos céus.(Mateus 5.20), (Mateus 23.27,28), (Marcos 7.21-23), (Mateus 5.8).
Jesus disse que não poderemos entrar no Reino dos céus se nossa justiça não for muito superior à dos fariseus e mestres da lei (Mateus 5.20). Essas palavras podem levar alguém a concluir que devemos esconjurar os fariseus. Eles eram os alunos mais aplicados -da lei mosaica e exigiam o cumprimento rigoroso de todos os seus detalhes. A tradição diz que havia 246 mandamentos positivos na Lei (os cinco primeiros livros da Bíblia) e 365 proibições. A vocação dos fariseus era defender e cumprir rigorosamente esses mandamentos. Será que Jesus quis dizer que devemos ser mais meticulosos em calcular o número de leis e ajustar nosso comportamento em torno delas?
John Stott responde:
Não é exagero dizer que os cristãos conseguem obedecer a cerca de 240 mandamentos, ao passo que os melhores fariseus talvez tenham conseguido chegar a 230. Não. A justiça cristã é maior que a justiça farisaica por ser mais profunda, por ser uma justiça do coração. [...] A justiça que agrada [a Deus] é uma justiça interior da mente e da motivação. Porque o Senhor vê o coração.
Essa é a resposta certa, mas, para compreendê-la claramente, precisamos saber o que Jesus viu ao olhar para a justiça dos mestres da lei e dos fariseus. Não foi um quadro muito bonito.
Jesus e os fariseus: ira e súplica
Nenhum grupo despertou tanta ira e sofrimento no coração de Jesus quanto os fariseus. Mateus 23 é o capítulo mais rigoroso dos Evangelhos. Contém críticas intermináveis contra os fariseus. Apesar disso, encerra com uma exposição do sofrimento no coração de Jesus: "Jerusalém, Jerusalém, você, que mata os profetas e apedreja os que lhe são enviados! Quantas vezes eu quis reunir os seus filhos, como a galinha reúne os seus pintinhos debaixo das suas asas, mas vocês não quiseram55 (v. 37). Essa manifestação de tristeza pelos fariseus também é expressa na parábola do filho perdido, na atitude do irmão mais velho. O irmão mais velho representa os fariseus e os mestres da lei, que reprovavam o fato de Jesus comer em companhia de pecadores. Os fariseus e os mestres da lei o criticavam: Este homem recebe pecadores e come com eles (Lucas 15.2).
Jesus contou a parábola do filho perdido em resposta às críticas recebidas. A lição principal da parábola era esta: o fato de Jesus comer com os pecadores não significava cumplicidade de Deus com o pecado, e sim a busca de Deus pelos pecadores. No fim da parábola, Jesus atinge os fariseus. Descreve o pai (que representa a Deus) aproximando-se do farisaico filho mais velho e suplicando-lhe que participe da comemoração da volta do irmão mais novo. A parábola é uma oferta misericordiosa aos fariseus de participação na celebração da graça na vida e no ministério de Jesus.
O irmão mais velho, porém, não quis trocar a posição irada de servo moralista pela posição jubilosa de filho: "Olha! todos esses anos tenho trabalhado como um escravo ao teu serviço e nunca desobedeci às tuas ordens. Mas tu nunca me deste nem um cabrito para eu festejar com os meus amigos (Lucas 15.29). Ele se vê como servo merecedor, não como filho livre e amado. As últimas palavras do pai ao filho mais velho estão carregadas da tristeza que Jesus sentia pelos fariseus: "Meu filho, você está sempre comigo, e tudo o que tenhoé seu. Mas nós tínhamos que celebrar a volta deste seu irmão e alegrar-nos, porque ele estava morto e voltou a vida, estava perdido e foi achado (v. 31). O irmão, aparentemente, não quer festejar. Não ama a misericórdia. Quer ser tratado pelos próprios méritos, não pela misericórdia do pai. A parábola deixa o final em aberto. Os fariseus ali presentes devem atentar para o convite dirigido a eles. Jesus os acolherá na celebração da graça e da salvação se eles abandonarem sua postura moralista e se alegrarem com a misericórdia.
Pelo que sabemos, poucos fariseus passaram por essa transformação. Aparentemente, Nicodemos passou. Ele foi o fariseu que se aproximou de Jesus à noite para fazer-lhe perguntas e ouviu Jesus dizer: “Ninguém pode ver o Reino de Deus, se não nascer de novo (João 3.3). Após a morte de Jesus, Nicodemos, "uma autoridade entre os judeus (v. 1), tomou uma atitude extremamente arriscada. Levou cerca de 30 quilos de uma mistura de mirra e aloés para reverenciar o corpo de Jesus (João 19.39) e, com José de Arimatéia, proporcionou a Jesus um sepultamento digno. A Bíblia não menciona se Nicodemos se tornou discípulo; menciona apenas que José se tornou "discípulo de Jesus (Mateus 27.57). E difícil, porém, imaginar um fariseu assumir um risco tão grande sem que houvesse passado a crer em Jesus. Contudo, é um caso raro. A maioria dos fariseus foi inimiga de Jesus até o fim.
OS FARISEUS AMAVAM AS HONRARIAS, O DINHEIRO E O SEXO.
O quadro que Jesus pinta dos fariseus é trágico e repulsivo. A raiz do problema é que o coração deles está muito distante de Deus. Jesus disse-lhes em Mateus 15.7,8:
Bem profetizou Isaías acerca de vocês, dizendo:
"Este povo me honra
com os lábios, mas o seu coração está longe
de mim.
O coração deles não amava a Deus; eles amavam dinheiro, os elogios e o sexo.
Depois de Jesus ter contado a parábola acerca do uso correto do dinheiro, em Lucas 16.1-9, os fariseus zombaram dele. Lucas escreveu que eles "amavam o dinheiro53 (v. 14). Mais tarde, Jesus advertiu: "Cuidado com os mestres da lei. [...] Eles devoram as casas das viúvas35 (Lucas 20.46,47). Eles criavam regras e preservavam tradições que faziam das doações ao templo uma desculpa para não ajudar os pobres, nem mesmo os parentes (Marcos 7.9-13). Ao revelar o que se passava no coração dos fariseus, Jesus afirmou que eles estavam "cheios de ganância e cobiça55 (Mateus 23.25). Apesar da esmerada religiosidade, eles não amavam a Deus: amavam o dinheiro.
Amavam também as honrarias humanas. A recompensa que buscavam pelo que faziam não era a comunhão com Deus, e sim a admiração dos outros. Jesus disse:
Tudo o que fazem é para serem vistos pelos homens. Eles fazem seus filactérios bem largos e as franjas de suas vestes bem longas; gostam do lugar de honra nos banquetes e dos assentos mais importantes nas sinagogas, de serem saudados nas praças e de serem chamados "rabis". (Mateus 23.5-7)
Esse apego aos elogios humanos torna impossível a fé genuína no auto-sacrifício de Jesus. Por isso, Jesus disse a eles: "Como vocês podem crer, se aceitam glória uns dos outros, mas não procuram a glória que vem do Deus único? (João 5.44). O coração deles não desejava a Deus como recompensa: preferiam ser honrados pelos homens.
Assim, como geralmente ocorre com os que são movidos pelo amor ao dinheiro e aos elogios humanos, os fariseus também estavam, ao que parece, quase sempre envolvidos com sexo ilícito. Jesus chama-os“uma geração perversa e adúltera". 'Alguns dos fariseus e mestres da lei lhe disseram: "Mestre, queremos ver um sinal miraculoso feito por ti. Ele respondeu: 'Uma geração perversa e adúltera pede um sinal miraculoso! (Mateus 12.38,39). Argumentei no mandamento 9 que essas palavras se referem, no mínimo, ao adultérioespiritual de Israel por não querer ter a Jesus como seu verdadeiro marido. E natural, porém, supor que a palavra "adúltera" queira dizer que os "maridos”alternativos não sejam apenas o dinheiro e as honrarias humanas, mas também o sexo ilícito. Quando o coração não está profundamente maravilhado com a glória de Deus, em geral é movido pelos poderes deploráveis do dinheiro e dos elogios humanos.
Hipocrisia: a dissimulação ao cumprir a lei de Deus
Jesus considerava essa idolatria mais repulsiva ainda porque tudo vinha revestido de religiosidade. Era a essência do que ele chamou "hipocrisia”. “Ai de vocês, mestres da lei e fariseus, hipócritas! Vocês limpam o exterior do copo e do prato, mas por dentro eles estão cheios de ganância e cobiça (Mateus 23.25). Limpar o exterior do copo refere-se a usar a lei de Deus para ocultar a rejeição a Deus. Essa atitude intensificou a ira de Jesus.
Ai de vocês, mestres da lei e fariseus, hipócritas! Vocês são como sepulcros caiados: bonitos por fora, mas por dentro estão cheios de ossos e de todo tipo de imundície. Assim são vocês: por foraparecem justos ao povo, mas por dentro estão cheios de hipocrisia e maldade. (Mateus 23.27,28)
São palavras fortes para descrever o coração dos fariseus: ganância, cobiça, ossos de cadáveres, imundície, hipocrisia e maldade. Tudo não passava de dissimulação ao cumprir à risca a lei mosaica.
Existe algo pior, todavia. No próximo capítulo, veremos alguns comportamentos que demonstram de falta de amor, resultado dessa forma de corrupção. Neste ponto, devo deixar claro que a justiça dos fariseus de nada vale para Deus. Devemos ter uma justiça que seja muito superior à que vemos nos fariseus.
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