Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto
Um dos mitos mais perniciosos e malignos que praguejam a raça
humana é o mito da neutralidade. Ele é um produto do ateísmo e antiCristianismo,
pois pressupõe um cosmos de factualidade não-criada e sem
sentido, de fatos brutos ou sem sentido. Porque todo ato e fato do cosmos é
então sem sentido, e também sem relação com outro fato, todos os fatos são
neutros.
O Absurdo da Neutralidade
A palavra “neutro” é curiosa. Ela vem do latim “neuter”, significando
“nem um, nem outro”, e tem referência original ao gênero, isto é, nem macho
nem fêmea. Ela ainda tem esse significado: um homem neutralizado é um
eunuco, um castrado.
Ela tem agora o significado de não tomar partido e, supostamente, a lei
e os tribunais são “neutros”. Isso em si mesmo é absurdo. Nenhuma lei jamais
é neutra. A lei não é neutra sobre roubo, assalto, assassinato, estupro, ou
perjúrio: ela é enfaticamente contra essas coisas, ou deveria ser. Novamente,
nenhum tribunal ou juiz bom pode ser neutro sobre essas coisas sem destruir
a justiça.
Além do mais, nem a lei nem os tribunais podem ser neutros com
respeito a um homem acusado desses ou outros crimes. Antes, um bom
tribunal “suspende um julgamento” pendente de testemunho. A neutralidade
apresenta uma indiferença; um julgamento suspenso significa que qualquer
conclusão deve ser precedida por uma análise rigorosa de evidência.
O mito da neutralidade impede a justiça porque atribui à lei e aos
tribunais um caráter que está em muito conflito com a própria natureza delas.
Além do mais, é dado aos tribunais o poder de falsificar casos, como a
Suprema Corte dos Estados Unidos habilmente o faz. Por exemplo, ao lidar
com casos educacionais, a Corte, que tinha declarado ser o humanismo uma
religião, não reconhecerá que a educação humanista, isto é, nosso sistema
educacional do Estado de hoje, não é religiosamente neutra. As escolas cristãs
são tidas como sendo “religiosas” e “não-neutras”, mas as escolas humanistas
do Estado são vistas como “neutras”.
A Maior Violação da Primeira Emenda
Há uma razão para essa cegueira deliberada. Admitir que a educação é
uma tarefa inescapavelmente religiosa, e é sempre não-neutra, significa que as
escolas do Estado violam a Primeira Emenda. Elas são estabelecimentos
religiosos que ensinam uma religião alheia a maioria dos cidadãos, e fazem isso
com fundos públicos. Poucas coisas nos Estados Unidos violam mais a
Primeira Emenda do que as escolas públicas. Desde o seu começo, a escola
pública ou do Estado tem sido destrutiva da liberdade civil e, crescentemente,
da fé bíblica.
Para que a Corte reconheça esse fato seria necessário uma re-direção
radical da vida na América. Requereria, além disso, uma mudança radical na
Corte. A Suprema Corte dos Estados Unidos se tornou o Sinédrio, o Vaticano
ou o Concílio Nacional do humanismo na América. Ela é uma agência
militante e fanática da religião humanista, e usa seu poder para suprimir e
punir os rivais da religião Federal. As sessões da Corte constituem uma versão
moderna da “guerra santa” contra o Cristianismo.
Ao mesmo tempo, o mito da neutralidade tem sido usado para castrar a
teologia e as igrejas. O American Educational Trust de Washington, D.C.
publicou recentemente um atlas e almanaque de John C. Kimball (The Arabs,
1983). Kimball escreve:
Os muçulmanos têm sempre crido fortemente que a religião diz
respeito não somente ao que uma pessoa crê, mas o que ela faz e
as inter-relações da sociedade. Diferente do pensamento cristão
que vê uma clara distinção entre a dimensão secular e religiosa da
vida, o pensamento muçulmano sustenta que idealmente o
secular e o espiritual pertencem à mesma esfera.
Essa, sem dúvida, é a posição bíblica, que todas as coisas estão debaixo
da lei e do governo de Deus, e qualquer divisão da vida entre o religioso e o
não-religioso é falsa. Porque Deus é o Senhor e Criador de todas as coisas,
não existe nenhuma esfera da vida e pensamento fora de Sua jurisdição,
governo e lei. Sustentar que existe é negar Deus e afirmar o politeísmo. E isso
é precisamente o que muitos teólogos têm feito. A ressurgência do Islamismo
é devido ao reavivamento dessa premissa.
O Botão de Van Til
O mito da neutralidade é mais compatível com a natureza caída do
homem. O dr. Cornelius Van Til apontou que, se houvesse um botão em todo
o universo, o qual, se apertado, daria ao homem uma pequena esfera de
experiência fora de Deus e em liberdade de Deus, o homem caído sempre
estaria com o seu dedo nesse botão.
O fato trágico é que muitos pastores assumem a existência de tal botão!
Eles sustentam que a maior parte da vida está fora da lei de Deus, e até
mesmo negam a validade da lei de Deus. Eles crêem de fato que o homem
deve ser salvo na igreja, mas pode ser não-salvo fora da igreja na educação,
política, economia e todas as outras coisas. Eles literalmente assumem que a
maior parte do mundo é por natureza uma esfera ímpia, e assim deve
permanecer.
O Épico de Gilgamesh dos babilônios sustentava que apenas uma
pequena área da vida é a preocupação dos homens, que são inescapavelmente
ignorantes do bem e do mal porque os deuses “retém em suas próprias mãos”
o conhecimento da maioria das coisas sublimes. Essa era claramente uma
expressão de cinismo religioso. A teologia moderna vai mais adiante: ela vê
Deus como indiferente para a maior parte da vida, e limita a província do
sagrado a uma pequena esfera. Na Babilônia, as leis de “justiça” vinham do
rei, não dos deuses. Na civilização Ocidental moderna, as leis de “justiça” vêm
do homem, do Estado: Babilônia a Grande está em processo de construção.
Phillip Lee Ralph, em The Renaissance in Perspective (1973), disse:
“Juntamente com outros pensadores da época, Erasmo, More e Maquiavel
compartilhavam uma convicção que, sem alguma mudança na natureza
humana ou alguma alteração drástica das instituições, a ordem política poderia
ser feita para servir aos objetivos humanos desejáveis” (75 s.). Em outras
palavras, o mundo inteiro está fora de Deus e neutro para com Ele e,
portanto, a boa sociedade pode ser criada fora da salvação de Deus e Sua leipalavra, e em indiferença para com Ele. Nos Estados Unidos, essa é a
suposição de cada reunião do Presidente com o Congresso, e é a premissa da
política moderna em todos os lugares. Começando com a premissa que
existem esferas neutras fora de Deus, o homem termina declarando que Deus
é totalmente irrelevante para os homens. Somos informados que essa é uma
questão de neutralidade, quer ou não as pessoas creiam em Deus e em Sua lei.
Em todo esse pensamento, o homem está agindo sobre a suposição que, ao
apertar esse botão de neutralidade intelectual, as alegações de Deus são
eliminadas ou desaparecem.
Contudo, o fato é que Deus controla todos os botões! E Seu veredicto
sobre o mito da neutralidade e todos os seus aderentes pode ser apenas juízo.
Fonte: Faith for All of Life, Fev. 2004, p. 2-3.
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