Seria possível escrever a história de Spurgeon como um conto de grande sucesso. Como pastor estabelecido de uma igreja, ele pregou a mais pessoas em sucessivos domingos do que até hoje a Igreja Cristã jamais testemunhou em nenhum outro lugar. Quando se fez um levantamento sobre a freqüência num domingo comum em Londres, o número total de presentes no Tabernáculo Metropolitano, de manhã e de noite, excedeu a 10.000 pessoas! Ademais, se fossem incluídos os leitores dos seus sermões, diz G. H. Pike, "pode--se calcular que o número dos seus ouvintes não seria inferior a um milhão". Tão grande era a popularidade dos seus ser mões que uma vez houve até a tentativa de, sem a permissão de Spurgeon, enviar para a América, em cabograma, o sermão matutino de domingo para publicação nos jornais de segunda--feira. Por volta de 1899, mais de cem milhões de cópias dos seus sermões tinham sido publicados em vinte e três línguas; antes da sua morte, 120.000 exemplares da sua obra expositiva mais volumosa, The Treasury of David (O Tesouro de Davi), foram vendidos, e a esse número deve ser acrescentada a influência de mais de 125 outros livros que levam seu nome, mais os números da revista The Sword and the Trowel.
É tentador recorrer a essas estatísticas para nos ajudar a interpretar Spurgeon nos dias atuais; afirmar, por exemplo, que, se os ministros seguissem o seu exemplo, ou esposassem plenamente a sua teologia, haveria os mesmos resultados nesta época de coisas pequenas. Mas não se pode aceitar a legitimidade dessa linha de argumentação, porquanto ela ignora considerações bíblicas primárias. Deus não dá mera mente oportunidades aos pregadores, deixando o resto com eles. Ele dá aos homens e prepara os tempos nos quais eles devem agir. Como Spurgeon diz com referência a John Wycliffe, "Deus adapta o homem ao lugar e o lugar ao homem; há uma hora para a voz e uma voz para a hora". Pela educação, pela posse de notáveis dons naturais, pelo revestimento do Espírito Santo, Spurgeon foi equipado para trabalhar numa época de colheita na história da igreja inglesa. "A minha vida", ele pôde dizer, "tem sido um imenso celeiro"! Muito antes da sua morte, porém, as condições espirituais do território pátrio estavam mudando, e Spurgeon viu a mudança; sendo que anteriormente ele costumava sustentar a perspectiva de igreja cheia para o homem que pregasse fielmente o evangelho, teve que rever a sua opinião: "Em comparação ao que em geral acontecia, é difícil obter atenção para a Palavra de Deus. Eu pensava que bastava pregar o evangelho, e as multidões correriam para ouvi-lo. Receio que tenho que corrigir a minha crença neste ponto... Todos nós sentimos que um processo de endurecimento está ocorrendo entre as massas".
A idéia de Robertson Nicoll de que havia uma espécie de afinidade natural entre as massas trabalhadoras da zona sul de Londres e um firme calvinismo é uma idéia que nenhum dos nascidos no século vinte gostaria de ter. O próprio Spurgeon a teria descartado. Ele previu uma época na qual o sucesso não seria a norma e na qual as estatísticas e as maio rias seriam um enganoso guia para a verdade. Ele não reivin dica a atenção para a sua mensagem por causa do sucesso dela, mas por causa da autoridade divina de que ela estava revestida. "Há muito tempo deixei de contar cabeças", disse ele em 1887, "usualmente a verdade está em minoria neste mundo mau."
Por essas razões, não estou interessado numa idéia de conto ou romance de sucesso sobre Spurgeon, e eu repudio todo e qualquer desejo de impor crenças aos leitores nas páginas que se seguem simplesmente porque "Spurgeon disse isso". Em favor do tipo de despertamento do "culto" a Spurgeon que existiu nalguns círculos em dias passados, não tenho o que alegar. O referido culto basicamente não era saudável; sem dúvida levou alguns a aceitarem crenças porque Spurgeon as ensinava, e não porque as viram claramente nas Escrituras, e, na medida em que produziu isso, foi prejudicial à causa que estava mais junto do coração de Spurgeon. Pois esse tipo de atitude renega a grande ênfase do seu ministério. O legado de Spurgeon não é, nem a sua oratória, nem a sua personali dade - essas coisas seguiram o caminho de toda carne - mas é o seu testemunho de todo o conselho de Deus e a sua proclamação do grande princípio da Reforma, segundo o qual devemos ter unicamente Deus diante dos nossos olhos, e Sua honra deve ser o motivo supremo de todas as nossas ações. Nesta conexão, não foi coincidência que, como João Calvino, que não desejava que nenhum epitáfio assinalasse o seu túmulo, Spurgeon queria que apenas as letras "C. H. S." assinalassem a lápide da sua sepultura.
Há cem anos Charles Haddon Spurgeon escreveu: "Naturalmente, é muito mais fácil para a carne e o sangue tratar de generalidades, denunciar o sectarismo e dizer que temos espírito ultracatólico; mas, ainda quando áspero e rude, requer-se do leal servo do Rei Jesus que mantenha todos os direitos da Sua realeza e responda por todas e cada uma das palavras das Suas leis. Os amigos nos censuram e os inimigos nos detestam quando somos muito zelosos pelo Senhor Deus de Israel, mas, que importância têm essas coisas, se temos a aprovação do Senhor? As palavras de Rutherford, em sua carta a William Fullarton, retinem em nossos ouvi dos: "Ardentemente lhes rogo que entreguem sua honra e autoridade a Cristo e por Cristo; e que não se desanimem por carne e sangue, enquanto forem pelo Senhor, por Sua verdade e por Sua causa. E, ainda que vejamos a verdade colocada nas piores condições por um tempo. Cristo continua sendo amigo da verdade, e agirá em favor daqueles que ousam arriscar tudo o que possuem por Ele e para a Sua glória. Senhor Fullarton, o nosso belo dia vem, o tribunal será outro, e os ímpios clamarão após o meio-dia, e chorarão mais dolorosamente que os filhos de Deus, que choram de manhã. Esperemos confiantes a salvação que de Deus virá".
I. Murray
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