Contra a opinião dos que afirmam que não serão perpétuos os suplícios quer do Diabo quer dos homens maus.
Convém, antes de tudo, investigar e saber porque é que a Igreja não pôde admitir a opinião dos homens que anunciam a purificação e o perdão, mesmo ao Diabo, depois das maiores e mais prolongadas penas.
Não é que tantos santos e tantos homens instruídos nas Sagradas Escrituras, Antigas e Novas, vejam com maus olhos a purificação e a felicidade do Reino dos Céus, após suplícios seja de que natureza e de que intensidade forem, aos anjos qualquer que seja o seu gênero e dignidade, mas viram antes que não podia ser anulada nem enfraquecida a decisão divina que o Senhor anunciou que virá a proferir e a estabelecer no julgamento.
Afastai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno que está preparado para o Diabo e seus anjos, (realmente, mostra-se por esta forma que um fogo eterno queimará o Diabo e os seus anjos), nem podia ser anulado o que também está escrito no Apocalipse:
O Diabo que os seduzia foi lançado num lago de fogo e de enxofre com a besta e o falso profeta e aí serão torturados dia e noite pelos séculos dos séculos.
O que acolá está escrito é "eterno" (aeternum) e o que aqui está escrito é "pelos séculos dos séculos" (in saecula saeculorum) - palavras com que a Sagrada Escritura nada mais costuma significar senão o que não tem fim no tempo. Por conseqüência, a mais autêntica fé deve manter como firme e imutável que não haverá regresso algum do Diabo e dos seus anjos ao estado de justificação e à vida dos santos; nem outro motivo mais justo e mais manifesto disto se pode encontrar a não ser este: a Escritura, que a ninguém engana, assegura que Deus não lhes perdoou, estando, portanto, sob uma primeira condenação, encerrados entretanto nas negras masmorras do Inferno, reservadas para o castigo do juízo final, quando forem lançados ao fogo eterno, onde serão atormentados pelos séculos dos séculos.
Se isto é assim, como é que os homens, todos ou alguns, serão subtraídos à eternidade desta pena, depois de um certo tempo, por mais prolongado que se queira, sem imediatamente se desvirtuar a fé pela qual cremos que o suplício dos demônios será eterno? Com efeito, se, daqueles de quem se diz:
Afastai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno que está preparado para o Diabo e seus anjos, todos ou alguns deles não estão lá sempre, que razões há para se crer que hão-de lá estar para sempre o Diabo e os seus anjos? Será por acaso que a decisão de Deus, proferida contra os maus, sejam eles anjos ou homens, será verdadeira para com os anjos e falsa para com os homens? Assim será com certeza se valer mais, não o que disse Deus mas o que os homens conjecturam. Porque isso não pode acontecer, não devem discutir contra Deus, mas antes, enquanto é tempo, obedecer ao preceito divino aqueles que desejam escapar ao suplício eterno. Depois, que vem a ser isso de considerar como eterno um suplício num fogo de longa duração, e a vida eterna crê-la sem fim - quando Cristo disse, na mesma passagem e numa única frase, unindo uma e outra:
Assim estes irão para o suplício eterno, mas os justos para a vida eterna?
Se um e outro são eternos, certamente que um e outro são de longa duração, com um fim, ou um e outro são perpétuos, sem fim. De fato, são referidos par a par: dum lado o suplício eterno, do outro a vida eterna. Mas dizer numa só e mesma expressão: "A vida eterna será sem fim, o suplício terá fim" é por demais absurdo. Portanto: já que a vida eterna dos santos será sem fim, também o suplício eterno, dos que o merecem, com certeza não terá fim.
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