- (Rm 5. 20,21) -
Sobreveio a lei para que o delito sobressaísse. O que a apóstolo afirma aqui depende de sua observação anterior, ou seja: que o pecado existiu antes que a lei fosse promulgada. Quando este ponto é estabelecido, então surge, imediatamente, a pergunta: "Então, com que propósito a lei nos foi dada?" Portanto, era indispensável que esta dificuldade fosse também resolvida. Contudo, visto que não tivera oportunidade, naquela ocasião, de apresentar uma digressão mais extensa, então prorrogou sua consideração para a presente passagem. Ele agora mostra, suficientemente, que a lei entrou [em cena] a fim de que o pecado pudesse sobressair. Ele não está aqui a descrever todo o uso e função da lei, mas trata só daquela parte que servia ao seu presente propósito. A fim de estabelecer a graça de Deus, ele afirma que era indispensável que a destruição dos homens fosse-lhes mais nitidamente revelada. Em verdade, os homens já se achavam naufragados antes mesmo que a lei fosse promulgada; porém, visto que eles aparentemente sobreviviam, mesmo em sua destruição, achavam-se submersos nas profundezas, a fim de que seu livramento parecesse ainda mais extraordinário quando, ao contrário da expectativa humana, emergissem dos dilúvios que os subvertiam. Não é ilógico concluir que a lei fora em parte promulgada em razão de que ela pudesse outra vez condenar as mesmas pessoas que uma vez já haviam sido condenadas. Seremos plenamente justificados em usar todos e quaisquer meios para trazer os homens, e até mesmo forçá-los pela comprovação de sua culpabilidade, a ter consciência de sua própria impiedade.
Onde o pecado transbordou. E bem notório o método geral de interpretar-se esta passagem desde os tempos de Agostinho. Quando a concupiscência é reprimida pelos restringimentos da lei, a mesma é intensamente estimulada. Há no homem inerente tendência de esforçar-se por fazer aquilo que lhe é proibido. Mas acredito que aqui a referência é simplesmente ao aumento do conhecimento e à intensificação da obstinada, porquanto o pecado é, pela lei, exposto aos olhos humanos, de modo que se vêem constantemente compelidos a ter consiciência da condenação que lhes está reservada. Assim o pecado, que de outra forma seria por eles completamente desdenhado, toma posse de suas consciências. Agora que a lei já foi promulgada, e a vontade de Deus, que brutalmente pisoteavam sob a planta de seus pés, se torna conhecida, aqueles que antes simplesmente desrespeitavam as fronteiras da justiça, agora chegam ao cúmulo de desdenhar da autoridade divina. Segue-se disto que o pecado é intensificado pela lei, visto que a autoridade do Legislador é então menosprezada e sua majestade, degradada.
A graça se plenificou infinitamente. A graça veio em auxílio do gênero humano depois que o pecado subjugou a todos, e a todos manteve sob seu domínio. Paulo, pois, nos ensina que a extensão da graça é ainda mais admiravelmente revelada, visto ser derramada mui copiosamente à medida que o pecado pervade tudo, não só para conter a avalanche do pecado, mas também para que ela o destrua completamente. Aprendemos deste fato que nossa condenação não nos é exibida pela lei com o propósito de fazer-nos continuar nele, mas com o fim de familiarizar-nos intimamente com nossa própria miséria, bem como para guiar-nos a Cristo, o qual nos foi enviado como Médico ao encontro de nossa enfermidade, como Libertador ao encontro de cativos, como Consolador ao encontro de aflitos e como Defensor ao encontro de oprimidos [Is 61.1].
Para que, como o pecado reinou para a morte, assim também reinasse a graça através da justiça. Como o pecado é descrito em termos de aguilhão da morte, visto que esta não tem poder algum sobre os homens exceto em decorrência do pecado, assim ele executa seu domínio por meio da morte. E por isso que se nos diz que ele exerce seu domínio por meio da morte. Na última cláusula, a ordem das palavras é confusa, porém não involuntariamente. Se Paulo houvera dito "a fim de que a justiça viesse a reinar por meio de Cristo", seu contraste teria sido direto. Entretanto, ele não se sentia satisfeito em comparar os opostos, e então acrescenta a palavra graça, de modo a imprimir ainda mais profundamente em nossa memória a verdade de que toda a nossa justiça não tem sua procedência em nossos próprios méritos, e, sim, na divina munificência. Ele previamente dissera que a morte mesma havia reinado. Ele agora atribui ao pecado o conceito de reinado. Mas o fim ou efeito do pecado é a morte. Afirma que ele reinou no passado, não porque cessou de reinar naqueles que são nascidos somente da carne, senão que distingue entre Adão e Cristo de tal forma como a designar a cada um o seu próprio tempo. Portanto, tão logo a graça de Cristo começa a prevalecer nos indivíduos, o reinado do pecado e da morte também cessa.
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