A posição do Calvinismo é diametralmente oposta a tudo isto. Ele não nega que a religião tem igualmente seu lado humano e subjetivo; não discute o fato de que a religião é promovida, encorajada e fortalecida por nossa disposição de buscar ajuda em tempo de necessidade e consagração espiritual diante de paixões sensuais; porém, sustenta que isto inverte a própria ordem das coisas para buscar, nestes motivos acidentais, a essênciae o verdadeiro propósito da religião. O Calvinismo valoriza tudo isto como frutos que são produzidos pela religião, ou como âncoras que lhe dão apoio, mas rejeita honrá-los como a razão de sua existência. Certamente, a religião, como tal, produz também uma bênção para o homem, mas ela não existe por causa do homem. Não é Deus quem existe por causa de sua criação; a criação existe por causa de Deus. Pois, como diz a Escritura, ele tem criado todas as coisas para si mesmo.
Por esta razão, Deus mesmo imprimiu uma expressão religiosa no conjunto da natureza inconsciente, - nas plantas, nos animais e também nas crianças. “Toda a terra está cheia de sua glória”. “Grande é o teu nome, Deus, em toda a terra”. “Os céus proclamam a glória de Deus e o firmamento anuncia as obras de suas mãos”. “Da boca de pequeninos e crianças de peito tiraste perfeito louvor”. Fogo e saraiva, neve e vapor, e ventos procelosos – todos louvam a Deus. Mas, do mesmo modo como a criação toda alcança seu ponto culminante no homem, assim também a religião encontra sua clara expressão somente no homem que é feito à imagem de Deus, e isto não porque o homem a busque, mas porque o próprio Deus implantou na natureza do homem a verdadeira expressão religiosa essencial, por meio da “semente da religião” (semen religionis), como Calvino a define, semeada em nosso coração humano. [1]
O próprio Deus fez o homem religioso por meio do sensus divinitatis, isto é, o senso do Divino, que ele faz tocar as cordas da harpa de sua alma. Um ruído de necessidade interrompe a harmonia pura desta melodia divina, mas somente em conseqüência do pecado. Em sua forma original, em sua condição natural, a religião é exclusivamente um sentimento de admiração e adoração que eleva e une, não uma sensação de dependência que separa e deprime. Do mesmo modo como o hino dos Serafins ao redor do trono é um clamor ininterrupto de“Santo, Santo, Santo!”, assim também a religião do homem sobre esta terra deveria consistir em um ecoar da glória de Deus, como nosso Criador e Inspirador.
O ponto de partida de todo motivo na religião é Deus e não o homem. O homem é o instrumento e o meio, somente Deus é o alvo aqui, o ponto de partida e o ponto de chegada, a fonte da qual as águas fluem e, ao mesmo tempo, o oceano para o qual elas finalmente retornam. Ser irreligioso é abandonar o propósito mais alto de nossa existência, e por outro lado não cobiçar outra existência senão a vivida para Deus, não ansiar por nada exceto a vontade de Deus, e estar totalmente absorvido na glória do nome do Senhor, isto é a essência e o cerne de toda verdadeira religião. “Santificado seja o teu nome. Venha teu reino. Seja feita tua vontade”, é a tripla petição, que dá expressão à verdadeira religião. Nossa senha deve ser - “Buscai primeiro o reino de Deus”, e depois disto, pense em suas próprias necessidades. Primeiro permanece a confissão da absoluta soberania do Deus Trino; pois dele, através dele, e para ele são todas as coisas. E por isso, nossa oração continua a mais profunda expressão de toda vida religiosa.
Esta é a concepção fundamental da religião mantida pelo Calvinismo, e até agora, ninguém jamais encontrou uma concepção superior, pois nenhuma concepção superior pode ser encontrada. O pensamento fundamental do Calvinismo, ao mesmo tempo o pensamento fundamental da Bíblia e do próprio Cristianismo, conduz, no campo da religião, à realização do mais alto ideal. A Filosofia da religião em nosso próprio século, em seus vôos mais ousados, não tem jamais atingido um ponto de vista superior nem uma concepção mais ideal.
[1] Institutas de Calvino, tradução inglesa de Edinburgo, Vol. I, Livro I, Capítulo 3: “Que existe ali na mente humana e certamente por instinto natural, algum senso dedeidade, nós sustentamos estar além de discussão ...” Capítulo 4, Parágrafo 1. “Mas embora a experiência testifique que uma semente da religião esta divinamente semeada em todos, apenas um numa centena é encontrado que a nutre em seu coração, e nenhum em quem ela chegou a maturidade, até agora ela é de frutosubmisso a sua estação. Em nenhuma parte do mundo pode ser encontrada genuína bondade.”
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