A disposição geral de transbordar em sua plenitude precede e alicerça a existência das criaturas
Tomando como base apenas essa disposição de causar uma emanação de sua glória e plenitude - que são anteriores à existência de qualquer ser e devem ser consideradas os motivos que o impeliram a dar existência a outros seres -, não se pode dizer propriamente que Deus fez da criatura o seu fim, do mesmo modo que fez de si mesmo. Porquanto, nesse momento, a criatura ainda não é considerada existente. Essa disposição ou desejo de Deus deve ser anterior à existência da criatura, deve estar presente de antemão, pois é a base original da existência futura, projetada e antevista da criatura.
A benevolência de Deus, no tocante à criatura, pode ser considerada num sentido mais amplo ou em outro mais restrito. Num sentido mais amplo, é possível que se refira simplesmente à boa disposição de sua natureza de comunicar sua plenitude em geral, [como] seu conhecimento, sua santidade e felicidade e fazer as criaturas existirem a fim de receberem tal comunicação. Pode-se chamar isso de benevolência ou amor, pois é a mesma disposição favorável exercitada no amor. É a fonte da qual o amor, no seu sentido mais exato, se origina e tem a mesma inclinação geral e o mesmo resultado no bem-estar da criatura. No entanto, não pode apresentar qualquer existência criada presente ou futura particular para o seu objeto, pois é anterior a qualquer objeto e a própria fonte da futurição [isto é, do vir a ser] de sua existência. Na verdade, também não é diferente do amor de Deus por si mesmo, como ficará mais claro adiante.
O amor de Deus pode, ainda, ser considerado num sentido mais estrito do que a disposição geral de comunicar o bem, voltando-se, nesse caso, para determinados objetos. No sentido mais estrito e correto, o amor pressupõe a existência de um objeto amado, pelo menos como conceito e expectativa, representado na mente com referência ao futuro. Deus não amou os anjos no sentido mais estrito, mas em decorrência de sua intenção de criá-los e, portanto, em função do conceito de anjos que viriam a existir. Logo, o seu amor por eles não foi exatamente o que estimulou nele a intenção de criá-los. O amor ou a benevolência, considerado em termos mais estritos, pressupõe um objeto existente, do mesmo modo que a compaixão [pressupõe] um objeto miserável e sofredor.
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