Esta consideração é a que torna piedoso o homem, porque a piedade é
a verdadeira sabedoria. Refiro-me à piedade que os gregos denominam
theosebeian, a qual foi recomendada pelas palavras dirigidas ao homem e que se
lêem no livro de Jó: Eis, o temor do Senhor é a (verdadeira) sabedoria (Jó 28,28).
Pois, se traduzíssemos o termo theosebeian para o vernáculo a partir do latim de
acordo com a sua origem, poder-se-ia dizer “culto a Deus”, o qual consiste
principalmente em que a alma não lhe seja ingrata. Por isso, no verdadeiro e
singular sacrifício, somos exortados a dar graças ao Senhor nosso Deus.
A alma ser-lhe-ia ingrata, se o que vem dele atribuísse a si mesma,
principalmente a justiça, de cujas obras se orgulhasse como se fossem próprias
e como realizadas por si mesma em seu próprio favor. Avultaria a ingratidão,
se o orgulho se manifestasse não de maneira vulgar, como fazem os que se
jactam das riquezas ou da elegância corporal ou da eloqüência ou das outras
qualidades tanto interiores como exteriores, seja do corpo, seja da alma, as
quais os malvados também costumam possuir, mas também daqueles que são
os bens dos bens e de um modo não vulgar, mas próprio dos que se
consideram sábios. Devido a este pecado, o do orgulho, até ilustres varões
bandearam-se para a desonra da idolatria, rechaçados da solidez da natureza
divina.
Por esta razão, o mesmo apóstolo e na mesma carta, na qual se mostra
defensor acérrimo da graça, depois de se confessar devedor a gregos e
bárbaros, a sábios e ignorantes, e, portanto, pelo que lhe exigir sua missão, e
depois de dizer que estava disposto a evangelizar os que se encontravam em
Roma, afirma: Na verdade, eu não me envergonho do Evangelho, ele é a força de Deus
para a salvação de todo aquele que crê, em primeiro lugar do judeu, mas também do grego.
Porque nele a justiça de Deus se revela da fé para a fé, conforme está escrito: “O justo viverá
da fé” (Rm 1,14-17).
Esta é justiça de Deus que, oculta no Antigo Testamento, manifesta-se
no Novo. Chama-se justiça de Deus porque sua concessão torna justo os
homens, assim como o que está escrito: Do Senhor vem a salvação, indica que é a
salvação com a qual ele salva. Esta é a fé pela qual e na qual se revela a justiça,
isto é, a fé dos que pregam a palavra para despertar à fé os que obedecem.
Pele fé de Jesus Cristo, isto é, pela fé que nos conferiu Cristo, cremos que nos
vem de Deus o poder viver na justiça e vivê-la com mais perfeição no futuro.
Por tudo isso damos-lhe graças com a piedade devida somente a Deus.
Extraído de: A Graça I, (Patrística 12)
São Paulo: Editora Paulus, 1998, p.36.
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