Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto
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Quase todos os crentes Reformados mantêm que o reino de Jesus Cristo é
(no mínimo) uma questão de Cristo reinando espiritualmente dentro do coração
daqueles que são cristãos. O Catecismo Maior de Westminster ensina que Cristo executa
o ofício de rei, entre outras coisas, “dando a graça salvadora aos seus eleitos” (Q.
45), ou para usar a linguagem da Escritura: “Deus com a sua destra o elevou a
Príncipe e Salvador, para dar a Israel o arrependimento e a remissão dos pecados”
(Atos 5:31).
O reino interior e espiritual de Cristo como Salvador e Senhor não deve ser
ignorado ou minimizado em importância. Uma pessoa não pode entrar no reino de
Deus à parte do renascimento espiritual: “Na verdade, na verdade te digo que
aquele que não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus” (João 3:3). Aqueles
que são redimidos já foram transferidos para o reino do Filho amado de Deus
(Colossenses 1:13) e como tal percebem que “o reino de Deus é… justiça, e paz, e
alegria no Espírito Santo” (Romanos 14:17). Os pós-milenistas sempre afirmaram
essa doutrina fundamental: que o reino de Deus é uma realidade interior e
espiritual. Por exemplo, J. Marcellus Kik interpretou os “tronos” de Apocalipse
20:4 dessa forma: “Os tronos representam o domínio espiritual dos santos sobre
eles mesmos e sobre o mundo. Mediante a graça de Cristo eles reinam em vida
sobre a carne, o mundo e o diabo” (An Eschatology of Victory, 1971, p. 210).
O Reino é Meramente Interior?
Sem diminuir em nenhum sentido a tremenda verdade bíblica que o reino de
Deus é um reino interior e espiritual de Cristo dentro dos nossos corações,
podemos continuar e perguntar se essa perspectiva expressa completamente tudo o
que a Palavra de Deus nos revela sobre a natureza do reino de Deus. É correto
dizer que o reino de Cristo se estende além do coração do crente? Cristo reina de
alguma forma externa, visível e neste mundo?
Os amilenistas são categoricamente hesitantes em afirmar que o reino
presente do Messias é visível e deste mundo. Alguns exemplos mostrarão ser essa a
regra geral entre os escritores amilenistas. Geerhardus Vos ensinou que o outro
mundo deveria ser “a atitude dominante da mente cristã” (The Pauline Eschatology,
1930, p. 363). Quando pensamos no reino de Cristo antes do Seu retorno em
glória, os amilenistas desejam que não pensemos em nenhuma “bem-aventurança
terrena” (W. J. Grier, The Momentous Event, 1945, p. 16) ou no “sucesso altamente
visível de Cristo através da igreja na vida terrena e instituições” (Lewis Neilson,
Waiting for His Coming, 1975, p. 346). Os principais escritores amilenistas explicam
que eles “opõem-se ao tipo de milênio ensinado pelo pós-milenista” (William E.
Cox, Amillennialism Today, 1966, p. 2). Como assim? Cox nos diz que durante “a era
presente da igreja… Jesus Cristo reina no coração dos seus santos” (p. 65), e
Meredith G. Kline insiste que a realidade presente é “o reino invisível do Senhor
sobre o trono teocrático de Davi no céu” (Westminster Theological Journal XLI, 1978,
p. 180.) Visto que o pós-milenista não nega sequer por um segundo que Cristo
reina presentemente no coração dos seus santos a partir de um trono invisível no
céu, qual ponto de vista distintivo está sendo alegado por esses mestres amilenistas?
Quando alguém lê autores como Cox, Kline, Neilson e outros, torna-se
óbvio que os que eles rejeitam nos escritores pós-milenistas é a inclusão do aspecto
externo, visível e deste mundo dentro do escopo do reino de Deus nesta era. A
direção do pensamento deles, como indicado no que Vos disse acima, é quase
exclusivamente de “outro mundo” ou celestial. Isso está claramente manifesto no
livro recente de Walter J. Chantry, God’s Righteous Kingdom (1980). Chantry alega que
os “cidadãos do reino são orientados ao outro mundo, não a essa terra presente”
(p. 16). De fato, Chantry sustenta que Cristo pôs de lado os aspectos externos da
religião do Antigo Testamento: “Em contraste, o reino de Cristo é interior” (p. 51),
de forma que a “bem-aventurança material, social e externa não pode ser buscada
num milênio, mas na consumação do reino na vinda do nosso Senhor” (p. 62).
Embora o sr. Chantry tente qualificar suas considerações admitindo que o mundo
material e externo não é inerentemente mau, o cerne de sua perspectiva teológica é
revelada quando ele diz que a Queda significa que o homem “colocou os desejos
animais acima da aspiração pelas realidades espirituais” (p. 20) e diz que “adoração
e ganhar almas… são coisas de longe bem mais importantes que o mandato
cultural” (p. 27). Chantry deixa a sua posição mui clara:
“… o reino de Deus está preocupado com as realidades eternas e
espirituais. Ele tem a ver com um mundo presentemente invisível. Seu
ponto focal é o homem interior… O evangelho do reino absorve
completamente os homens no eterno, e não no temporal… O evangelho
do reino absorve os homens no espiritual, e não no material” (pp. 15, 19,
ênfase no original).
Se homens como Chantry estivessem apenas indicando quais deveriam ser as
nossas prioridades, se estivessem somente nos lembrando que a regeneração
interna é um pré-requisito para a obediência externa em todas as áreas da vida, se
estivessem simplesmente apontando para a natureza provisória e limitada da
benção do reino hoje em contraste ao reino eterno e consumado de Deus, então
haveria pouca disputa. Mas a crítica deles contra o pós-milenismo é prova concreta
que muito mais está em jogo nas questões acima.
Os amilenistas alegam ou tendem a enfatizar exclusivamente a natureza
invisível, interna e de outro mundo do reino de Deus como uma realidade
espiritual. Nossa pergunta é se a Escritura – o padrão infalível para os nossos
comprometimentos doutrinários – não tem algo a mais para dizer, além de que o
reino de Deus é presentemente expresso no coração dos homens. O reino é
meramente interior?
Algumas Distinções Necessárias
Antes de tentarmos uma resposta à nossa pergunta, deveríamos ser
lembrados de algumas distinções teológicas que devem ser feitas. Primeiro,
diferenciaremos o reino providencial de Deus (Seu reinado soberano sobre cada
evento histórico, bom ou mau) do reino Messiânico de Deus (o governo divino que
destrói o poder do mal e assegura a redenção dos eleitos de Deus). O governo
providencial de Deus é indicado em Daniel 4:17, “o Altíssimo tem domínio sobre o
reino dos homens”, enquanto Daniel 7:13-14 refere-se ao reino redentor, moral e
vitorioso do Filho do Homem messiânico: “um como o filho do homem; e dirigiuse ao ancião de dias… e foi-lhe dado o domínio, e a honra, e o reino, para que
todos os povos, nações e línguas o servissem”.
Uma segunda distinção que não deveria ser esquecida é a distinção entre
“reino” e “igreja” na Bíblia. Essas duas palavras não têm precisamente o mesmo
sentido ou significado; de outra forma, quando Atos 28:23 nos diz que Paulo estava
testificando sobre o reino de Deus, poderíamos dizer também que Paulo estava
testificando sobre a igreja – o que seria errôneo, dado o contexto da profecia do
Antigo Testamento sobre a pessoa e obra de Jesus. E “reino” e “igreja” não se
referem à mesma entidade, pois Mateus 13:38, 41 nos informa que o escopo do
reino é o mundo, incluindo os malfeitores – o que não é verdade da igreja. Para ser
preciso, deveríamos dizer que é o reino de Deus que cria a igreja, e que a igreja por
sua vem tem as “chaves do reino” (Mateus 16:18-19). Nenhuma das declarações
seria verdadeira se não pudéssemos distinguir as duas entidades.
Uma terceira distinção necessária tem a ver com o reino Messiânico (que tem
um escopo mais amplo que a igreja). Precisamos distinguir entre esse reino na fase
de antecipação do Antigo Testamento (cf. Mateus 21:43, onde é dito ser ele tirado
dos judeus), na presente fase da realização estabelecida (e.g., Mateus 12:28, onde Jesus
declara que o reino de Deus “é chegado a vós”), e na fase da realização consumada
no retorno de Cristo (e.g., Mateus 7:21-23, onde entrar no reino é contrastado com
ser enviado para a condenação eterna; cf. 3:12).
O Reino de Cristo como sendo deste Mundo
Para recapitular, temos observado que é uma verdade fundacional que o
reino de Jesus Cristo pertence ao reinado do Salvador dentro do coração do Seu
povo – um reinado que se origina desde o trono celestial do Senhor. Nossa
pergunta, para ser preciso agora, questiona se o reino messiânico de Jesus (em
contraste com o Seu reino providencial, e se estendendo além do escopo da igreja)
durante o período atual de seu estabelecimento (em contraste com sua antecipação
no Antigo Testamento e em sua futura consumação nos novos céus e nova terra) é
exclusivamente espiritual, de outro mundo, invisível e interior (como os amilenistas
tendem a afirmar). Resumindo, nessa era presente o reino de Jesus Cristo é de
outro mundo e restrito ao coração do homem? Ele é meramente interior?
Nossa resposta, se formos fiéis a todo o ensino bíblico sobre o assunto, deve
ser um NÃO definitivo. O reinado de Cristo – Seu reino Messiânico – foi
destinado a subjugar todo inimigo da justiça, assim que o Paraíso foi reconquistado
para os homens caídos pelo Salvador. Como Isaac Watts expressou poeticamente
isso: “Ele veio para fazer Suas bênçãos fluir, Onde quer que a maldição seja
encontrada”. Todas as coisas tocadas pela culpa e poluição do pecado são objetos
do triunfo do reino do Messias – todas as coisas. O reino de Cristo não traz
somente perdão e um novo coração que ama a Deus; traz também obediência
concreta a Deus em todos os caminhos da vida. Aquelas coisas que permanecem
em oposição a Deus, Seus propósitos e o Seu caráter devem ser sobrepujadas pelo
reinado dinâmico do Rei Messiânico. Os efeitos do domínio de Cristo são
evidentes sobre a terra, entre as nações, e por toda a esfera da atividade humana.
Essa perspectiva todo-abrangente é apresentada pelo Apóstolo Paulo no
primeiro capítulo de Colossenses, onde é revelado que todas as coisas foram criadas
por Jesus Cristo (v. 16), que todas as coisas são restauradas por Sua palavra
redentora (v. 20), e conseqüentemente que em todas as coisas Ele deve receber a
preeminência (v. 18). Os seguidores de Cristo são exortados a “serem santos em
toda a maneira de viver” (1 Pedro 1:15). Como Paulo coloca: “Portanto, quer
comais quer bebais, ou façais outra qualquer coisa, fazei tudo para glória de Deus”
(1Co. 10:31). O reinado de Cristo não é restrito a questões internas do coração –
oração, meditação e piedade. Isso é somente o princípio. O reino de Deus “dá
fruto” (veja Mateus 13:23; 21:43) tal que por meio da qualidade visível da vida de
uma pessoa, o estado interior do seu coração pode ser discernido: “por seus frutos
os conhecereis” (Mateus 7:16-21). Assim, então, mesmo comer e beber como
atividades externas estão inclusas dentro do reinado do Messias. O reinado interior
do Salvador deve tornar-se manifesto em justiça pública: o ouvir genuíno da Palavra,
a religião verdadeira e a fé genuína são vistos no cumprimento fiel da lei, na ajuda
externa aos oprimidos e no socorro prático dos aflitos (Tiago 1:22-2:26).
Restringir o reinado de Cristo a questões interiores é perder o contato com o caráter
verdadeiro de submissão ao Rei.
Cristo não se contenta em ser Rei de um reinado parcial ou restrito. Ele
demanda obediência em todas as coisas de nós, e Seu objetivo é subjugar toda
resistência – de toda natureza (interna e externa) – ao Seu governo. Paulo ensina:
“Porque convém que reine até que haja posto a todos os inimigos debaixo de seus
pés”, concluindo com a derrota da própria morte na ressurreição geral (1Co. 15:25-
26). Toda oposição, em todas as áreas, serão sobrepujadas pelo Rei. E à medida que
acontecer, será um indicativo que o reino Messiânico está chegando. Cristo ensinou
Seus discípulos a orar: “Venha o teu reino, seja feita a tua vontade, assim na terra
como no céu” (Mt. 6:10). Essa oração é uma lembrança contínua a nós que a vinda
do reino significa fazer a vontade de Deus, e que o reinado de Cristo (Seu reino)
por meio da nossa obediência chega precisamente aqui sobre a terra. O reino de
Cristo é inegavelmente deste mundo em seus efeitos e manifestação. Sem dúvida, o
reino de Cristo não procede “deste mundo” (João 18:36), significando (como o
final do versículo interpreta a questão para nós) que a fonte do reinado de Cristo
“não é daqui”. Todavia, Seu reinado, como se originando do próprio Deus,
pertence a este mundo presente. O Salvador ressurreto e vitorioso disse de Si
mesmo: “É-me dado todo o poder no céu e na terra” (Mt. 28:18).
Devemos admitir, portanto, que o reino de Cristo não é meramente interno e
de outro mundo. Ele tem expressão externa sobre a terra no tempo presente. “O reino
de Deus e a Sua justiça” faz provisão para cada detalhe da vida (Mt. 6:31-33). Ele,
como Paulo ensina, “para tudo é proveitoso, tendo a promessa da vida presente e
da que há de vir” (1 Timóteo 4:8). Numa famosa parábola do reino, Cristo explica
com autoridade que o campo (o reino) é o mundo (Mt. 13:38). Na perspectiva da
Escritura, o reino de sacerdotes redimidos de Deus – a igreja (1 Pedro 2:9) – no
presente “reina sobre a terra” (Apocalipse 5:9). Nossa confiança, chamado e
prospecto está encapsulado no cântico maravilhoso, que “os reinos do mundo
vieram a ser de nosso Senhor e do seu Cristo, e ele reinará para todo o sempre”
(Apocalipse 11:15). O reino Messiânico deve ser visto, então, como externo, visível
e deste mundo – não meramente como interno no coração do homem, e sendo de
outro mundo.
Fonte: The Reduction of Christianity, Gary DeMar e
Peter J. Leithart, American Vision, Apêndice D.
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