por Sinclair B. Ferguson
“Desviam-se os ímpios desde a sua concepção; nascem e já se desencaminham, proferindo mentiras” – Salmos 58.3.
Ao final do dia, quando nossos filhos ainda eram pequenos, eu costumava observá-los enquanto dormiam: estavam lá, respirando quase imperceptivelmente, relaxados no seu sossego, curtindo o “sono da inocência”. Esta é a impressão do homem natural (e especialmente de um pai), que só enxerga aquilo que está diante de seus olhos (1 Samuel 16.7). Mas, que dizer do coração dessas crianças?
Usando as lentes da Bíblia, passamos a ver uma realidade mais sinistra: nossos filhos podem ser ingênuos, mas jamais inocentes. Assim como todos os homens, eles são culpados e depravados. Como Robert Murray McCheyne escreveu certa vez, mesmo nessa idade, a semente de todo tipo de pecado já está plantada em seus corações.
A verdade não se resume à possibilidade de nossas crianças se desviarem espiritual e moralmente, caso alguma coisa saia errado; muito pior que isso é a tendência para seguir esse caminho tortuoso, que já veio plantada nelas. A única coisa que falta para o trágico desfecho é elas darem vazão aos seus desejos carnais. A teologia reformada faz uso do termo “depravação total” para se referir a essa realidade. Como Louis Berkhoff expressou, essa depravação é: “(1) … uma corrupção inerente que se estende a cada parte … da natureza [humana], a todas as faculdades e capacidades tanto da alma como do corpo; e (2) que não há nenhum bem espiritual … no pecador, mas somente perversão”. (Systematic Theology, p. 247)
A depravação total de nossos filhos é uma doutrina que exige fé nas Escrituras. Nossos instintos naturais nos levam a olhar para os recém-nascidos como “tábuas rasas” morais e espirituais; como folhas em branco, prontas para que se escreva nelas uma vida de sucesso. E, ao que normalmente presumimos, essas páginas podem até ser manchadas, mas na sua essência sempre serão brancas.
Não é assim, de acordo com as Escrituras: “Desviam-se os ímpios desde a sua concepção; nascem e já se desencaminham, proferindo mentiras.” (Salmos 58.3), insiste o salmista. No entanto, até mesmo se essas palavras se referissem apenas a algumas pessoas, lutaríamos para minimizar o ensino de Davi, de que o fruto do pecado vem desde a raiz. A Bíblia diz que nós pecamos porque nossa natureza é corrompida.
Assim como esta verdade é aplicável ao ímpio, foi aplicada a Davi. Foi isso que Deus mostrou a Davi, ao usar o profeta Natã para repreendê-lo por causa de seu adultério com Bateseba e do assassinato de Urias (2 Samuel 11-12; conf. Salmos 51.5).
Este ensino não se trata de uma desculpa para as transgressões; é antes uma confissão de pecado. A transgressão de Davi não foi um erro de percurso numa vida regrada, mas a expressão de um coração que era inerentemente doentio.
Como isso pode acontecer? Paulo responde a esta pergunta em Romanos 5.12-21, ao tratar da unidade da raça humana em Adão. O pecado entrou no mundo por meio dele e, como conseqüência, a morte também veio. Todos pecaram em Adão, pois ele era o representante de toda a humanidade.
A prova desta realidade é observada no fato de que a morte alcança a todos e reina sobre todos. Paulo acrescenta: “entretanto, reinou a morte desde Adão até Moisés, mesmo sobre aqueles que não pecaram à semelhança da morte de Adão, o qual prefigurava aquele que havia de vir” (Rm 5.14); isto é, aqueles que não tinham recebido a revelação especial/verbal da vontade de Deus.
Paulo pode não estar pensando aqui exclusivamente dos infantes; entretanto, nenhuma classe de pessoas ilustra tão claramente esta terrível conseqüência da queda como fazem as crianças que morrem antes de serem capazes de compreender os desígnios de Deus.
Por que isto acontece? Definitivamente, porque a morte nos vem como herença que nosso representante (Adão) catastroficamente nos legou após a queda, e não simplesmente como resultado de causas naturais. Isto é o que os cristãos primitivos sabiamente ensinavam aos seus filhos: “Na queda de Adão, todos nós pecamos”. Por sua desobediência, todos nós também nos tornamos pecadores (Romanos 5.19). Como resultado de descendermos dele, compartilhamos de sua depravação desde os primeiros momentos de nossa existência. Nós somos imperfeitos desde a nossa concepção.
Num mundo que segue à deriva no mar da confusão moral e espiritual dos pais, a doutrina da depravação total de nossos filhos é verdadeiramente uma importante âncora. Os pais que compreendem seu significado reconhecem a sabedoria divina, mesmo quando Sua vontade é exposta da forma mais crua. Também reconhecem a importância de ensinar a lei de Deus no contexto da graça doada em Cristo por meio do Espírito Santo.
Deus não nos deu anjos, mas pecadores, para nos aperfeiçoar no caminho da santidade. Levando-se em conta que a situação é mais complicada pelo fato de que nós, os pais, somos também pecadores, é necessários que constantemente recorramos aos ensinamentos e diretrizes da Escritura. Eis algumas delas:
Reconheça que, espiritualmente falando, seus filhos são versões em miniatura de você mesmo. Aprenda a pensar mais em termos de Adão e Cristo, pecado e graça. Isso por si só o ajudará a perceber por que Deus lhe deu o mandamento de não irritá-los (Ef 4.4).
Ao educar seus filhos, não cometa o erro de endeusá-los (por seguir o princípio do “é proibido proibir”) ou de se auto endeusar (ao dizer consigo mesmo: “terei muito orgulho dele/dela”). Em vez disso, esforce-se para conduzi-los no caminho da santidade, auxiliado pela graça de Deus.
Leve a sério a promessa da Palavra de Deus, de que Ele será o seu Deus e o Deus dos seus filhos. Entretanto, se você aceita o batismo infantil, não cometa o erro de presumir que os filhos da aliança não precisam se arrepender e crer no Evangelho. Aliás, no batismo, reconhecemos a necessidade da lavagem da regeneração e colocamos nossos filhos sob as obrigações da Aliança: arrependimento dos pecados e fé em Jesus Cristo durante toda a vida.
Quando eles cometerem pecados repugnantes, nunca se esqueça de que a graça que há em Cristo é maior que a transgressão do seu coração somada à dos corações deles. Por causa de Cristo, há sempre um recomeço, até mesmo para aqueles cujo estilo de vida era a expressão máxima de um coração depravado. Isto foi o que Mônica descobriu após anos de intercessão por seu filho Agostinho.
Afinal de contas, “alguns de vocês eram assim” (1 Coríntios 6.11 – BLH), mas encontraram a graça por meio de Cristo.
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