Sabendo isto, que o nosso velho homem foi crucificado com ele. O Velho homem é assim chamado à semelhança do Velho Testamento que é também assim chamado em relação ao Novo Testamento.
Ele começa a ser Velho quando sua regeneração tem início, e sua velha natureza é gradualmente destruída. Paulo está referindo-se a toda a nossa natureza, a qual trazemos do ventre materno, e a qual é tão incapaz de receber o reino de Deus, que precisa morrer na mesma proporção que somos renovados para a verdadeira vida. Este Velho homem5, diz ele, é pregado na cruz com Cristo, porque, pelo seu poder, ele jaz morto. Paulo faz referência à cruz a fim de mostrar mais distintamente que a única fonte de nossa mortificação é nossa participação na morte de Cristo. Não concordo com aqueles intérpretes que explicam que Paulo usou o termo crucificado em vez de morto porque nosso velho homem está ainda vivo, e em certa medida ainda cheio de vigor. A interpretação está plenamente certa, mas dificilmente se faz relevante para o nosso presente texto. O corpo do pecado ao qual faz menção um pouco depois, não significa carne e ossos, e, sim, toda a massa de pecado, pois o homem, quando abandonado à sua própria natureza, não passa de uma massa de pecado. A expressão, e não sirvamos o pecado como escravos realça o propósito de sua destruição. Segue-se que até onde somos filhos de Adão, e nada mais além de homens, somos tão completamente escravos do pecado que nada mais podemosfazer senão pecar. Mas quando somos enxertados em Cristo, somos libertados desta miserável compulsão, não porque cessamos definitivamente de pecar, mas para que finalmente sejamos vitoriosos no conflito.
Porquanto, quem morreu, justificado está do pecado.
Este é um argumento derivado da natureza inerente ou efeito da morte. Se a morte destrói todas as ações da vida, então nós, que já morremos para o pecado, devemos cessar com aquelas ações que o pecado exerce durante a trajetória de sua existência [terrena]. O termo justificadosaqui, significa libertados ou recuperados da escravidão. Assim como o prisioneiro que é absolvido da sentença do juiz, se vê livre do vínculo de sua acusação, também a morte, livrando-nos desta presente vida, nos faz livres de todas as nossas responsabilidades.
Além do mais, embora este seja um exemplo que não pode ser encontrado em parte alguma entre os homens, contudo não há razão para considerar esta afirmação como uma especulação fútil, nem razão para desespero por não nosacharmos no número daqueles que crucificaram completamente sua carne. Esta obra divina não se completou no momento em que teve início em nós, mas se desenvolve gradualmente, e diariamente avança um pouco mais até chegar à sua plena consolidação. Podemos sumariar este ensino de Paulo da seguinte forma: Se porventura és cristão, então deves revelar em ti mesmo pelo menos um sinal de tua comunhão na morte de Cristo[communionis cum morte Christi]\ e o fruto disto consiste em que tua carne será crucificada juntamente com todos os desejos dela. Não deves presumir, contudo, que esta comunhão não é real só porque ainda encontras em ti traços de carnalidade em plena atividade. Mas é forçoso que continuamente encontres também traços de crescimento em tua comunhão na morte de Cristo, até que alcances o alvo final.55 Já é suficiente que o crente sinta que sua carne está sendo continuamente mortificada, e ela não avança mais enquanto o Espírito Santo tem sob seu controle o miserável reinado exercido por ela [carne]. Há ainda outra comunhão [communicatio] na morte de Cristo, da qual o apóstolo fala com freqüência, como em 2 Coríntios 4.10-18, a saber: o suportar a cruz, ação esta seguida de nossa participação [consortium] na vida eterna.
Ora, se já morremos com Cristo, cremos que tambémcom ele viveremos. Seu único propósito em reiterar esta afirmação consiste em adicionar a declaração que vem emseguida, ou seja: que havendo Cristo ressuscitado dentre os mortos já não morre. Com isto ele deseja ensinar-nos o dever imposto aos cristãos de perseguirem esta nova forma de vida ao longo de toda a sua vida. Se têm de levar em si a imagem de Cristo, seja por meio da mortificação da carne, seja por meio do viver no Espírito, esta mortificação da carne deve ser concretizada de uma vez por todas, enquanto a vida no Espírito jamais deve cessar. Isto não acontece, como já declaramos, porque nossa carne é mortificada em nós em um momento, mas porque não podemos retroceder de conduzi-la à destruição até à morte. Se porventura voltarmos às nossas próprias imundícias, então negamos a Cristo, pois a condição para termos comunhão com ele é tão-somente pelo caminho da novidade de vida, assim como ele mesmo vive uma vida espiritual.
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