A implantação de um princípio de nova vida espiritual e uma mudança radical na disposição governante da alma. Deixem-me explicar o que quero dizer com isso. O importante que se deve captar é toda a idéia de disposição. Além das faculdades de nossas almas, há algo por trás delas que as governa todas, e isso é o que referimos como sendo nossa disposição. Tomem dois homens. Eles possuem as mesmas faculdades; no que diz respeito às suas habilidades, não se pode fazer nada para optar-se entre elas; um, porém, vive uma vida recomendável, o outro vive uma vida má. O que faz a diferença? A resposta é que o homem bom possui uma boa disposição, e essa boa disposição, esse algo que está por trás das faculdades e as governa e delas se utiliza, o impulsionam a usar suas faculdades na direção da bondade. O outro homem possui uma disposição má, e assim ele incentiva as mesmas faculdades numa direção inteiramente diferente. Isso é o que se pode dizer por disposição.
Quando vocês se põem a meditar nela, e quando se põem a fazer uma auto-analise, sua vida e toda a sua conduta e comportamento, bem como os de outras pessoas, perceberão imediatamente que essas disposições são, naturalmente, de tremenda importância. Elas são aquela condição, se o preferirem, que determina o que fazemos e o que somos. Permitam-me que lhes apresente outros exemplos. Pensem em pessoas que possuem diferentes interesses e habilidades. Escolham duas pessoas que são mais ou menos opostas; uma que seja artista e outra que seja cientista. Qual é a diferença entre elas? Ora, vocês não podem dizer que a diferença está na faculdade intelectual, nem dizer que a diferença está nas faculdades de suas almas. Claro que não, mas há em cada pessoa uma disposição que parece determinar o tipo de pessoa que ele ou ela é. E isso que direciona as faculdades e as habilidades, a fim de que uma pessoa seja artista e outra cientista, e assim por diante. Pois bem, estou salientando este ponto para mostrar que o que sucede na regeneração é que Deus assim opera sobre nós no Espírito Santo, para que essa nossa disposição fundamental seja transformada. Ele põe um santo princípio, uma semente de nova vida espiritual, nessa disposição que determina o que eu sou e como me comporto e como uso e emprego minhas faculdades.
Permitam-me apresentar-lhes uma grande ilustração para mostrar o que tenho em mente. Tomem o caso do apóstolo Paulo. Olhem para ele como Saulo de Tarso. Não há dúvida sobre sua habilidade, nem sobre seu entendimento, nem sua força de vontade. Não há nenhuma dúvida sobre sua memória. Suas faculdades estão aí, e são claras e salientes; ele fora sempre um homem notável. Mas ei-lo aí, perseguindo a Igreja, considerando o Filho de Deus um blasfemo; e ele se dirige a Damasco, "respirando ameaças e morte", usando de todos os seus poderes para exterminar a Igreja Cristã. Vejam-no, porém, mais tarde, pregando o evangelho como jamais havia sido pregado antes ou desde então, com as mesmas faculdades, com as mesmas habilidades, a mesma personalidade, o mesmo em tudo, movendo-se, porém, na direção exatamente oposta. O que havia mudado? Não as faculdades da alma de Paulo - elas ainda são as mesmas: a mesma veemência, a mesma lógica, a mesma eficácia, a mesma prontidão em arriscar tudo, completamente; ele é, obviamente, o mesmo homem. E não obstante toda a direção, toda a inclinação, toda a perspectiva tem mudado. Ele é um homem diferente. O que lhe teria acontecido? Agora ele possui uma nova disposição.
Estou enfatizando isso por esta boa razão: só através da compreensão desse fato é que somos capazes de entender a diferença entre regeneração e uma mudança e processo psicológicos. Vejam bem, quando homens e mulheres são regenerados, não se transformam todos na mesma coisa, como selos postais. Mas quando se tornam vítimas de um movimento psicológico, a tendência é se tornarem idênticos - uma distinção muitíssimo importante. Quando as pessoas são regeneradas os dons particulares que as constituem nos homens e nas mulheres que são sempre permanecem constantes. Paulo, segundo os lembrei, era essencialmente o mesmo homem quando pregava o evangelho como era quando o denunciava e o perseguia. Com isso quero dizer que ele era o mesmo indivíduo e que fazia as coisas da mesma maneira.Deus não intentou que todos sejamos idênticos como cristãos. Não intentou que todos falemos, preguemos e oremos da mesma forma. O evangelho não produz esse tipo de mudança, e se acreditam que a regeneração faz isso, então vocês têm uma falsa doutrina da regeneração. O que ela faz é lidar com essa disposição que está por trás de tudo, mudando-a; esse algo fundamental que determina a tendência, a conduta, o hábito. E vital que compreendamos que a mudança na regeneração se realiza na disposição.
Então, em segundo lugar, devido ao poder da disposição em nós, segue-se necessariamente, que essa mudança irá afetar a pessoa toda. Porventura alguém pensa que estou contradizendo uma de minhas negativas? Tenho sustentado que a pessoa toda não é inteiramente mudada - estaria agora afirmando o contrário? Mantenho minha negativa, mas digo que, em princípio, em virtude da mudança na disposição, a pessoa toda é afetada. O modo como uso minha mente será afetado, a operação de minhas emoções será afetada, e assim será com minha vontade, porque, por definição, a disposição está por trás de todas essas volições e lhes dá direcionamento. E assim, quando essa minha disposição é mudada, então me porto como uma pessoa com uma mente nova. Antes, eu não me interessava pelo evangelho; agora me sinto muitíssimo interessado nele. Antes, não podia entendê-lo; agora o entendo.
A mudança em minha disposição, porém, não significa que agora o meu intelecto seja maior do que antes! Ao contrário, tenho exatamente o mesmo intelecto, a mesma mente. Mas, visto que a disposição governante é transformada, minha mente é operante numa esfera diferente e de uma forma diferente, de maneira que aparenta ser uma mente nova. E exatamente o mesmo se dá com os sentimentos. Um homem que costumava odiar o evangelho, agora o ama. Uma mulher que odiava o Senhor Jesus Cristo, agora O ama. E o mesmo se dá com a vontade: a vontade resistia, era obstinada e rebelde; mas agora ela deseja, é zelosa, se preocupa com o evangelho.
A próxima coisa a dizer é que essa mudança é algo instantâneo. Agora percebem a importância de se fazer diferença entre geração e nascimento efetivo? Geração, por definição, é sempre um ato instantâneo. Há um certo momento, um lampejo, em que o germe da vida entra, impregna; essa é uma ação instantânea. Noutras palavras, não há na regeneração estágios intermediários. A vida é ou não implantada; não pode ser parcialmente implantada. Não é gradual. Ora, desejo uma vez mais enfatizar esse ponto. Quando digo que ela é instantânea, não estou me referindo à nossa consciência dela, mas ao fato em si mesmo, como ele é realizado por Deus. Consciência, naturalmente, ocorre na esfera do tempo, enquanto que esse ato de germinação é coisa súbita, e essa é a razão por que ela é imediata.
E assim, a próxima coisa - e isso uma vez mais é muitíssimo importante - é que a geração, a implantação dessa semente de vida e a mudança da disposição, ocorre no subconsciente, ou, se vocês o preferirem, no inconsciente. Nosso Senhor explicou isso plenamente a Nicodemos (João, capítulo 3). E uma operação secreta, uma operação insondável, a qual não pode ser diretamente percebida por nós; aliás, não podemos nem mesmo entendê-la plenamente. A primeira coisa que sabemos sobre ela é que a mesma aconteceu, visto que somos conscientes de algo diferente, mas isso não significa que podemos entendê-la e que realmente podemos penetrar no seu recôndito.
Permitam-me que agora lhes apresente a base autoritativa para isso. Nicodemos, como todos nós, estava tentando entendê-la. Nosso Senhor lhe disse: "se alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus" (João 3:3). "Meu querido Nicodemos", disse Ele, com efeito, "você está tentando entender a diferença entre você e Eu, e o que estou fazendo. Pare com isso! Não se trata de mudar, ou de entender essa ou aquela coisa em particular; é a disposição governante de sua vida que deve ser mudada; você precisa nascer de novo. E algo por trás de todas essas faculdades que você está tentando usar."
Perguntou Nicodemos: "Como pode um homem nascer, sendo velho? Porventura pode tornar a entrar no ventre de sua mãe, e nascer?" (João 3:4). Ele queria entender, e nosso Senhor continuava dando a mesma resposta, e Nicodemos continuava argüindo.
Eventualmente nosso Senhor o colocou para ele dessa forma: "O vento sopra onde quer..." Há algo de soberano nisso. Vocês não sabem quando o vento deverá vir ou ir, ele decide seu próprio tempo. Vocês não sabem onde ele começa e onde ele termina. "O vento sopra onde quer, e ouves a sua voz" - vocês têm consciência de que ele está soprando - "mas não sabes donde vem, nem para onde vai" (João 3:8). Vocês não o vêem; podem ouvi-lo, podem ver as coisas balouçando ao sabor da brisa, mas não entendê-lo. Há um mistério em torno do vento, algo insondável. Vocês não podem sondá-lo ou agarrá-lo com seu entendimento, mas podem ver os resultados. "Assim é todo aquele que é nascido do Espírito" (v. 8).
Certas pessoas ignoram isso completamente, porque traduzem o vento do versículo 8 como "o Espírito sopra" - o Espírito Santo. Evidentemente, porém, não tem esse sentido, não pode significar isso, visto que nosso Senhor está se valendo de uma ilustração. Ele está falando sobre o vento, a ventania, se o preferem, não o Espírito Santo, nem qualquer outro espírito. "Ele sopra onde quer, e ouves a sua voz" - vocês não podem vê-lo, mas vêem os efeitos e os resultados - "assim é todo aquele que é nascido do Espírito." Eis aí a natureza essencial dessa grande mudança.
Portanto meu quarto ponto é que a regeneração é obviamente algo realizado por Deus. E um ato criador de Deus no qual homens e mulheres são inteiramente passivos e não contribuem em nada, absolutamente nada! Lemos em João 1:13: "os quais não nasceram" - vocês não dão à luz a si mesmos - "do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do varão, mas" -inteiramente! - "de Deus". Deus implanta esse princípio, essa semente de vida espiritual. E uma vez mais, naturalmente, temos as palavras de nosso Senhor expressas a Nicodemos: "se alguém não nascer da água e do Espírito, não pode entrar no reino de Deus. O que é nascido da carne é carne" - e ela não pode fazer nada a respeito - "e o que é nascido do Espírito é espírito" (João 3:5,6). Noutras palavras, os termos são que somos nascidos outra vez. E algo que nos sucede; somos gerados, não geramos a nós mesmos, não podemos gerar a nós mesmos. E inteiramente obra de Deus em nós e sobre nós.
Não terminamos ainda nossa consideração dessa grande, essencial e central doutrina, mas espero que, neste ponto, a grande idéia esteja clara em nossas mentes e em nosso entendimento, ou seja, que é aí, na disposição, que Deus opera, e é Deus, através do Espírito Santo, quem faz isso. Nascemos do Espírito.
Hesito agora em usar de ilustração; vou lembrá-los, porém, de que nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo nasceu da virgem, Maria, sim, mas foi concebido do Espírito Santo. Algo comparável, similar a isso - não a mesma coisa, cumpre-me deixar bem claro - parece suceder aqui. Esse princípio de vida espiritual, essa mudança, portanto, na disposição, é algo que se realiza pelo Espírito de Deus. A natureza humana não é inteiramente mudada por ela, visto, porém, que a disposição é mudada, todo homem ou mulher é como uma nova criação. Em cada aspecto, eles são pessoas diferentes, visto que esse algo fundamental que governa todas as outras partes foi mudado neles.
As faculdades, entretanto, permanecem como antes. Jamais tentem ser outra pessoa; sejam vocês mesmos. Deus quer que sejam vocês mesmos. Ele os fez como fez, e podem glorificá-lo melhor sendo vocês mesmos. Sejam sempre cautelosos com cristãos que falam da mesma maneira e são os mesmos em muitos aspectos*, isso se assemelha mais a um fator psicológico do que espiritual. Todo homem, toda mulher, cada um individualmente, permanece o que ele ou ela era, e assim vocês retêm a gloriosa variedade nos apóstolos e na Igreja Cristã através dos séculos. Todos concomitantemente testificam do mesmo Salvador e da mesma graça, da mesma regeneração, da mesma mudança na disposição, mas revelado segundo os dons e faculdades, as inclinações e poderes que Deus concedeu a cada pessoa.
Que maravilhosa salvação, que glorioso método de redenção! Oh, como aprecio uma palavra que é usada pelo autor da Epístola aos Hebreus, no segundo capítulo. Ela descreve e define perfeitamente o que estou tentando dizer. Falando sobre esta grande salvação, o autor diz de Deus: "Porque convinha que aquele" - era preciso que Ele, foi o Seu modo de fazê-lo -"para quem são todas as coisas, e por meio de quem tudo existe, em trazendo muitos filhos à glória, aperfeiçoasse pelos sofrimentos o autor da salvação deles" (Heb. 2:10) ~ convinha que Ele! E espero que todos nós, tendo considerado assim abreviada e inadequadamente esta grande doutrina, digamos a mesma coisa. E o método de salvação que convinha a Ele, ao Deus Todo-poderoso.
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