Do ponto de vista bíblico, devemos definir, antes de tudo, que toda a revelação divina tem um motivo central que é a chave do conhecimento e que, por conta de seu caráter integral e radical, exclui qualquer concepção dualista do mundo e do ser humano. Trata-se do motivo da criação, queda e redenção em Cristo Jesus na comunhão do Espírito Santo. Esse motivo não é de forma alguma uma doutrina que pode ser aceita à parte de sua obra poderosa em nossos corações. Acima de tudo, trata-se de um motivo-força no centro de nosso ser, a chave do conhecimento de Deus e do ego que pode destrinchar para nós a revelação de Deus nas Escrituras e em toda a obra das Suas mãos. É um motivo que é tão central, a ponto de ser o alicerce até mesmo da exegese científica das próprias Escrituras.
Este é um tríplice motivo. Não obstante, ele se unifica em uma única peça. É impossível compreender o sentido verdadeiramente bíblico do pecado e da redenção sem que se tenha entendido o verdadeiro significado da criação. Ao se revelar como Criador, Deus se revela como a única e exclusiva Origem de tudo o que há. Nenhuma força se pode contrapor a Ele com algum poder em si mesma. De fato, com referência ao Criador, não poderíamos definir uma área sequer de insulamento para a nossa autonomia na vida terrena. Ele tem o direito à toda nossa vida, a todo o nosso pensamento e a toda ação nossa. Nenhuma esfera da vida pode ser divorciada do serviço a Deus. Ao se revelar como o Criador, Deus ao mesmo tempo mostrou ao homem o sentido da sua existência [...].
Da mesma forma que a criação é centrada em Deus em analogia a sua Origem unificada e integral, Deus também criou dentro do homem um centro unitário, que é o ponto de concentração de sua existência temporal com todos os seus distintos aspectos e poderes. Trata-se do coração, no sentido religioso da palavra: a fonte de onde fluem as fontes da vida. A alma ou o espírito da nossa existência temporal (a saber, a nossa existência corpórea). Pois a nossa existência corpórea inclui não somente os aspectos físicos e biológicos do nosso ser, mas também os aspectos racionais e mesmo a função temporal da fé.
Dentro do coração do homem Deus concentrou o sentido de toda a realidade terrena. É por isso que a queda do homem representa a queda da criação temporal por inteiro. É por isso que, segundo o ponto de vista bíblico, o mundo, tal como aparece nos reinos inorgânico, orgânico e animal, não pode ser visto como uma coisa-em-si, independente do homem. O próprio Deus nos revelou em Sua Palavra que Ele só vê a criação com referência ao homem. Ela foi prejudicada por causa do pecado do homem. E ela será salva por causa da redenção do homem.
É por isso que toda a filosofia que nega esse lugar central do homem no mundo é antibíblica [...]. Em conexão com o significado bíblico da criação, também o sentido da queda se torna claro. Isso pode ser expresso de forma breve. Ora, o homem, que foi criado à imagem de Deus, desejou ser algo em si mesmo, independente do Criador. O ego humano, considerado como o centro individual de sua existência é, segundo a ordem da criação, destinado a refletir a imagem de Deus. Uma imagem não pode ser algo em si mesma. É por isso que toda a existência humana, em seu centro religioso, está sujeita à lei da concentração religiosa, que jamais foi abrogada, mesmo com a queda. Todo o poder do diabo se basea nessa lei da concentração na existência humana, porque sem essa lei a idolatria não seria possível [...].
Visto que o homem foi criado à imagem de Deus, a queda é uma queda radical: no centro religioso, a própria raiz da existência humana; uma queda do mundo inteiro, que tem seu ponto de concentração no homem. É por isso que a redenção em Cristo Jesus tem um caráter radical e integral. É a regeneração, em Jesus Cristo, do próprio coração da nossa existência. A redenção é em Jesus Cristo, que é a nova Raiz da raça humana e de toda a terra. Em oposição a qualquer concepção dualista e dialética, é preciso enfatizar a natureza radical e integral do reino de Jesus Cristo, que está inseparavelmente ligado à natureza radical e integral da criação. Em outras palavras, como Abraham Kuyper coloca, não existe um só segmento da vida sobre o qual Jesus Cristo, o supremo Soberano, não possa reivindicar o direito exclusivo.
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Sobre o autor: Herman Dooyeweerd (1894-1977), filósofo e jurista, ensinou por várias décadas na Universidade Livre de Amsterdã. Escreveu uma das obras fundamentais da filosofia neocalvinista, os quatro volumes de A New Critique of Theoretical Thought. Seu sistema anti-reducionista, também chamado de Filosofia da Ideia Cosmonômica, explica por que toda formulação teórica científica e toda filosofia tem uma raiz inerentemente religiosa. A partir daí, desenvolve uma teoria para sistematizar uma visão radicalmente cristã acerca da realidade, passível de aplicação em cada área científica.
Traduzido por: Lucas G. Freire (Out. 2010).
Fonte: The Secularization of Science (trans. R. Knudsen).
Extraído: Neocalvinismo sem Mundanismo
Este é um tríplice motivo. Não obstante, ele se unifica em uma única peça. É impossível compreender o sentido verdadeiramente bíblico do pecado e da redenção sem que se tenha entendido o verdadeiro significado da criação. Ao se revelar como Criador, Deus se revela como a única e exclusiva Origem de tudo o que há. Nenhuma força se pode contrapor a Ele com algum poder em si mesma. De fato, com referência ao Criador, não poderíamos definir uma área sequer de insulamento para a nossa autonomia na vida terrena. Ele tem o direito à toda nossa vida, a todo o nosso pensamento e a toda ação nossa. Nenhuma esfera da vida pode ser divorciada do serviço a Deus. Ao se revelar como o Criador, Deus ao mesmo tempo mostrou ao homem o sentido da sua existência [...].
Da mesma forma que a criação é centrada em Deus em analogia a sua Origem unificada e integral, Deus também criou dentro do homem um centro unitário, que é o ponto de concentração de sua existência temporal com todos os seus distintos aspectos e poderes. Trata-se do coração, no sentido religioso da palavra: a fonte de onde fluem as fontes da vida. A alma ou o espírito da nossa existência temporal (a saber, a nossa existência corpórea). Pois a nossa existência corpórea inclui não somente os aspectos físicos e biológicos do nosso ser, mas também os aspectos racionais e mesmo a função temporal da fé.
Dentro do coração do homem Deus concentrou o sentido de toda a realidade terrena. É por isso que a queda do homem representa a queda da criação temporal por inteiro. É por isso que, segundo o ponto de vista bíblico, o mundo, tal como aparece nos reinos inorgânico, orgânico e animal, não pode ser visto como uma coisa-em-si, independente do homem. O próprio Deus nos revelou em Sua Palavra que Ele só vê a criação com referência ao homem. Ela foi prejudicada por causa do pecado do homem. E ela será salva por causa da redenção do homem.
É por isso que toda a filosofia que nega esse lugar central do homem no mundo é antibíblica [...]. Em conexão com o significado bíblico da criação, também o sentido da queda se torna claro. Isso pode ser expresso de forma breve. Ora, o homem, que foi criado à imagem de Deus, desejou ser algo em si mesmo, independente do Criador. O ego humano, considerado como o centro individual de sua existência é, segundo a ordem da criação, destinado a refletir a imagem de Deus. Uma imagem não pode ser algo em si mesma. É por isso que toda a existência humana, em seu centro religioso, está sujeita à lei da concentração religiosa, que jamais foi abrogada, mesmo com a queda. Todo o poder do diabo se basea nessa lei da concentração na existência humana, porque sem essa lei a idolatria não seria possível [...].
Visto que o homem foi criado à imagem de Deus, a queda é uma queda radical: no centro religioso, a própria raiz da existência humana; uma queda do mundo inteiro, que tem seu ponto de concentração no homem. É por isso que a redenção em Cristo Jesus tem um caráter radical e integral. É a regeneração, em Jesus Cristo, do próprio coração da nossa existência. A redenção é em Jesus Cristo, que é a nova Raiz da raça humana e de toda a terra. Em oposição a qualquer concepção dualista e dialética, é preciso enfatizar a natureza radical e integral do reino de Jesus Cristo, que está inseparavelmente ligado à natureza radical e integral da criação. Em outras palavras, como Abraham Kuyper coloca, não existe um só segmento da vida sobre o qual Jesus Cristo, o supremo Soberano, não possa reivindicar o direito exclusivo.
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Sobre o autor: Herman Dooyeweerd (1894-1977), filósofo e jurista, ensinou por várias décadas na Universidade Livre de Amsterdã. Escreveu uma das obras fundamentais da filosofia neocalvinista, os quatro volumes de A New Critique of Theoretical Thought. Seu sistema anti-reducionista, também chamado de Filosofia da Ideia Cosmonômica, explica por que toda formulação teórica científica e toda filosofia tem uma raiz inerentemente religiosa. A partir daí, desenvolve uma teoria para sistematizar uma visão radicalmente cristã acerca da realidade, passível de aplicação em cada área científica.
Traduzido por: Lucas G. Freire (Out. 2010).
Fonte: The Secularization of Science (trans. R. Knudsen).
Extraído: Neocalvinismo sem Mundanismo
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