1). ARMINIANISMO
Observando as idéias de Armínio, podemos fazer um esboço de como ele encara a salvação humana. O primeiro pressuposto arminiano referente à salvação é a idéia de que o homem possui livre-arbítrio. Livre-arbítrio significa que temos arbítrio livre, ou seja, temos liberdade de julgamento, "a capacidade de escolher nenhuma das opções morais oferecidas em dada situação. (arbítrio = resolução que depende só da vontade. Definição do Aurélio). Então, para que suas criaturas tenham este tipo de liberdade (que os arminianos consideram a única liberdade genuína), o arminianismo clássico parte do pressuposto de que Deus precisa limitar Seu poder. Sendo Ele onipotente, Ele é o único que pode fazê-lo, e assim o faz para garantir a liberdade de suas criaturas.
Sendo assim, não existe a distinção do chamado geral da chamada eficaz. Deus chama a todos da mesma forma e cada qual pode responder positivamente ou não, cabendo ao indivíduo definir seu destino. Se o homem responder positivamente, ou seja, se ele se converter, ele será salvo. A conversão consiste de arrependimento e fé. A partir desta resposta positiva, Deus pode operar a regeneração no homem. Por isso, Armínio dizia que a vontade humana é uma das causas da regeneração (ver principais doutrinas nº 15). Veja também que essa é uma das causas de porque ele cria na expiação universal, pois todos os homens podem responder positivamente ao chamado e também porque não cria que a graça de Deus é irresistível.
Após operada a regeneração, o crente ainda assim não pode ter certeza de sua salvação, porque depende dele perseverar ou não. Se ele perseverar, terá certeza de que é salvo e que é um dos escolhidos de Deus (enquanto o homem crê ele é eleito. Se se desviar e cair, já não é mais eleito. Mas se porventura se arrepender novamente, será novamente eleito).O homem só sabe realmente que é um dos eleitos e dos salvos, depois que morre, porque aí já não pode mais cair.
Caso o crente regenerado caia, se não se arrepender e voltar novamente, será condenado eternamente (veja que esta idéia é contrária até a um dos principais textos usados por Armínio para defender tal posição ! He 6:4-8).
Podemos então tirar algumas conclusões a respeito do ensino de Armínio:
- Deus preordena porque prevê e não o contrário. A base da predestinação é o homem. Deus é visto como soberano porque criou e mantém o universo, sustentando-o com a palavra de Seu poder. A soberania específica, ou especial, está somente sobre a igreja. As outras criaturas são livres desta soberania, porque são livres e quanto mais liberdade Ele concede a elas, menos soberano será sobre elas.
- Por causa desta primeira conclusão, observa-se também que a onipotência é entendida pelo arminianismo, não no sentido literal de "todo-poderoso", mas no sentido que Deus limita-se e é todo-poderoso como criador, mas não como executor, a não ser que suas criaturas o permitam. A idéia correta de que Deus não pode fazer nada absurdo ou contraditório a Sua natureza permanece, mas Ele é limitado pelo livre-arbítrio de suas criaturas livres.
- Há ainda outro tipo de conclusão, como a que chega Clark Pinnock, que diz que da mesma maneira como Deus limita Seu poder, Ele limita também Seu conhecimento, pois Ele só pode conhecer o que pode ser conhecido, não podendo conhecer ações livres. Assim, Deus tem apenas uma expectativa do que irá acontecer ou do que pretende fazer, mas não possui certeza até que isto não se concretize, pois se Deus conhece todas as coisas, até as ações livres, suas criaturas poderiam fazer apenas aquilo que Deus pré-conhece, sem poder tomar uma decisão diferente, o que segundo estes pensadores contraria a própria idéia de livre-arbítrio. Na verdade, eles não podem ser considerados como arminianos, pois o arminianismo repousa sobre a pré-ciência, que faz parte da onisciência definida classicamente como "todo conhecimento".
- A eleição arminiana, como o próprio Wesley define, não é absoluta e sim condicional. Como Deus vê toda a eternidade de uma só vez, Ele chama as coisas que não são, como se fossem. Logo, embora os crentes verdadeiros ainda não fossem realmente eleitos (pois só o são assim quando chegam ao céu), Deus os chama de eleitos antes da fundação do mundo. Só foram feitos eleitos quando foram feitos filhos de Deus pela fé.
- Veja-se também que a doutrina do livre-arbítrio concorda com o que Armínio cria a respeito da queda, pois segundo ele herdamos de Adão apenas a pecaminosidade e a culpa de Adão não nos é imputada. Assim, somos pecadores porque pecamos. Por isto explica-se também o ponto 16 e o 17 das doutrinas de Armínio. (ver principais doutrinas ! pontos 16 e 17).
- Expiação, a morte de Cristo, abre as portas da salvação, mas não assegura a salvação final de ninguém, pois esta só será definitiva se crermos e perseverarmos até nossa morte.
2) CALVINISMO
Da mesma forma que os cinco pontos do arminianismo diferem e se afastam dos cinco pontos do calvinismo, a visão que ambos os sistemas têm a respeito da salvação também. Note que a diferença entre os dois não é apenas de ênfase, mas principalmente de conteúdo. A visão calvinista apóia-se na soberania e onipotência de Deus, e na depravação total do homem. Aqui é necessário o entendimento de livre agente. O homem é um agente livre porque esta é uma característica com que Deus lhe criou, pois ele pode tomar suas próprias decisões e tem suas inclinações e pensamentos. Mas note que esta característica é substancialmente diferente do livre-arbítrio, pois requer que o homem aja de acordo com sua própria natureza Suas escolhas são produtos de sua livre ação, mas eles agem de acordo com sua própria natureza.
Então, agora é necessária a distinção entre a graça comum e a graça especial. Veja que a graça de Deus é uma só, mas manifesta-se de duas maneiras diferentes. A graça comum é aquela que é derramada sobre todos nós, eleitos ou não. É ela que freia a ação do pecado e adia o dia do julgamento, enquanto Deus salva seus eleitos. A expiação relaciona-se com ela, pois a morte de Cristo alcançou benefícios naturais para todos os homens, trazendo bênçãos tanto espirituais como materiais, e os não-eleitos participam da última também. A diferença entre uma e outra se evidencia em dois pontos, a saber: a graça comum não remove a culpa do pecado, e ela não suspende a sentença de condenação, mas unicamente a adia. Neste sentido, a graça comum pode ser resistida.
A graça especial remove a culpa e o pecado interior do homem, mudando seu coração e sua natureza e esta não pode ser resistida. Não pode ser resistida, não porque é imposta, mas porque a natureza humana é mudada. Retira-se o coração de pedra e coloca-se o coração de carne.
Entendendo estes conceitos, entramos no processo da salvação propriamente dito. A partir da chamada geral (chamada externa), a pregação do evangelho aos homens, Deus, através do Espírito Santo, atua no coração dos seus eleitos, segundo a Sua vontade e no seu tempo, operando a regeneração, ou seja, a nova vida, mudando as disposições humanas que antes eram contrárias a Deus. Agora, o que era indesejável, passa a ser altamente desejável. Na regeneração, o homem é totalmente passivo, pois é a obra do Espírito Santo no coração humano.
Tendo recebido os ouvidos espirituais, o chamamento de Deus pelo evangelho é ouvido agora pelo pecador e é levado efetivamente ao coração, capacitando-o para compreendê-lo. O desejo de resistir foi transformado num desejo de obedecer, e o pecador se rende à influencia persuasiva da Palavra pela operação do Espírito Santo. Esta é a vocação eficaz.
A vocação eficaz, ela é ao mesmo tempo passiva e ativa no homem. Ela é ativa no sentido de o homem responder a ela com arrependimento e fé, ambos frutos da regeneração. Embora sejam dons de Deus ao homem, Deus não pode exercer fé e arrependimento. Mas o homem também não o pode se Deus não operar nele. Esse é o aspecto passivo.
Então, o homem é justificado e segue-se o processo de santificação, que também envolve um aspecto passivo e outro ativo. Depois a glorificação. O grande resumo destas doutrinas esta expresso em Rm 8:28-30. Veja que é dada como certa a perseverança até o final. Embora possamos cair em pecado, Deus vai de tal modo agir em nosso coração que voltaremos para Ele. Aqui, é importante lembrar que isto não é desculpa para cairmos e pensar assim só mostra que nunca nascemos de novo. O verdadeiro crente tem o desejo de estar sempre ao lado do Senhor e confirmar sua vocação e eleição (II Pe 1:10).
Podemos também aqui chegar a algumas conclusões:
- A eleição de Deus é antes da fundação do mundo e não envolve nada que há no pecador. Deus elegeu incondicionalmente, por causa de Seu amor. Se não fosse assim, nenhum de nós teria sido eleito, pois somos todos pecadores e não há nada que nos faça melhor do que os outros homens. Por isto, este tipo de eleição não pode ser considerado acepção de pessoas, pois ela não é baseada em algum mérito que tivéssemos perante Deus (boas-obras, fé, etc.).
- A eleição não é a salvação (como afirmam os hiper-calvinistas), mas é para a salvação. Entre as duas está todo o processo descrito anteriormente.
- Deus não nos obriga a nada. Sua graça é irresistível porque Sua obra é completa. Ele age em nosso coração mudando a nossa natureza. Ele nos atrai com sua benignidade e seu amor e conquista nosso coração (Jr 31:3), de maneira tal que vamos livremente para Ele, respondendo com fé e arrependimento.
- Não podemos cair no erro dos hiper-calvinisas que dizem que não há necessidade de pregação da Palavra e enfatizam tanto a soberania de Deus que se esquecem da responsabilidade humana. A Palavra deve ser pregada por dois motivos: foi uma ordem dada por Jesus e é o meio que Deus usa para atingir seus eleitos. Porque Deus assim o quis não sabemos e não nos cabe questioná-lo. Sabemos tão somente que Ele assim o quis e portanto, assim devemos fazer. A segunda observação poderíamos resumir em uma frase: "A soberania de Deus e a soberania do homem certamente são incompatíveis. Mas, a soberania de Deus e a responsabilidade humana, não". O homem é responsável e a Bíblia afirma isto, sendo incontestável este fato. Porque não compreendemos ambos os fatos não quer dizer que estes não sejam verdadeiros. Precisamos buscar o equilíbrio em Deus e em Sua Palavra. Mas devemos nos lembrar que ser responsável não significa necessariamente ter livre-arbítrio. Deus não nos obriga a nada, mas controla tudo. Embora não seja possível explicá-las totalmente, isto não significa que elas não sejam verdadeiras.A nossa motivação para a pregação não deve ser porque Jesus mandou e sim por amor ao Mestre, pois o Seu amor nos constrange. Se este amor não for suficiente para o nosso constrangimento nada o será. E lembremos que estamos levando a mensagem mais poderosa do Deus todo-poderoso, pois "é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê." (Rm 1:16).
- Nota-se claramente a diferença do conceito sobre a onipotência, entre o calvinismo e o arminianismo. No calvinismo, o termo é entendido ao pé-da-letra. Deus pode fazer tudo aquilo que, em Sua perfeita sabedoria e vontade, Ele deseja fazer. Isso não quer dizer que Ele pode fazer literalmente tudo. Deus não pode cessar de ser Deus. Porém tudo que quer e promete, Ele fará.
- No calvinismo, vemos o quanto o homem é realmente pecador. A queda não é apenas uma doença, um mal espiritual, mas sim um desastre e significa a morte. A eleição é realmente eleição por parte de Deus e não apenas Sua ratificação sobre algo que Ele previu no homem. A expiação é realmente expiação, pois Cristo veio para garantir salvação para o Seu povo, veio garantir esta benção para Seu povo e não apenas tornar possível a salvação, redimindo de fato o povo eleito. A salvação é realmente pela graça, pois independe de qualquer esforço de nossa parte. E a vida eterna é realmente eterna, pois nunca poderá ser perdida.
Que Deus abençoe a cada irmão e que Ele se agrade de aplicar a Sua verdade a cada um de nós. Amém.
Autor: Carlos Henrique
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