O Novo Testamento chama os cristãos de pessoas espirituais, contrapondo-os às pessoas meramente naturais. "Ora, o homem natural não aceita as coisas do Espírito de Deus, porque lhe são loucura; e não pode entendê-las porque elas se discernem espiritualmente. Porém o homem espiritual julga todas as coisas, mas ele mesmo não é julgado por ninguém" (I Cor. 2:14-15). Faz também contraposição entre pessoas espirituais e carnais: "Eu, porém, irmãos, não vos pude falar como a espirituais; e, sim, como a carnais, como a crianças em Cristo", isto é, aqueles que eram em grande parte não santificados. (I Cor. 3:1). Os vocábulos "natural" e "carnal" nesses versículos significam não santificados, sem o Espírito; "espiritual", então, significa santificado pelo Espírito Santo.
Assim como as Escrituras chamam os cristãos de espirituais, encontramo-las também descrevendo certas qualidades e princípios do mesmo modo. Lemos sobre um "pendor espiritual" (Rom. 8:6-7), "compreensão espiritual" (Col 1:9), e "bênçãos espirituais" (Ef. 1:3).
O termo "espiritual" em todos esses versículos não se refere ao espírito do homem. Uma qualidade não é espiritual somente por existir no espírito do homem, e não no seu corpo. As Escrituras chamam a algumas qualidades "carnais" ou da carne, mesmo que existam no espírito do homem. Por exemplo, Paulo descreve o orgulho, auto-confiança e confiança na própria sabedoria como carnais (Col. 2:18), embora essas qualidades existam no espírito do homem.
O Novo Testamento usa o termo "espiritual" para se referir ao Espírito Santo, a terceira Pessoa da Trindade. Cristãos são espirituais por terem nascido do Espírito de Deus e porque o Espírito vive neles. Coisas são espirituais por sua relação com o Espírito Santo - "Disto também falamos, não em palavras ensinadas pela sabedoria humana, mas ensinadas pelo Espírito, conferindo coisas espirituais como espirituais. Ora o homem natural não aceita as coisas do Espírito de Deus." (I Cor. 2:13-14).
Deus dá Seu Espírito aos verdadeiros cristãos para viver neles e influenciar seus corações como uma fonte de vida e ação. Paulo diz que os cristãos vivem porque Cristo vive neles (Gal. 2:20). Cristo, por Seu Espírito, não só está neles, mas vive neles; vivem por Sua vida. Os cristãos não só bebem da água da vida, porém essa água da vida se torna uma fonte em suas almas, jorram em vida espiritual eterna. (Jo. 4:14). A seiva da verdadeira vinha não flui dentro deles como num cálice, mas em galhos vivos, onde a seiva se torna uma fonte de vida (Jo. 15:5). Assim, as Escrituras chamam os cristãos de "espirituais" porque Deus une Seu Espírito a eles desse modo.
O Espírito de Deus pode influenciar os homens naturais, e efetivamente o faz; veja Num. 24:2; I Sam. 10:10; Heb. 6:4-6. Nesses casos, entretanto, Deus não dá do Seu Espírito como uma fonte de vida espiritual. Não há união entre o Espírito de Deus e o homem natural. Posso ilustrar isso da seguinte forma: a luz pode brilhar num objeto muito escuro e negro, todavia se não fizer com que o próprio objeto dê luz, ninguém vai chamá-lo de objeto brilhante. Assim, quando o Espírito de Deus opera somente sobre a alma, sem se transformar em vida nela, aquela alma não tem se tornado espiritual.
A principal razão para que as Escrituras chamem os cristãos e suas virtudes de "espirituais" é a seguinte: o Espírito Santo produz nos cristãos resultados que se harmonizam com a verdadeira natureza do próprio Espírito.
Santidade é a natureza do Espírito de Deus, portanto, as Escrituras chamam-nO de Espírito Santo. Santidade é a beleza e doçura da natureza divina e a essência do Espírito Santo, assim como o calor é a natureza do fogo. Este Espírito Santo vive nos corações dos cristãos como uma fonte de vida, agindo neles e dando de Si mesmo a eles em Sua doce e divina natureza de santidade. Ele leva a alma a partilhar da beleza espiritual de Deus e da alegria de Cristo, de modo que os crentes associem-se com o Pai e com o Filho, pela participação no Espírito Santo. Assim, a vida espiritual nos corações dos crentes é igual em natureza à própria santidade de Deus, embora em grau infinitamente menor. E como o sol brilhando num diamante. O brilho do diamante é igual em natureza ao brilho do sol, mas em grau menor. E isso que Cristo quer dizer, em Jo. 3:6: "o que é nascido do Espírito, é espírito." A nova natureza criada pelo Espírito Santo é da mesma natureza do Espírito que a criou; assim, as Escrituras chamam-na de natureza espiritual.
O Espírito opera dessa forma somente nos verdadeiros cristãos. Judas descreve os homens de mente mundana como os "que não têm o Espírito" (Jud. 19). Paulo diz que somente os verdadeiros cristãos têm o Espírito Santo neles; e "se alguém não tem o Espírito de Cristo, esse tal não é dEle" (Rom. 8:9). Ter o Espírito Santo é sinal certo de estar em Cristo, de acordo com João: "Nisto conhecemos que estamos nele, e ele em nós, pois que nos deu do seu Espírito" (I Jo. 4:13). Em contraste, um homem natural não tem experiência de coisas espirituais; falar delas é tolice para ele, pois não sabe o que significa. "Ora, o homem natural não aceita as coisas do Espírito de Deus, porque lhe são loucura; e não pode entendê-las porque elas se discernem espiritualmente" (I Cor. 2:14). Jesus mesmo ensinou que o mundo incrédulo não conhece o Espírito Santo: "o Espírito da verdade, que o mundo não pode receber, porque não o vê, nem o conhece" (Jo. 14:17).
E claro, portanto, que os efeitos produzidos pelo Espírito Santo nos verdadeiros cristãos são diferentes de qualquer coisa que o homem possa produzir pelo poderes humanos naturais. É isso que eu quiz dizer ao afirmar que as emoções espirituais verdadeiras surgem de influências sobrenaturais.
Disso se segue que os cristãos têm uma nova percepção ou concepção interna em suas mentes, totalmente diferente em natureza de qualquer outra coisa que tenham experimentado antes de serem convertidos. É, por assim dizer, um novo sentido espiritual para coisas espirituais. Esse sentido é diferente de qualquer sentido natural, assim como o sentido do paladar é diferente dos sentidos de visão, audição, olfato, e tato. Por esse novo sentido espiritual, o cristão compreende as coisas de modo diferente da percepção possível ao homem natural; é como a diferença entre simplesmente olhar para o mel e de fato experimentar sua doçura. É por isso que as Escrituras muitas vezes comparam a obra da regeneração pelo Espírito à aquisição de um novo sentido - visão para o cego, audição paia o surdo. Sendo esse sentido espiritual mais nobre e excelente do que qualquer outro, as Escrituras comparam sua concessão ao ressuscitar dos mortos e a uma nova criação.
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