Que relação, então, essa chegada da alegria tem com a fé salvadora? A resposta mais comum é que a alegria é fruto da fé. E, em certo sentido, é mesmo. "O Deus da esperança vos encha de todo o gozo e paz no vosso crer" (Rm 15.13). É "crendo" que somos cheios de alegria. A confiança nas promessas de Deus supera a ansiedade e nos enche de paz e alegria. Paulo até a chama de "gozo da fé" (Fp 1.25).
Mas há uma maneira diferente de ver a relação entre alegria e fé. Em Hebreus 11.6 afirma-se: "Sem fé é impossível agradar a Deus, porquanto é necessário que aquele que se aproxima de Deus creia que ele existe e que se torna galardoador dos que o buscam". Em outras palavras, a fé que agrada a Deus é a confiança de que Deus nos recompensa quando nos achegamos a ele. Com certeza isso não quer dizer que devemos ser motivados por coisas materiais. É claro que ansiamos pela recompensa, que é a glória do próprio Deus e a companhia perfeita de Cristo (Hb 2.10; 3.6; 10.34; 11.26; 12.22-24; 13.5).
Vendemos tudo para possuir o tesouro do próprio Cristo. Assim, a fé que agrada a Deus é a certeza de que, se nos voltamos para ele, encontramos o tesouro que a tudo satisfaz. Achamos o prazer eterno do nosso coração. Todavia, você está vendo o que isso implica? Implica que aconteceu algo em nosso coração antes do ato de fé. Implica que sob e por trás do ato de fé que agrada a Deus foi criado um novo gosto. Um gosto pela glória de Deus e pela beleza de Cristo. Eis que nasceu a alegria!
Antes não tínhamos prazer em Deus, e Cristo era apenas uma vaga personagem histórica. O que apreciávamos era comida, amizades, produtividade, investimentos, férias, lazer, jogos, leituras, compras, sexo, esportes, arte, televisão, viagens, mas não Deus. Ele era uma idéia — até que boa— e um tema para discussão; mas não era um tesouro de prazer, Então aconteceu algo milagroso. Foi como abrir os olhos de um cego diante de um alvorecer dourado. Primeiro o silêncio atônito diante da beleza indizível da santidade. Depois o choque e o terror diante do falo de que realmente antes gostávamos das trevas. Em seguida a quietude tranqüila da alegria de que esse é o alvo da alma. A luta acabou. Daríamos tudo pela garantia de viver para sempre na presença dessa glória.
Em seguida, fé — a confiança de que Cristo abriu um caminho para que eu, pecador, viva para sempre em sua comunhão gloriosa, a confiança de que, se eu me achegar a Deus por meio de Cristo, ele atenderá o desejo do meu coração de participar da sua santidade e contemplar a sua glória. Contudo, antes da confiança vem o anseio. Antes da decisão vem o prazer. Antes da entrega vem a descoberta do tesouro.
Vamos a Cristo quando amamos a luz
Não é esse o ensino de João 3.18-20? Quem nele crê não é julgado; o que não crê já está julgado, porquanto não crê no nome do unigênito Filho de Deus. O julgamento é este: que a luz veio ao mundo, e os homens amaram mais as trevas do que a luz; porque as suas obras eram más.
Pois todo aquele que pratica o mal aborrece a luz e não se chega para a luz, a fim de não serem argüidas as suas obras. A razão por que as pessoas não vão para a luz é que não a amam. O amor pela luz não é causado pela ida à luz. Nós vamos porque a amamos. Senão, nosso ir não honra a luz. Pode haver alguma motivação santa para crer em Cristo onde não há gosto pela beleza de Cristo? Na verdade, podemos ser motivados pelo desejo de escapar do inferno, ou de ter riquezas materiais, ou de reencontrar um ente querido que partiu. Como, porém, isso honra a luz, se a única razão de irmos para ela é encontrar as coisas que amávamos nas trevas? Será que isso é fé que salva?
Cristo morreu para nos dar o que nosso coração deseja: Deus
A fé que salva é o clamor de uma nova criatura em Cristo. E o que é novo na nova criatura é que ela tem um gosto novo. O que antes tinha gosto ruim ou insosso agora é desejado. O próprio Cristo tornou-se uma arca do tesouro de alegria santa. A árvore da fé cresce apenas no coração que anseia pelo dom supremo, que levou Cristo a morrer para poder concedê-lo a nós: não saúde, nem riqueza, nem prestígio, mas Deus!
"Cristo morreu, uma única vez, pelos pecados, [...] para conduzir-vos a Deus" (lPe 3.18). "Por ele, ambos temos acesso ao Pai em um Espírito" (Ef 2:18). "Por intermédio dele obtivemos acesso, pela fé, a esta graça; [...] e gloriamo-nos na esperança da glória de Deus. [...] Nos gloriamos em Deus por nosso Senhor Jesus Cristo" (Rm 5.2, 11).
Uma nova paixão pelo prazer da presença de Deus
O despertar de uma sede irresistível por Cristo
é a criação de um cristão que busca o prazer.
A busca da alegria em Deus
não é apenas inocente, ela é essencial.
O nascimento dessa busca é o nascimento da vida cristã.
A busca da alegria em Deus não é opcional. Não é "algo mais" em que a pessoa pode crescer depois de chegar à fé. Enquanto seu coração não tiver atingido essa busca, sua "fé" não pode agradar a Deus. Não é fé que salva. Fé salvadora é a confiança de que, se você vender tudo o que tem e esquecer todos os prazeres pecaminosos, o tesouro oculto da alegria santa satisfará seus desejos mais profundos. A fé salvadora é a convicção sentida pelo coração de que Cristo não é somente confiável, mas também desejável. É a confiança de que ele cumprirá suas promessas e de que aquilo que ele promete vale mais a pena ser desejado do que todo o mundo. Podemos falar da "alegria da fé" em três níveis. Primeiro, há o novo gosto espiritual criado pelo Espírito de Deus para a glória de Deus. Esse novo gosto é a semente e raiz da alegria. Assim, ele é, digamos, a "alegria da fé" em forma embrionária. Segundo, há o broto, o caule da própria fé indo em direção de tudo o que Deus é para nós em Cristo. O cerne desse caule é a alegria em Deus. Não é possível que a fé vital, genuína, na Fonte da Alegria não participe dessa alegria. Seguir sem alegria o Deus da esperança, pelo que ele realmente é, revela-se impossível. Terceiro, há o fruto da felicidade diária de que Paulo fala em Romanos 15.13: "O Deus da esperança vos encha de todo o gozo e paz no vosso crer". Aqui alegria e paz fluem da fé para toda a vida.
Na conversão encontramos o tesouro oculto do reino de Deus. Arriscamos tudo nele. E, ano após ano, nas lutas da vida, comprovamos repetidamente o valor do tesouro e descobrimos novas profundidades de riquezas que não conhecíamos. Assim a alegria da fé cresce. Quando Cristo nos chama para um novo ato de obediência que nos custe algum prazer temporal, lembramo-nos do valor insuperável que é segui-lo e, pela fé no seu valor provado, esquecemos o prazer mundano. Qual é o resultado? Mais alegria! Mais fé! Mais profunda que antes. E assim avançamos de alegria em alegria, de fé em fé. Por trás do arrependimento que dá as costas ao pecado e por trás da fé que se entrega a Cristo esta o nascimento de um novo gosto, de um novo anseio, de uma nova paixão pelo prazer da presença de Deus. Essa é a raiz da conversão. Essa é a criação de um cristão que busca o prazer.
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