Eros é como um imã que nos arranca do isolamento, nos congregando ao redor da fonte do Amor e da vida: Cristo.
Eros é a energia atrativa, que faz convergir em torno de Cristo todas as coisas, para que, uma vez reunidas n’Ele, possam então cumprir o propósito de suas existências. Céu e terra, divino e humano, coisas espirituais e materiais, invisíveis e visíveis, eternidade e tempo, encontraram sua síntese em Cristo. A realidade n’Ele se integrou. Não há duas realidades, como bem frisou Dietrich Bonhoeffer, o extraordinário teólogo alemão.[1] Há uma realidade que contém dois lados, o visível e o invisível. O pecado gerou uma crise entre esses dois lados da realidade única, estabelecendo um abismo entre Deus e o homem. Mas o que faria um Deus apaixonado? Desistiria da criatura amada? Absolutamente. Em vez disso, Deus tomou a iniciativa, e transpondo esse abismo, fez-Se homem. Cristo é a união de duas naturezas antagônicas pelo pecado. N’Ele, o humano e o divino Se unem novamente. E não apenas se unem, mas se fundem. Ele não é parte Deus, parte homem. Ele é 100% Deus, e 100% Homem. Por meio d’Ele, o invisível se faz visível, o divino se faz humano, a eternidade adentra o tempo, o espírito se materializa. É o Eros divino que produz essa síntese, fruto da convergência entre as duas faces da mesma realidade. N’Ele céu e terra se reconciliam.[2]
“Quando eu for levantado na terra, atrairei todos a mim”, declarou Jesus.[3]
Era necessário que como homem, Ele experimentasse a morte inerente a todo ser humano, e assim, atraísse a Si todas as coisas.
Cerca de setecentos anos antes de Cristo, Isaias profetizou acerca do que Ele teria que passar para que o propósito de Deus, de fazer convergir n’Ele todas as coisas se concretizasse: “Todavia, ao Senhor agradou moê-lo, fazendo-o enfermar; quando a sua alma se puser por expiação do pecado, verá a sua posteridade, prolongará os seus dias, e o bom prazer do Senhor prosperará na sua mão. Ele verá o trabalho da sua alma, e ficará satisfeito”.[4]
Eis o poder do Eros divino em ação. Embora a Cruz tenha sido uma morte horrível, tinha como propósito “o bom prazer do Senhor”. E que propósito é esse? “Fazer convergir em Cristo todas as coisas”.[5]
O que é a Igreja, afinal? O termo grego ekklesia significa “aqueles que foram atraídos para fora”. É isso que somos, enquanto povo de Deus na face da Terra. Aliás, mesmo os que deixaram a Terra, continuam a fazer parte desta ekklesia.[6] Juntos formamos uma única assembléia.
Isaías diz que “todos nós andávamos desgarrados como ovelhas, cada um se desviava pelo seu caminho”.[7] E Pedro diz: “Antes não éreis povo, mas agora sois povo de Deus”.[8] E Paulo vai ainda mais longe, ao dizer que estávamos sem Cristo,“não tendo esperança, e sem Deus no mundo. Mas agora em Cristo Jesus, vós, que antes estáveis longe, já pelo sangue de Cristo chegastes perto”.[9]
Convergir e converter são a mesma coisa. Antes que Cristo nos fosse apresentado, levantado naquela Cruz, posicionado verticalmente entre o céu e a terra, estávamos à deriva, como que entregues à própria sorte. Cada qual se desviava pelo seu próprio caminho. Mas aquele gesto supremo de amor seduziu nossa alma. De repente, demos meia-volta, giramos 180o, e fomos atraídos para Ele. A surpresa se dá quando percebemos que não somos os únicos seduzidos por Seu Amor. Gente de todas as direções, de todos os povos, línguas e culturas, está andando na mesma direção.
Por isso, quem se converte, converge, e quem converge, congrega. Todos são atraídos ao mesmo ponto: Cristo, nosso Alfa e nosso Ômega, nossa origem e destino comuns.
Qual deve ter sido a surpresa de João, o vidente de Patmos, ao perceber que não era o único a jubilar pelo Cordeiro que vencera a morte para abrir o livro lacrado, escrito por dentro e por fora, desencadeando assim a execução do propósito de Deus para toda a criação? Ele relata:
“Então olhei, e ouvi a voz de muitos anjos ao redor do trono, e dos seres viventes, e dos anciãos; e o número deles era milhões de milhões e milhares de milhares (...) Então ouvi a toda criatura que está no céu, e na terra, e debaixo da terra, e no mar, e a todas as coisas que neles há, dizerem: Ao que está assentado sobre o trono, e ao Cordeiro, seja o louvor, e a honra, e a glória, e o poder para todo o sempre”.[10]
Nós, e todos aqueles que foram igualmente atraídos a Ele, formamos a ekklesia de Deus no céu e na terra. Essa guinada de 180o graus é o que chamamos de conversão.
Essa conversão só é possível, por causa do poder atrativo que há n’Aquele que está assentado no Trono. Em Apocalipse, a ekklesia é apresentada como vinte e quatro anciãos, que vivem em torno do Trono. O Trono fica no meio de um círculo. Os vinte e quatro anciãos formam dois grupos de doze, que por sua vez formam uma meia-lua cada. Uma parte está à frente do Trono, a outra meia-lua está atrás do Trono. O grupo que está à frente representa os que estão do lado de cá da eternidade, representando também o povo de Deus da Nova Aliança; o grupo que forma a meia-lua por trás do Trono, representa os que estão do lado de lá da eternidade, representando também o povo da Antiga Aliança. Trata-se, portanto, da Igreja de Cristo de todas as eras, formada por aqueles que foram atraídos pelo poder do Eros divino.
Uma vez atraído a Ele, torna-se impossível escapar do Seu amor. Por isso, Paulo declara veementemente que “nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as potestades, nem o presente, nem o porvir, nem a altura, nem a profundidade, nem alguma outra criatura nos poderá separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus nosso Senhor”.[11]
[1] R.MARLÉ, Dietrich Bonhoeffer, Témoin de Jésus-Christ parmi ses Frères.Tournai, 1967, p.210: “Não existem duas realidades, mas uma só realidade de Deus, a qual em Cristo manifestou-se à realidade deste mundo. A realidade de Cristo abrange também a realidade do mundo. O mundo por si só, independentemente da Revelação de Deus em Cristo, não tem realidade nenhuma [...] Não há, portanto, duas esferas, mas um só, a da realização de Cristo, em que se encontram unidas a realidade de Deus e a do mundo”.
[2] Colossenses 1:20
[3] João 12:32
[4] Isaías 53:10-11a
[5] Efésios 1:10
[6] Hebreus 12:22-24
[7] Isaías 53:6a
[8] 1 Pedro 2:10a
[9] Efésios 2:12-13
[10] Apocalipse 5:11.13
[11] Romanos 8:38-39
-Hermes C. Fernandes
Nenhum comentário:
Postar um comentário