Tradução: Mateus Mota
“Arrepia-me a carne com temor de ti, e temo os teus juízos” (Salmo
119:120).
“Assim, pois, amados meus, como sempre obedecestes, não só na minha
presença, porém, muito mais agora, na minha ausência, desenvolvei a
vossa salvação com temor e tremor” (Filipenses 2:12).
“No amor não existe medo; antes, o verdadeiro amor lança fora o
medo. Ora, o medo produz tormento; logo, aquele que teme não é
aperfeiçoado no amor” (1 João 4:18).
A questão que nos foi submetida, em relação a esses textos, é essa:
como podemos harmonizar esses versículos em relação à palavra “temor”?
1
A questão surge pelo fato de que as Escrituras, nessas passagens (e
muitas outras poderiam ser incluídas), parecem falar sobre o temor de uma
maneira contraditória. Paulo diz aos filipenses que eles deveriam desenvolver
a sua salvação com temor e tremor, mas João insiste que no amor não há
medo, que, na verdade, o perfeito amor lança fora o medo, e que este produz
tormento. De um lado, o cristão é exortado a ter temor; de outro, é alertado
contra o medo.
Tanto o hebraico como o grego usam uma palavra idêntica para
“temor”, embora ela possua dois sentidos distintos nas Escrituras. (Devo
fazer um parêntese e mencionar que o hebraico tem muitas palavras diferentes
para “temor”, mas a mais freqüentemente usada possui os mesmos dois
significados do grego).
Um dos sentidos é ter “medo” ou “terror”. Esse sentido é o mais
comum entre nós. Se eu temo algo, estou com terror.
O outro sentido pode ser mais bem traduzido por palavras como
“reverência, respeito, espanto”.
2
Particularmente, prefiro a palavra “espanto” e
penso que esse significado se aproxima bastante da idéia bíblica.
1
Nota do tradutor: No inglês, em todos os versículos aparece a palavra “fear”, que pode ser traduzida
como “temor, medo, terror, etc.”.
2
Nota do tradutor: O autor usa a palavra “awe”, que poderíamos traduzir como “admiração, veneração,
assombro, espanto, perplexidade”. “Awe” é um sentimento de espanto e admiração, freqüentemente
misturado com medo.
2
No Salmo 119:120 as Escrituras se mostram claras em relação ao fato
de que a palavra significa “terror” ou “medo”. Que isso é verdadeiro fica
evidente, em primeiro lugar, pelo fato de que o salmista canta sobre sua
“carne” arrepiando-se por causa do temor. Nossa carne é nossa natureza do
ponto de vista do pecado e da fraqueza que a caracteriza. Que nossa carne
deve tremer por temor a Deus é compreensível porque Deus é um Deus santo
e justo, que odeia o pecado e o pune severamente nessa vida e na vida porvir.
Nossa carne teme diante de Deus!
Mas, em segundo lugar, é claro que a palavra usada no Salmo 119:120
significa medo porque o versículo é um exemplo de paralelismo hebraico em
que a primeira e segunda parte dele se explicam mutuamente. A segunda parte
diz, “temo os teus juízos”. Facilmente se nota como elas desenvolvem uma a
outra mais plenamente.
No Novo Testamento a mesma idéia é encontrada em 1 João 4:18.
Quando o apóstolo fala aqui de amor, ele se refere ao amor de Deus por nós,
não ao nosso amor por ele. Se conhecemos o amor de Deus por nós, nunca
precisamos ter medo dele. Nem podemos ter medo dele. Como podemos ter
medo de chegar à presença daquele que nos ama? O amor lança fora o medo.
Se, por outro lado, não conhecemos o amor de Deus, então temos medo dele,
porque somos, em nós mesmos, pecadores que certamente receberão o justo
castigo pelo pecado. O medo nos atormenta, pois o fogo do inferno fustiga os
nossos pés mesmo enquanto estamos aqui no mundo, somente para nos
consumir após a morte. Mas quando o amor de Deus, revelado na cruz de
Jesus Cristo, é derramado em nossos corações, então esse amor lança fora o
medo.
Mas Filipenses 2:12 fala de temor como uma virtude necessária no
desenvolvimento de nossa salvação, pois aqui refere-se à reverência ou
espanto. Ambas as palavras (reverência e espanto) se encaixam perfeitamente
nesse versículo. Nós desenvolvemos a salvação que nos foi dada
graciosamente por Deus. Fazemos isso com reverência, pois o fazemos diante
da presença de Deus, como um ato de adoração ao Altíssimo. E
desenvolvemos nossa salvação com espanto, pois estamos cheios de espanto
diante da grandeza do nosso Deus, que nos concedeu tão gloriosa salvação.
Porque a Escritura usa a mesma palavra com significados diversos, deve
haver uma relação entre os dois significados. Entendo que essa relação se
encontra nas idéias que mostrarei a seguir.
Porque sabemos que merecemos com justiça os mais terríveis
julgamentos e punições de Deus pelos nossos pecados, nos colocamos diante
dele com reverência e espanto. Maravilhamo-nos que ele, por mera graça e
sem qualquer mérito da nossa parte, nos fez objetos de seu amor e nos deu
Cristo, seu próprio Filho, a fim de nos tornar seu povo. À medida que Monergismo.com – “Ao Senhor pertence a salvação” (Jonas 2:9)
www.monergismo.com
3
ponderamos sobre as bênçãos que são nossas por causa de seu amor, tal
reverência e espanto aumentam.
Se nos envolvêssemos numa conspiração para matar uma rainha, o
simples fato de sermos pegos e considerados culpados nos encheria de terror
ao sermos arrastados diante de sua presença; mas se ela não só nos perdoasse,
mas nos tornasse herdeiros de seu trono, certamente nos encheríamos de
espanto por tamanha bondade imerecida, e seríamos incapazes de falar da
rainha com algo senão reverência. Deus fez infinitamente mais do que isso
por nós.
A segunda relação entre os dois significados do termo é essa: mesmo
tendo sido salvos de nossos pecados, e em espanto pela grandiosidade da
misericórdia de Deus para conosco, certa medida de medo permanece em
nossos corações. Mesmo os santos, quando confrontados com a santidade de
Deus, sentiram certo terror (cf. Isaías 6). Tal terror se manifesta
apropriadamente em reverência e espanto. O temor é, portanto, ter tanto
receio de ofender a Deus com nossos pecados, tendo ele feito tanto em nosso
favor, que somos cuidadosos em obedecê-lo em tudo o que fazemos. Eis
porque “o temor do SENHOR é o princípio da sabedoria”. Portanto, nós
“cumprimos os seus mandamentos”, e cantamos o seu “louvor” (Salmo
111:10).
Fonte: http://www.cprf.co.uk/
Nenhum comentário:
Postar um comentário