Nessas afirmações descobrimos que, como cristãos, morremos com Cristo, a vista de Deus, quando nós o aceitamos como Salvador; mas há muito mais aqui. Está evidente a exigência de que, na prática, devemos morrer diariamente:
(Rm-6.6ª): Sabendo isto: que foi crucificado com ele o nosso velho homem. (Gl 2.19b): Estou crucificado com Cristo.
A Bíblia nos dá uma negativa contundente — e que não pode ser afastada como sendo idéia abstrata, mas que corta e penetra na matéria dura da vida normal. Já vimos que a Palavra de Deus é definitiva ao dizer que em todas as coisas, inclusive naquelas que são difíceis, devemos estar contentes e dizer "Muito obrigado" a Deus. É uma verdadeira negativa, a negativa de se dizer "não" a qualquer domínio das coisas e do eu.
Vemos também que a Bíblia nos diz que devemos amar as pessoas, não só de forma romântica ou idealizada, mas o bastante para não invejá-las. Seria falso deixar de apontar que a palavra "amar" nem teria sentido, seria puramente romântica, puramente utópica no mau sentido, a não ser que ela também compreendesse um aspecto negativo forte. Se temos essa atitude correta, significa que estaremos dizendo "não" em certas áreas definidas para certas coisas, e estaremos dizendo "não" anos mesmos.
Precisamos repetir que isso não é algo que se aceite romanticamente, para suscitar algum tipo de emoção dentro de nós. É uma palavra negativa muito forte. Deveremos estar dispostos a dizer "não" a nós mesmos, estar dispostos a dizer "não" a certas coisas, a fim de que o mandamento de amar a Deus e aos homens possa ter o seu sentido verdadeiro. Até em coisas que me são lícitas, coisas que não quebram os Dez Mandamentos, eu não devo buscar meus próprios interesses, e sim o bem de outra pessoa. Ora, qualquer pessoa que esteja acompanhando meu raciocínio aqui deve estar dizendo a esta altura que parece uma posição difícil, essa que a Escritura nos apresenta. Do ponto de vista geralmente adotado pela humanidade, e enfocando honestamente essas coisas na Bíblia, com certeza nossa resposta será de duas, uma. Ou vamos romantizar, e manter que essas afirmações foram escritas para que nos sintamos bem, e que algum dia, no futuro reinado de Cristo, ou no céu eterno, elas vão ser significativas na prática, ou então, se não falarmos isso, e enfrentarmos as palavras na Bíblia em seu sentido real, com certeza vamos sentir que estamos diante de uma situação difícil Não é confortável ouvir esse tipo de versículo, essa investida negativa da Palavra de Deus sobre a vida cristã, a não ser que a romantizemos. Com certeza sempre foi assim, desde a queda do homem. Mas com certeza isso se aplica especialmente à mentalidade das coisas e à mentalidade do sucesso do século XX. Estamos cercados por um mundo que a nada diz "não". Quando essa mentalidade é a que nos rodeia, onde tudo é julgado pela sua grandeza e sucesso, deve ser difícil ouvir de repente que na vida cristã haverá esse forte aspecto negativo de dizer "não" às coisas e "não" ao eu. E se não sentirmos que seja difícil, não estamos realmente deixando que esse aspecto nos fale de perto.
Em nossa cultura, freqüentemente nos dizem que não devemos dizer "não" aos nossos filhos. Em nossa sociedade, muitas vezes se correlaciona a repressão com o mal. É uma sociedade que em nada se refreia, a não ser talvez para ganhar mais em outra área. Evita-se o conceito de um verdadeiro "não" tanto quanto possível. Nós que somos um pouco mais velhos talvez sintamos que podemos dizer que esta é a geração mais nova. Grande parte da geração mais nova certamente é assim: não sabe dizer "não" a si próprios ou a qualquer outra coisa. Mas isso só é verdade em parte, porque os mais velhos também são assim. A geração madura atual produziu esse ambiente, o ambiente dos objetos e do sucesso. Produzimos uma mentalidade de abundância em que tudo será julgado com base no fato de conduzir ao não à abundância. Tudo o mais deve ceder a isso. Os absolutos de qualquer espécie, os princípios éticos, tudo precisa ceder à prosperidade e à paz pessoal egoísta.
É claro que esse ambiente — de não se dizer "não"— combina em com a nossa disposição natural individual, visto que, desde a queda do homem, nosso desejo é não nos negar nada. Realmente fazemos todo o possível, quer no sentido filosófico ou no sentido prático, para nos colocar no centro do universo. É onde por natureza queremos viver. E essa disposição natural se ajusta bem ao ambiente que nos cerca no século XX.
Foi esse o ponto crucial da queda. Quando Satanás disse a Eva: E certo que não morrereis... e, como Deus, sereis conhecedores... ela quis ser igual a Deus (Gn 3.4-5). Ela não quis dizer "não" à fruta que era agradável aos olhos, mesmo após Deus já lhe ter dito que dissesse "não" e ter avisado das conseqüências — e disso decorreu tudo o mais. Ela se colocou no centro do universo; quis ser igual a Deus.
Ao iniciar a vida cristã, devo confrontar o fato com honestidade, percebendo que mesmo dentro do cristão há o ecoar da freqüência que vibra em volta, no que concerne às posses e ao sucesso. Conseqüentemente, é ilusão não reconhecer que sinto como se estivesse me debatendo contra um muro forte quando considero essa negativa; significa que estou enganando a mim mesmo, que não estou sendo honesto. Se me coloco no ponto de vista normal do homem decaído — e especialmente no ponto de vista normal do século XX— é realmente muito duro.
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