- Como agia aquele que tanto ansiava por "salvar alguns"? Pois bem, em primeiro lugar, simplesmente pregava o evangelho de Cristo. Não procurava produzir sensação mediante afirmações surpreendentes, nem pregava doutrinas errôneas com o fim de obter o assentimento da multidão. Temo que alguns evangelistas pregam coisas que bem sabem em sua mente que são falsas. Não divulgam certas doutrinas, não por serem falsas, mas porque destoam dos seus devaneios; e se põem a fazer afirmações vagas porque esperam alcançar mais numerosas mentes. Por mais zeloso que um homem seja pela salvação dos pecadores, não creio que tenha direito de fazer nenhuma afirmação que o seu bom senso não justifique. Creio que ouvi falar de coisas ditas e feitas em reuniões de avivamento que não estão de acordo com a sã doutrina, sempre justificadas, porém, "pela emoção do momento".
Sustento que não tenho direito algum de expor doutrinas falsas, mesmo que soubesse que com isso eu salvaria uma alma. Naturalmente esta hipótese é absurda, mas deve ajudá-los a entender o que quero dizer. Meu trabalho é apresentar aos homens, não a falsidade, mas sim a verdade. E não haverá desculpas para mim, a nenhum pretexto, se defraudo o povo com alguma mentira. Estejam certos de que omitir qualquer parte do evangelho não é direito, nem o verdadeiro método para salvar os homens. Exponham ao pecador todas as doutrinas bíblicas. Se hão de defender a doutrina calvinista, como espero, não fiquem balbuciando nem gaguejando. Falem dela abertamente. Podem estar certos de que muitos avivamentos têm sido fugazes, dando em nada, por não ter sido proclamado o evangelho completo. Dêem ao povo toda a verdade, toda a verdade batizada em fogo santo, e cada verdade produzirá o seu efeito benéfico na mente.
Mas a grande verdade é a cruz, a verdade de que "Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna." Irmão, atenha-se a isto. Esta é a sineta que você deve tocar. Toque-a, homem! Toque-a! E não pare de tocá-la. Faça soar essa nota em tua trombeta de prata. Ou mesmo que não passe de uma cometa de chifre de carneiro, faça-a soar, e cairão as muralhas de Jerico. Ai dos atavios dos nossos "refinados" teólogos modernos! Ouço-os bradar, reprovando o meu conselho antiquado. Dizem que falar de Cristo crucificado é arcaico, tradicional e obsoleto, e que de modo nenhum se ajusta ao refinamento desta era maravilhosa. É espantoso o grau de erudição que todos atingimos ultimamente. Estamos ficando tão sábios que receio que depressa vamos amadurecer como néscios, se é que já não chegamos a isso. Hoje em dia as pessoas exigem pensamento, é o que se diz. E os trabalhadores vão aonde a ciência é divinizada, e o "pensamento" profundo é tido como relíquia sagrada. Tenho notado que, como regra geral, onde quer que o novo "pensamento" desaloje o velho evangelho, há mais aranhas do que gente, mas onde se prega simplesmente o Senhor Jesus Cristo o lugar fica superlotado. À parte da pregação de Cristo crucificado, nada conseguirá casas cheias de gente, por muito tempo.
Com relação a este assunto, seja popular ou não, temos opinião formada, e sem vacilação nenhuma. Não temos dúvida a levantar a respeito do caminho que seguimos. Se é insensatez pregar a expiação pelo sangue, insensatos seremos. E se é loucura manter-nos fiéis à antiga verdade, como Paulo a transmitiu, em toda a sua simplicidade, sem nenhum refinamento ou melhoramento, pretendemos manter-nos fiéis a ela. E isto, mesmo que sejamos acusados de incapazes de acompanhar o progresso da época. Sim, pois estamos persuadidos de que esta "loucura da pregação" é uma determinação divina, e que a cruz de Cristo, pedra de tropeço para muitos, e ridicularizada por tantos outros, ainda é "poder de Deus e sabedoria de Deus". Sim, é justamente a esta ultrapassada verdade — se creres, serás salvo — que nos apegamos. E queira Deus abençoá-la segundo o Seu desígnio eterno! Não esperamos que esta pregação tenha popularidade, mas sabemos que Deus a justificará dentro em breve. Enquanto isso, não desfalecemos porque:
"Como infantil pieguice e sonhos de delírio,
da verdade que amamos o mundo escarnece.
Não discerne o perigo, e nega que ele existe;
do único remédio zomba, e então perece".
Além do que foi dito, Paulo empregava muita oração. O evangelho sozinho não será abençoado; precisamos orar por nossa pregação. Perguntaram a um grande pintor com que misturava as cores. Respondeu que as misturava com o cérebro. Para um pintor fica bem esta resposta, mas, se se perguntasse a um pre¬gador com que mistura os elementos da verdade, deveria ser capaz de responder: com oração, com muita oração.
Um homem modesto quebrava pedras à beira de uma estrada. Estava de joelhos aplicando os golpes. Passando por ali um ministro, disse-lhe: "Ah, meu amigo; aí está você em teu duro trabalho. Teu trabalho é parecido com o meu. Você tem de quebrar pedras; eu também". "Isso mesmo", disse o outro, "e se você tem que dar duro para romper corações de pedra, tem que fazer isso como eu: de joelhos." O homem estava certo. Ninguém pode manejar bem o martelo do evangelho sem passar muito tempo de joelhos, mas esse martelo logo quebra corações empedernidos quando um homem sabe como orar. Prevaleçam com Deus, e vocês prevalecerão com os homens. Ao irmos do gabinete pastoral para o púlpito, vamos com a unção do Espírito de Deus recém-dada a nós. Repartamos alegremente em público o que recebemos em secreto. Nunca nos aventuremos a falar por Deus aos homens até que tenhamos falado pelos homens a Deus. Sim, caros ouvintes, se querem que seja abençoado por Deus o seu ensino na escola dominical, ou qualquer outra forma de serviço cristão que prestem, misturem-no com fervorosa intercessão.
Observem outra coisa mais. Paulo sempre fazia o seu traba¬lho com intensa empada em relação àqueles com quem lidava, empada que o levava a adaptar-se a cada caso. Se falava com um judeu, não se precipitava a apresentar-se como o apóstolo dos gentios. Antes, dizia-se judeu, como judeu que era. Não levantava questões acerca de nacionalidades ou cerimônias. Seu desejo era falar ao judeu d Aquele de quem Isaías dissera: "Era desprezado, e o mais indigno entre os homens, homem de dores, e experimen¬tado nos trabalhos", para que cresse em Jesus e fosse salvo. Se encontrava um gentio, o apóstolo dos gentios não demonstrava nenhum melindre, do tipo que se poderia esperar nele devido à sua educação judaica. Comia como gentio, bebia como este, sen¬tava-se em sua companhia, conversava com ele. Era como se fosse um gentio com o gentio. Nunca levantava questões sobre a circuncisão ou a incircuncisão, mas desejava falar-lhe unicamente de Cristo, que veio ao mundo para salvar judeus e gentios e fazê-los um. Se Paulo se encontrava com um cita, falava-lhe na língua bárbara, e não no grego clássico. Se encontrava um grego, falava-lhe como o fez no Areópago, na linguagem própria do polido ateniense. Ele se fazia "tudo para todos, para por todos os meios chegar a salvar alguns".
Cristãos, sejam assim também. A sua única ocupação na vida é levar os homens a crerem em Jesus Cristo pelo poder do Espírito Santo. E tudo mais deve estar sujeito a esse objetivo único. Se tão-somente conseguirem salvá-los, todas as demais coi¬sas virão no seu devido tempo. Hudson Taylor, apreciado homem de Deus que tem trabalhado muito na China Central, acha que é útil vestir-se como chinês e usar rabicho. Sempre se mescla com o povo e, tanto quanto possível, vive como ele. Parece-me um modo de agir verdadeiramente sábio. Creio que ganharíamos a atenção e o respeito de uma congregação chinesa, ao fazer-nos, quanto possível, chineses como eles. E se for este o caso, somos obrigados a fazer-nos chineses para salvar chineses. Não deveríamos evitar tornar-nos zulus para salvar zulus, embora devamos ter em mente que o faríamos num sentido diverso daquele em que Colenso o fez (pois vocês sabem que esse bispo se identificou politicamente com certos chefes zulus). Se nos nivelarmos com aqueles cujo bem procuramos, teremos maior probabilidade de conseguir nosso propósito, do que se permanecêssemos alheios e estranhos, e então tentássemos falar de amor e união. Deixar-se, afundar para salvar outros — esta é a idéia do apóstolo. Se desejamos propagar o reino de Deus, a sabedoria nos moverá a lançar fora todas as peculiaridades, e a renunciar a mil e um pontos de somenos importância, a fim de levar homens a Jesus. Que jamais algum capricho ou convencionalismo nosso impeça alguém de considerar o evangelho. Horrível coisa seria! Muito melhor é cedermos em relação a coisas triviais, do que retardar a rendição do pecador a Cristo devido a contendas por insignificâncias.
Se Jesus Cristo estivesse aqui hoje, tenho certeza de que Ele não vestiria os vistosos trapos que alguns ministros tanto apreciam. Não posso imaginar nosso Senhor Jesus Cristo trajado dessa maneira. Ora, o apóstolo recomenda às mulheres cristãs que se vistam com modéstia; não creio que Cristo queira que os Seus ministros sejam exemplos de tolices. Não obstante, com relação à indumentária podemos fazer algo, baseados no princípio do texto de que estamos tratando. Quando Jesus esteve neste mundo, como se vestia? Vestia a roupa comum dos homens do campo, uma túnica tecida de alto a baixo, sem costura. Acredito que Seu desejo é que os Seus ministros usem o vestuário de uso comum entre os seus ouvintes, associando-se assim com eles até no vestir, e sendo um deles.
Sem dúvida Cristo quer que vocês, professores, se desejam salvar as crianças que estão a seus cuidados, falem com elas como crianças, e se façam como crianças, se possível. Vocês que pretendem alcançar o coração dos jovens, devem procurar ser jovens. Os que querem visitar os enfermos devem sentir-se como eles em sua enfermidade. Falem com eles como gostariam que falassem com vocês, se estivessem doentes. Abaixem-se até aqueles que não podem subir até onde vocês estão. Não podem tirar ninguém da água sem agachar-se para agarrá-lo. Se tiverem que lidar com homens de mau caráter, é preciso que se rebaixem a eles, não quanto ao seu pecado, mas em sua rudeza e em sua maneira de falar, para conseguirem apossar-se deles. Rogo a Deus que possamos aprender a sagrada arte de conquistar almas para Cristo mediante a adaptação.
A capela de Whitefield, em Moorfields, tinha o apelido popular de "Arapuca de Almas". Whitefield deliciava-se com isso, e dizia que esperava que ela sempre fosse uma arapuca de almas. Oxalá todos os nossos locais de culto fossem arapucas ou redes para pegar almas! Oxalá cada cristão fosse um pescador de homens, cada um fazendo o melhor que pudesse, como o bom pescador faz, empregando todo engenho e arte para apanhar os peixes que quer pescar! Bem que podemos empregar todos os meios para ganhar como prêmio um espírito destinado à ventura ou desventura eterna. O mergulhador se aprofunda nas águas em busca de pérolas, e devemos aceitar qualquer trabalho e qualquer risco para conquistar uma alma. De pé, irmãos! Lancem-se a esta obra semelhante à de Deus. E que o Senhor os abençoe nesse labor!
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