O apóstolo João talvez seja mais conhecido por apóstolo do amor. Ele era o "discípulo amado" (João 13.23; 20.2), e escreveu extensamente sobre o amor. Contudo, mais de um terço de todas as ocorrências da palavra "mandamento" no Novo Testamento estão nos escritos dele. Essas ocorrências não estão somente no evangelho, como já vimos, mas também em Apocalipse e nas cartas. "Sabemos que o conhecemos, se obedecemos aos seus mandamentos. Aquele que diz: 'Eu o conheço', mas não obedece aos seus mandamentos, é mentiroso, e a verdade não está nele" (ljoão 2.3,4). "E recebemos dele tudo o que pedimos, porque obedecemos aos seus mandamentos e fazemos o que lhe agrada. [...] Os que obedecem aos seus mandamentos nele permanecem, e ele neles" (ljoão 3.22,24).
É importante enxergar isso porque João também deixa claro que a.fé é o poder triunfante pelo qual obedecemos aos mandamentos de Deus. Veremos que a mesma dinâmica espiritual para a obediência aos mandamentos divinos está ativa no Antigo e no Novo Testamento, a saber, obedecemos pela fé na graça futura. Aqui está a maneira em que João trata da relação entre a fé e a obediência:
Todo aquele que crê que Jesus é o Cristo é nascido de Deus, e todo aquele que ama o Pai ama também o que dele foi gerado. Assim sabemos que amamos os filhos de Deus: amando a Deus e obedecendo aos seus manda-. mentos. Porque nisto consiste o amor a Deus: em obedecer aos seus mandamentos. E os seus mandamentos não são pesados. O que é nascido de Deus vence o mundo; e esta é a vitória que vence o mundo: a nossa fé. Quem é que vence o mundo? Somente aquele que crê que Jesus é o Filho de Deus (ljoão 5.1-5).
João diz: "O que é nascido de Deus vence o mundo" (v. 4). A maioria das versões traz "porque" no início do versículo 4. Esse "porque" significa que isto é dado como base ou fundamento do que acabou de dizer: "os seus mandamentos não são pesados". Assim, quando João fala sobre vencer o mundo, o que ele tem em mente é vencer o impulso mundano de rejeitar os mandamentos divinos e considerá-los pesados. Quando somos gerados de novo, ele diz, esse impulso é vencido e não achamos os mandamentos de Deus pesados.
De que maneira o fato de alguém ser gerado de novo torna os mandamentos divinos um prazer e não um fardo? João diz: "esta é a vitória que vence o mundo: a nossa fé". Em outras palavras, a geração de fé é a forma em que a regeneração provida por Deus vence a característica pesada que o mundo atribui aos mandamentos divinos. Isso é confirmado no versículo 1 que diz literalmente: "Todo o que crê que Jesus é o Cristo é nascido de Deus". A fé evidencia que nascemos de Deus. Não nos regeneramos pela decisão de crer. Deus nos torna dispostos a crer ao nos regenerar. Como Pedro disse na Primeira carta: Deus "nos regenerou para uma esperança viva" (1 Pedro 1.3). Nossa esperança viva, ou fé na graça futura, é a obra de Deus por meio do novo nascimento.
Assim quando João diz: "O que é nascido de Deus vence o mundo", e então acrescenta: "esta é a vitória que vence o mundo: a nossa fé", considero essa afirmação uma declaração de que Deus nos capacita, pelo novo nascimento, a vencer o mundo — isto é, a vencer nossa indisposição mundana de obedecer aos mandamentos divinos. O novo nascimento faz isso ao gerar fé, o que evidentemente inclui a disposição para o prazer, e não aversão, nos mandamentos de Deus. Portanto, a fé vence nossa hostilidade inata a Deus e sua vontade, e nos liberta para a obediência aos mandamentos, e a dizer com o salmista: "Tenho grande alegria em fazer a tua vontade, ó meu Deus" (Salmos 40.8).
Mas alguém poderia dizer: "Como você atribui à fé o que o versículo 3 atribui ao amor a Deus?". "Porque nisto consiste o amor a Deus: em obedecer aos seus mandamentos". Nego que amar a Deus seja o poder para obedecer aos seus mandamentos. Mas também afirmo, em virtude da linha de pensamento que se segue, que a fé também é a ferramenta do poder divino que nos capacita a obedecer aos seus mandamentos. A pergunta é, então: Como combinamos os dois pontos?
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