- O Evangelho de Deus -
. . . que nos salvou e nos chamou com santa vocação; não segundo as nossas obras, mas conforme a sua própria determinação e graça que nos foi dada em Cristo Jesus antes dos tempos eternos, e manifestada agora pelo aparecimento de nosso Salvador Cristo Jesus, o qual não só destruiu a morte, como trouxe à luz a vida e a imortalidade, mediante o evangelho...(2 Tm 1.9,10)
É notável ver Paulo passar, de repente, da referência ao "evangelho" à afirmação central: "Deus . . . nos salvou". É mesmo impossível falar do evangelho sem falar, ao mesmo tempo, da salvação. O evangelho é precisamente isto: boas novas de salvação, ou boas notícias de "nosso Salvador Cristo Jesus" (v.10). Desde o dia do Natal, quando a boa nova de alegria foi anunciada pela primeira vez, proclamando o nascimento do "Salvador que é Cristo o Senhor" (Lc 2: 10-11), os seguidores de Jesus têm reconhecido o seu conteúdo essencial. Paulo mesmo nunca vacilou a esse respeito. Em Antioquia da Pisídia, na primeira viagem missionária, ele refere-se ao seu evangelho como a "mensagem desta salvação". Em Filipos, na segunda jornada missionária, ele e seus companheiros foram identificados como "servos do Deus Altíssimo, que nos anunciam o caminho da salvação". E ao escrever em Roma aos Efésios, ele intitula a palavra da verdade de "o evangelho da vossa salvação" (At 13:26; 16:17; Ef 1:13).
Assim, aqui, ao escrever a respeito do evangelho, Paulo usa a terminologia costumeira, isto é, que somos salvos em Cristo Jesus por determinação, graça e chamado de Deus, não por nossas próprias obras. É que ele está expondo, nesta sua última carta, o mesmo evangelho que já expusera na sua primeira carta (Galatas). Com o passar dos anos, o seu evangelho não sofreu mudanças; há somente um evangelho de salvação. E conquanto devamos traduzir os termos "evangelho" e "salvação" por expressões mais compreensíveis ao homem moderno, não podemos alterar a substância da nossa mensagem.
A essência da salvação
Precisamos juntar as três cláusulas que afirmam que Deus "nos salvou", "nos chamou com santa vocação" e "trouxe à luz a vida e a imortalidade". Isto explica que a salvação vai muito além do perdão. O Deus que nos "salvou" é também o que, ao mesmo tempo, "nos chamou com santa vocação", ou seja, que nos "chamou para sermos santos". O chamamento cristão é uma vocação santa. Quando Deus chama alguém para si, também o chama à santidade. A isto Paulo dera muita ênfase em suas cartas anteriores. "Deus não nos chamou para a impureza, e, sim, em santificação", porque todos fomos "chamados para ser santos", chamados para viver como povo santo de Deus e separado para ele (1 Ts 4:7; 1 Co 1: 2). Sendo a santidade uma parte integrante no plano de Deus para a salvação, também o é a "imortalidade", da qual escreve no versículo seguinte (v.10). De fato, "perdão", "santidade" e "imortalidade" são três aspectos da grande "salvação" de Deus.
O termo "salvação" precisa ser urgentemente libertado do conceito medíocre e pobre com o qual tendemos a degradá-lo. "Salvação" é um termo majestoso, que evidencia todo o amplo propósito de Deus, pelo qual ele justifica, santifica e glorifica o seu povo: primeiramente, perdoando as nossas ofensas e aceitando-nos como justos ao nos olhar através de Cristo; depois transformando-nos progressivamente, pelo seu Espírito, para sermos conforme a imagem do seu Filho, até que finalmente nos tornemos iguais a Cristo no céu, com novos corpos, num mundo novo. Não devemos minimizar a grandeza de "tão grande salvação" (Hb 2:3).
A origem da salvação
De onde provém tão grande salvação? A resposta de Paulo é: "Não segundo as nossas obras, mas conforme a sua própria determinação e graça que nos foi dada em Cristo Jesus antes dos tempos eternos" (v.9). Se quiséssemos acompanhar o manancial da salvação até a sua origem, deveríamos então voltar para trás, através do tempo, em direção à eternidade do passado. As palavras do apóstolo são mesmo: "antes dos tempos eternos" e são traduzidas de diversas formas: "antes do princípio do mundo" (BV), "antes do tempo existir" (CIN), ou "antes de todos os séculos" (PAPF).
Para não pairar qualquer dúvida sobre a verdade de que a predestinação e eleição por Deus pertence à eternidade e não ao tempo, Paulo faz uso de um particípio aorístico para indicar que Deus de fato nos deu algo (dotheisan) desde toda a eternidade, em Cristo. O que Deus nos deu foi "a sua própria determinação e graça", ou "a sua determinação, ou propósito, de nos dar graça". A sua determinação de dar a salvação não era arbitrária, mas sim fundada em sua graça. Fica claro, por conseguinte, que a fonte de nossa salvação não são as nossas próprias obras, visto que Deus nos deu a sua própria determinação da graça em Cristo antes que praticássemos quaisquer boas obras, antes de termos nascido e de termos podido fazer quaisquer obras meritórias; antes mesmo da História, antes do tempo, na eternidade.
Temos que confessar que a doutrina da eleição é matéria difícil para mentes finitas mas é, incontestavelmente, uma doutrina bíblica. Ela enfatiza que a salvação é devida exclusivamente à graça de Deus, e não aos méritos humanos; não às nossas obras realizadas no tempo, mas à determinação que Deus concebeu na eternidade; "aquela determinação", como se expressa o Rev. Ellicott, "que não surgiu de algo fora dele, mas que brotou unicamente das maiores profundezas da divina eudokia". Ou, nas palavras de E. K. Srmpson: "As escolhas do Senhor têm as suas razões imperscrutáveis, mas não se baseiam na elegibilidade dos escolhidos". Assim sendo, a divina determinação, ou propósito, da eleição é um mistério para a mente humana, já que não se pode aspirar compreender os pensamentos secretos e as decisões da mente de Deus. Contudo, a doutrina da eleição nunca é introduzida na Escritura para despertar ou para diminuir a nossa curiosidade carnal, mas sempre tendo um propósito bem prático. De um lado ela desperta uma profunda humildade e gratidão, por excluir todo o orgulho próprio. De outro lado, traz paz e segurança, porque nada pode acalmar os nossos temores pela nossa própria estabilidade como o conhecimento de que a nossa segurança depende, em última análise, não de nós mesmos, mas da própria determinação e graça de Deus.
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