Prega a Palavra – John Stott
- Quatro características da verdadeira pregação -
“... insta, quer seja oportuno, quer não, corrige, repreende, exorta com toda a longanimidade e doutrina...” (2 Tm 4.2)
Apenas três palavras: "prega a palavra". Observamos imediatamente que a mensagem que Timóteo deve comunicar é chamada de "palavra", algo que foi proferido por alguém. Mas é a palavra, a palavra de Deus, que Deus mesmo proferiu. Paulo não precisa especificar melhor o que ele quer dizer, já que Timóteo saberá de imediato que se trata do corpo de doutrina, que ouvira de Paulo, e que o mesmo Paulo lhe comissiona a passar adiante a outros. É idêntica ao "depósito" do capítulo 1, e neste quarto capítulo é equivalente à "sã doutrina" (v.3), "à verdade" (v.4) e "à fé"' (v.7). São as Escrituras do Velho Testamento, inspiradas por Deus e proveitosas, que Timóteo sabe desde a sua infância, junto com o ensino do apóstolo, que Timóteo "tem seguido", "aprendido" e de que tem sido "inteirado" (3: 10-14). O mesmo comissionamento é dado à Igreja de cada época. Não temos nenhuma liberdade para inventar a nossa mensagem, mas somente para comunicar "a palavra" proferida por Deus e agora entregue à Igreja, em sagrada custódia.
Timóteo deve "pregar" esta palavra; ele deve falar o que Deus falou. Sua responsabilidade não é somente ouvir essa palavra, crer nela e obedecê-la, nem somente guardá-la de toda falsidade; nem somente sofrer por ela e permanecer nela; mas, sim, pregá-la a outros. São as boas novas de salvação para os pecadores. Assim ele deve proclamá-la como um arauto em praça pública (kèryssö, cf. këryx, "um arauto" em 1: 11). Para fazê-la conhecida, deverá levantar a sua voz para todos, sem temor.
Paulo prossegue mostrando quatro sinais que deverão caracterizar a proclamação a ser feita por Timóteo.
a. Uma proclamação urgente
O verbo ephistëmi, "instar", significa literalmente "assistir", e assim "estar de prontidão", "estar disponível". Aqui, contudo, parece ter o sentido não somente de alerta e zelo mas de insistência e urgência. "Nunca perca o teu sentido de urgência" (CIN). Numa forma lânguida e indiferente, certamente não se faz uma boa pregação. Toda boa pregação transmite um sentido de urgência e de importância do que está sendo pregado. O arauto cristão sabe que está tratando de assunto de vida ou morte. Anuncia a situação do pecador sob os olhos de Deus, e a ação salvadora de Deus, através da morte e ressurreição de Cristo, e o convida ao arrependimento e à fé. Como poderia tratar tais temas com fria indiferença? "Em tudo o que você fizer", escreveu Richard Baxter, "deixe transparecer a sua absoluta seriedade. . . Você não conseguirá quebrantar o coração de ninguém com gracejos, nem contando histórias agradáveis ao ouvido, nem compondo um discurso pomposo. Ninguém abandonará as coisas de que mais gosta, mediante uma solicitação sem profundidade feita por alguém que parece não falar com convicção, ou que pouco se incomode se a sua solicitação é aceita ou não".
Esta urgente pregação, Paulo acrescenta, deve continuar "a tempo e fora de tempo". "Prega a palavra, insta, quer seja oportuno, quer não." Tal regra de procedimento não deve ser tomada como desculpa para a falta de tato com as pessoas, o que muitas vezes tem caracterizado a evangelização, e que em decorrência tem dado uma má reputação ao evangelho. Não nos é dada a liberdade de entrarmos sem cerimônia na vida privada de outras pessoas ou lhes pisarmos grosseiramente nos calos. Não, as ocasiões a que Paulo se refere como sendo "quer seja oportuno, quer não", aplicam-se não tanto aos ouvintes como a quem fala. A BLH enfatiza isso: "pregue a mensagem e insista em anunciá-la, no tempo certo ou não". Assim é o verboephistëmi, em seu sentido alternativo, como é às vezes encontrado nos manuscritos. Assim, o que temos aqui não é uma base bíblica para a grosseria, mas sim um apelo bíblico contra a preguiça.
b. Uma proclamação contextual
O arauto que anuncia a Palavra deve corrigir, repreender e exortar. Isso sugere que há três diferentes maneiras de anunciar, pois que a Palavra de Deus é "útil" para uma variedade de ministérios, como Paulo já disse (3: 16). Ela fala a homens diferentes, em situações diferentes. O pregador deve lembrar-se disso e ser hábil no uso da Palavra. Ele deve usar "argumentos, repreensão e apelo", o que vem a ser quase uma classificação de três abordagens: a intelectual, a moral e a emocional. Porque muitas pessoas acham-se atormentadas por dúvidas e precisam ser repreendidas; outras, ainda, são perseguidas pelas dúvidas e precisam ser encorajadas. A Palavra de Deus faz tudo isso e muito mais. É nosso dever aplicá-la contextualmente.
c. Uma proclamação paciente
Mesmo devendo instar (esperando obter das pessoas rápidas decisões em resposta à Palavra), devemos ter "toda a longanimidade na espera por essa resposta". Nunca devemos nos valer do uso de técnicas humanas de pressão ou tentar forçar uma "decisão". A nossa responsabilidade é ser fiel na pregação da Palavra; os resultados da proclamação são de responsabilidade do Espírito Santo e, quanto a nós, só nos compete esperar pacientemente por sua obra. Também devemos ser pacientes em toda a nossa maneira de ser, porque "é necessário que o servo do Senhor não viva a contender, e, sim, deve ser brando para com todos, apto para instruir, paciente ; disciplinando com mansidão os que se opõem" (2: 24-25). Mes¬mo sendo solene o nosso comissionamento, e urgente a nossa mensagem, não se justifica uma conduta rude ou impaciente.
d, Uma proclamação inteligente
Não devemos só pregar a palavra, mas também ensiná-la, ou me¬lhor, pregá-la "com toda a doutrina" (këryxon. . . en pasë... didachè). C. H. Dodd tornou clara a distinção entre kérygma e didachè, sendo a primeira a proclamação de Cristo aos descrentes, com um apelo ao arrependimento; e a segunda, a instrução ética aos convertidos. A distinção é prática e importante; contudo, como já suge¬rido no comentário de 1: 1, ela pode se tornar rígida e estreita. Pelo menos este versículo nos mostra que o nossokèrygma deve conter muito de didachè. Se a nossa proclamação pretende antes de tudo convencer, repreender ou exortar, ela deve ser um ministério de doutrina.
O ministério pastoral cristão é essencialmente um ministério de ensino, e é por isso que se exige dos candidatos ortodoxia na fé e aptidão para o ensino (Tt 1: 9; 1 Tm 3: 2). Existe uma necessidade crescente, especialmente em vista do contínuo processo de urbanização e da elevação dos padrões de educação, dos ministros cristãos desenvolverem nas pululantes cidades do mundo um ministério de pregação com exposição bíblica sistemática, para "pregar a palavra. . . com toda a doutrina". Isto foi exatamente o que o próprio Paulo fez em Éfeso, como era do conhecimento de Timóteo. Por cerca de três anos ele ensinou "publicamente e pelas casas .. . todo o conselho de Deus" (At 20: 20-27; cf. 19: 8-10). Agora é a vez de Timóteo fazer o mesmo.
Tal é a instrução de Paulo a Timóteo. Ele deve pregar a Palavra anunciando a mensagem dada por Deus, mas deve fazê-lo com um sentido de urgência, deve aplicá-la ao contexto da situação presente, deve ser paciente em seu modo de ser e inteligente na sua apresentação.
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