Pregação da prosperidade: enganosa e mortífera
Autor: John Piper
Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto
Quando leio sobre pregação de prosperidade nas igrejas, minha resposta é: “Se não estivesse dentro do Cristianismo, eu não desejaria estar”. Em outras palavras: se essa é a mensagem de Jesus, não, obrigado!
Atrair as pessoas a Cristo prometendo riqueza é tanto enganoso como mortífero. É enganoso porque quando o próprio Jesus nos chamou, ele disse coisas como: “Assim, pois, todo aquele que dentre vós não renuncia a tudo quanto tem não pode ser meu discípulo” (Lucas 14:33). E é mortífero porque o desejo de ser rico faz com que as pessoas caiam “na ruína e perdição” (1 Timóteo 6:19). Assim, aqui está o meu apelo aos pregadores do evangelho.
1. Não desenvolva uma filosofia de ministério que torne difícil as pessoas entrar no céu. Jesus disse: “Quão dificilmente entrarão no reino de Deus os que têm riquezas!”. Seus discípulos ficaram estupefatos, como muitos no movimento de “prosperidade” deveriam ficar. Assim, Jesus aumentou ainda mais o assombro deles dizendo: “É mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que entrar um rico no reino de Deus”. Eles responderam em descrença: “Então, quem pode ser salvo?”. Jesus disse: “Para os homens é impossível; contudo, não para Deus, porque para Deus tudo é possível” (Marcos 10:23-27).
Minha pergunta para os pregadores da prosperidade é: Por que você desejaria desenvolver um foco ministerial que torna difícil as pessoas entrar no céu?
2. Não desenvolva uma filosofia de ministério que atice desejos suicidas nas pessoas. Paulo disse: “De fato, grande fonte de lucro é a piedade com o contentamento. Porque nada temos trazido para o mundo, nem coisa alguma podemos levar dele. Tendo sustento e com que nos vestir, estejamos contentes. Ora, os que querem ficar ricos caem em tentação, e cilada, e em muitas concupiscências insensatas e perniciosas, as quais afogam os homens na ruína e perdição. Porque o amor do dinheiro é raiz de todos os males; e alguns, nessa cobiça, se desviaram da fé e a si mesmos se atormentaram com muitas dores” (1 Timóteo 6:6-10).
Assim, minha pergunta para os pregadores da prosperidade é: Por que você desejaria desenvolver um ministério que encoraja as pessoas a se atormentarem com muitas dores e se afogarem na ruína e perdição?
3. Não desenvolva uma filosofia de ministério que encoraje a vulnerabilidade à traça e à ferrugem. Jesus adverte contra o esforço de ajuntar tesouro na terra. Isto é, ele nos manda ser doadores, e não guardiões. “Não acumuleis para vós outros tesouros sobre a terra, onde a traça e a ferrugem corroem e onde ladrões escavam e roubam” (Mateus 6:19).
Sim, todos nós guardamos algo. Mas dada a nossa tendência inerente em todos nós para com a ambição, por que deveríamos tirar o foco de Jesus e invertê-lo totalmente?
4. Não desenvolva uma filosofia de ministério que faça trabalho duro significar acúmulo de riqueza. Paulo disse que não deveríamos roubar. A alternativa era trabalhar duro com as nossas próprias mãos. Mas o propósito principal não era meramente acumular ou mesmo ter. O propósito era “ter para dar”. “Aquele que furtava não furte mais; antes, trabalhe, fazendo com as próprias mãos o que é bom, para que tenha com que acudir ao necessitado” (Efésios 4:28). Isso não é justificação para ser rico a fim de dar mais. É um chamado para fazer mais e acumular menos, para que possa dar mais. Não há razão pela qual uma pessoa que ganha R$ 500.000,00 por ano deva viver diferentemente de uma pessoa que ganha R$ 200.000,00. Descubra um estilo de vida moderado; corte os seus gastos supérfluos; então, dê o restante.
Por que você desejaria encorajar as pessoas a pensar que elas deveriam possuir riqueza para serem um doador generoso? Por que não encorajá-las a manter suas vidas mais simples e serem um doador ainda mais generoso? Isso não adicionaria à generosidade deles um forte testemunho que Cristo, e não as possessões, é o seu tesouro?
5. Não desenvolva uma filosofia de ministério que promova menos fé na promessa de Deus ser para nós o que o dinheiro não pode ser. A razão do escritor aos Hebreus nos mandar estarmos contentes com o que temos é que o oposto implica menos fé nas promessas de Deus. Ele diz: “Seja a vossa vida sem avareza. Contentai-vos com as coisas que tendes; porque ele tem dito: De maneira alguma te deixarei, nunca jamais te abandonarei. Assim, afirmemos confiantemente: O Senhor é o meu auxílio, não temerei; que me poderá fazer o homem?” (Hebreus 13:5-6).
Se a Bíblia nos diz que estarmos contentes com o que temos honra a promessa de Deus nunca nos abandonar, por que desejaríamos ensinar as pessoas a desejarem ser ricas?
6. Não desenvolva uma filosofia de ministério que contribua para que o seu povo fique sufocado até a morte. Jesus adverte que a palavra de Deus, que tem o intento de nos dar vida, pode ser sufocada pelas riquezas. Ele diz que isso é como uma semente que cresce entre espinhos, e é sufocada até a morte: “A que caiu entre espinhos são os que ouviram e, no decorrer dos dias, foram sufocados com os cuidados, riquezas e deleites da vida; os seus frutos não chegam a amadurecer” (Lucas 8:14).
Por que desejaríamos encorajar as pessoas a buscar a própria coisa que Jesus adverte que nos sufocará até a morte?
7. Não desenvolva uma filosofia de ministério que tire o sabor do sal e coloque a candeia debaixo da vasilha.
O que existe nos cristãos que os torna o sal da terra e a luz do mundo? Não é a riqueza! O desejo e a busca por riqueza têm o mesmíssimo sabor e aparência do mundo. Isso não oferece ao mundo nada diferente daquilo que ele já crê. A grande tragédia da pregação da prosperidade é que uma pessoa não tem que ser espiritualmente vivificada para abraçá-la; a pessoa precisa ser apenas gananciosa. Ficar rico em nome de Jesus não é ser o sal da terra ou a luz do mundo. Nisso, o mundo simplesmente vê um reflexo de si mesmo. E se funciona, eles comprarão.
O contexto do discurso de Jesus nos mostra o que é o sal e a terra. Eles são a disposição alegre de sofrer por Cristo. Aqui está o que Jesus disse: "Bemaventurados sois quando, por minha causa, vos injuriarem, e vos perseguirem, e, mentindo, disserem todo mal contra vós. Regozijai-vos e exultai, porque é grande o vosso galardão nos céus; pois assim perseguiram aos profetas que viveram antes de vós. Vós sois o sal da terra…Vós sois a luz do mundo” (Mateus 5:11-14).
O que fará o mundo provar (o sal) e ver (a luz) de Cristo em nós não é que amamos a riqueza da mesma forma que eles o fazem. Antes, será a disposição e a capacidade dos cristãos amarem os outros mesmo durante o sofrimento, enquanto se regozijam porque a recompensa deles está no céu com Jesus. Isso é inexplicável em termos humanos. É sobrenatural! Mas atrair as pessoas com promessas de prosperidade é simplesmente natural. Essa não é a mensagem de Jesus. Ele não morreu para assegurar isso.
Atrair as pessoas a Cristo prometendo riqueza é tanto enganoso como mortífero. É enganoso porque quando o próprio Jesus nos chamou, ele disse coisas como: “Assim, pois, todo aquele que dentre vós não renuncia a tudo quanto tem não pode ser meu discípulo” (Lucas 14:33). E é mortífero porque o desejo de ser rico faz com que as pessoas caiam “na ruína e perdição” (1 Timóteo 6:19). Assim, aqui está o meu apelo aos pregadores do evangelho.
1. Não desenvolva uma filosofia de ministério que torne difícil as pessoas entrar no céu. Jesus disse: “Quão dificilmente entrarão no reino de Deus os que têm riquezas!”. Seus discípulos ficaram estupefatos, como muitos no movimento de “prosperidade” deveriam ficar. Assim, Jesus aumentou ainda mais o assombro deles dizendo: “É mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que entrar um rico no reino de Deus”. Eles responderam em descrença: “Então, quem pode ser salvo?”. Jesus disse: “Para os homens é impossível; contudo, não para Deus, porque para Deus tudo é possível” (Marcos 10:23-27).
Minha pergunta para os pregadores da prosperidade é: Por que você desejaria desenvolver um foco ministerial que torna difícil as pessoas entrar no céu?
2. Não desenvolva uma filosofia de ministério que atice desejos suicidas nas pessoas. Paulo disse: “De fato, grande fonte de lucro é a piedade com o contentamento. Porque nada temos trazido para o mundo, nem coisa alguma podemos levar dele. Tendo sustento e com que nos vestir, estejamos contentes. Ora, os que querem ficar ricos caem em tentação, e cilada, e em muitas concupiscências insensatas e perniciosas, as quais afogam os homens na ruína e perdição. Porque o amor do dinheiro é raiz de todos os males; e alguns, nessa cobiça, se desviaram da fé e a si mesmos se atormentaram com muitas dores” (1 Timóteo 6:6-10).
Assim, minha pergunta para os pregadores da prosperidade é: Por que você desejaria desenvolver um ministério que encoraja as pessoas a se atormentarem com muitas dores e se afogarem na ruína e perdição?
3. Não desenvolva uma filosofia de ministério que encoraje a vulnerabilidade à traça e à ferrugem. Jesus adverte contra o esforço de ajuntar tesouro na terra. Isto é, ele nos manda ser doadores, e não guardiões. “Não acumuleis para vós outros tesouros sobre a terra, onde a traça e a ferrugem corroem e onde ladrões escavam e roubam” (Mateus 6:19).
Sim, todos nós guardamos algo. Mas dada a nossa tendência inerente em todos nós para com a ambição, por que deveríamos tirar o foco de Jesus e invertê-lo totalmente?
4. Não desenvolva uma filosofia de ministério que faça trabalho duro significar acúmulo de riqueza. Paulo disse que não deveríamos roubar. A alternativa era trabalhar duro com as nossas próprias mãos. Mas o propósito principal não era meramente acumular ou mesmo ter. O propósito era “ter para dar”. “Aquele que furtava não furte mais; antes, trabalhe, fazendo com as próprias mãos o que é bom, para que tenha com que acudir ao necessitado” (Efésios 4:28). Isso não é justificação para ser rico a fim de dar mais. É um chamado para fazer mais e acumular menos, para que possa dar mais. Não há razão pela qual uma pessoa que ganha R$ 500.000,00 por ano deva viver diferentemente de uma pessoa que ganha R$ 200.000,00. Descubra um estilo de vida moderado; corte os seus gastos supérfluos; então, dê o restante.
Por que você desejaria encorajar as pessoas a pensar que elas deveriam possuir riqueza para serem um doador generoso? Por que não encorajá-las a manter suas vidas mais simples e serem um doador ainda mais generoso? Isso não adicionaria à generosidade deles um forte testemunho que Cristo, e não as possessões, é o seu tesouro?
5. Não desenvolva uma filosofia de ministério que promova menos fé na promessa de Deus ser para nós o que o dinheiro não pode ser. A razão do escritor aos Hebreus nos mandar estarmos contentes com o que temos é que o oposto implica menos fé nas promessas de Deus. Ele diz: “Seja a vossa vida sem avareza. Contentai-vos com as coisas que tendes; porque ele tem dito: De maneira alguma te deixarei, nunca jamais te abandonarei. Assim, afirmemos confiantemente: O Senhor é o meu auxílio, não temerei; que me poderá fazer o homem?” (Hebreus 13:5-6).
Se a Bíblia nos diz que estarmos contentes com o que temos honra a promessa de Deus nunca nos abandonar, por que desejaríamos ensinar as pessoas a desejarem ser ricas?
6. Não desenvolva uma filosofia de ministério que contribua para que o seu povo fique sufocado até a morte. Jesus adverte que a palavra de Deus, que tem o intento de nos dar vida, pode ser sufocada pelas riquezas. Ele diz que isso é como uma semente que cresce entre espinhos, e é sufocada até a morte: “A que caiu entre espinhos são os que ouviram e, no decorrer dos dias, foram sufocados com os cuidados, riquezas e deleites da vida; os seus frutos não chegam a amadurecer” (Lucas 8:14).
Por que desejaríamos encorajar as pessoas a buscar a própria coisa que Jesus adverte que nos sufocará até a morte?
7. Não desenvolva uma filosofia de ministério que tire o sabor do sal e coloque a candeia debaixo da vasilha.
O que existe nos cristãos que os torna o sal da terra e a luz do mundo? Não é a riqueza! O desejo e a busca por riqueza têm o mesmíssimo sabor e aparência do mundo. Isso não oferece ao mundo nada diferente daquilo que ele já crê. A grande tragédia da pregação da prosperidade é que uma pessoa não tem que ser espiritualmente vivificada para abraçá-la; a pessoa precisa ser apenas gananciosa. Ficar rico em nome de Jesus não é ser o sal da terra ou a luz do mundo. Nisso, o mundo simplesmente vê um reflexo de si mesmo. E se funciona, eles comprarão.
O contexto do discurso de Jesus nos mostra o que é o sal e a terra. Eles são a disposição alegre de sofrer por Cristo. Aqui está o que Jesus disse: "Bemaventurados sois quando, por minha causa, vos injuriarem, e vos perseguirem, e, mentindo, disserem todo mal contra vós. Regozijai-vos e exultai, porque é grande o vosso galardão nos céus; pois assim perseguiram aos profetas que viveram antes de vós. Vós sois o sal da terra…Vós sois a luz do mundo” (Mateus 5:11-14).
O que fará o mundo provar (o sal) e ver (a luz) de Cristo em nós não é que amamos a riqueza da mesma forma que eles o fazem. Antes, será a disposição e a capacidade dos cristãos amarem os outros mesmo durante o sofrimento, enquanto se regozijam porque a recompensa deles está no céu com Jesus. Isso é inexplicável em termos humanos. É sobrenatural! Mas atrair as pessoas com promessas de prosperidade é simplesmente natural. Essa não é a mensagem de Jesus. Ele não morreu para assegurar isso.
Autor: John Piper
Fonte:Monergismo
Deus não é seu empregado!
Uma interpretação biblicamente correta dos textos distorcidos
pela “teologia” da
prosperidade
Versão 1.0
Por: Renato N. Fontes (renfontes@gmail.com )
Belo Horizonte, Brasil
Junho/2008
Ouvi, meus amados irmãos. Não escolheu Deus os que
para o mundo são pobres, para serem ricos em fé e
herdeiros do reino que Ele prometeu aos que O amam?
Tiago 2:5
Não acumuleis para vós outros tesouros sobre a terra,
onde a traça e a ferrugem corroem e onde ladrões
escavam e roubam; mas ajuntai para vós outros tesouros
no céu, onde traça nem ferrugem corrói, e onde ladrões
não escavam nem roubam; porque, onde está o teu
tesouro, ali estará também o teu coração.
Mateus 6:19-21
Pelo que sinto prazer nas fraquezas, nas injúrias, nas
necessidades, nas perseguições, nas angústias, por amor
de Cristo. Porque, quando sou fraco, então é que sou
forte.
II Coríntios 12:10
Introdução
Este artigo é uma tentativa singela de colocar à disposição das pessoas uma
boa e sólida interpretação de várias passagens bíblicas que têm sido, com
muita freqüência, deturpadas por pessoas adeptas de uma doutrina que ficou
conhecida como “teologia da prosperidade”, “evangelho da prosperidade” ou
ainda “teologia da confissão positiva”. Os proponentes dessa doutrina, vários
por falta de conhecimento e vários, infelizmente, por má fé e desonestidade,
usam vários textos curtos das Escrituras, tirados do seu contexto, e torcem seu
significado para fazer com que a mensagem transmitida seja exatamente o
oposto do que a Bíblia ensina. Desta forma, essas passagens foram quase
todas reunidas aqui e colocadas dentro do seu contexto imediato e também do
contexto amplo da revelação bíblica, buscando-se assim seu verdadeiro
sentido, aquele que é coerente com a mensagem do Deus que se fez pobre,
não para que todos os cristãos usufruíssem de bênçãos materiais, mas para
seguirmos os Seus passos e também abrirmos mão do que é nosso por amor
aos outros.
A mensagem bíblica, de capa a capa, é de doação, de entrega, de amor,
aquele amor que, conforme I Co 13, não busca os seus próprios interesses e
tem sua maior expressão no ato dar a vida pelos outros. É verdade que Jesus
se importa não só com nosso espírito mas também com todo o ser humano,
integralmente. Por outro lado, nossa atitude frente a isso faz toda a diferença:
baseado nessa verdade, vamos buscar benefícios para nós, como fazem os
proponentes da teologia da prosperidade, ou será que isso nos fará ajudar o
nosso próximo em primeiro lugar, como Jesus declara em Mt 25, quando diz,
“tive fome, e me destes de comer, tive sede e me destes de beber”?
Meu desejo é que este texto abra os olhos de muitos, como um dia os meus
também foram abertos! Se você, leitor, congrega em uma igreja onde se ensina
essa doutrina, aconselho fortemente que tome uma atitude e pare de dar seus
dízimos e contribuições para líderes que acreditam que têm o direito de
“prosperar” às suas custas. Um fato muito curioso e fácil de notar é que quase
todos os líderes que pregam essa doutrina de fato ficam ricos, porém suas
ovelhas quase sempre continuam com o mesmo padrão de vida e nunca
“prosperam” materialmente. Quando, entretanto, alguém acena com a
possibilidade de parar de contribuir com a riqueza desses líderes, eles usam de
intimidação e ameaçam até mesmo com a perda de salvação. É hora de dar
um basta, isso é escravidão – o conhecimento da verdade liberta (Jo 8:32). Se
algo não liberta, é porque não é verdade!
As citações bíblicas são da Edição Revista e Atualizada no Brasil, da
SBB.
Marcos 11:24
Por isso, vos digo que tudo quanto em oração pedirdes, crede que recebestes,
e será assim convosco.
Esse versículo deve ser lido em equilíbrio com outro, que é I Jo 5:14: “... esta é
a confiança que temos para com ele, que, se pedirmos alguma coisa segundo
a sua vontade, ele nos ouve.” João diz que Deus realmente nos dá o que
pedimos, contanto que seja a Sua vontade. Deus não é nem o Papai Noel nem
muito menos o Gênio da Lâmpada (que chamava Aladim de “amo e senhor”) –
não, Ele é o Senhor, e é Sua vontade soberana que determina o que Ele nos
dará ou não. A questão é que os defensores da teologia da prosperidade e da
confissão positiva dizem que sempre é vontade de Deus curar e dar riqueza, e
citam como prova os demais versículos que serão discutidos abaixo. O fato,
contudo, é que a vontade de Deus é insondável, oculta em sua maior parte aos
seres humanos. Ninguém, exceto por muita presunção, pode dizer que
conhece a vontade de Deus em todos os casos. Seus caminhos não são os
nossos e Seus pensamentos também não são os nossos (Is 55:8). Seus juízos
e Seus caminhos são inescrutáveis e insondáveis, como bem nos lembra Paulo
em Romanos 11!
Isaías 53:4, citado em Mateus 8:17 e I Pedro 2:24
curou todos os que estavam doentes; para que se cumprisse o que fora dito ...
por intermédio do profeta Isaías: Ele mesmo tomou as nossas enfermidades e
carregou com as nossas doenças.
,carregando ele mesmo em seu corpo, sobre o madeiro, os nossos pecados ...
para que nós, mortos para os pecados, vivamos para a justiça; por suas
chagas, fostes sarados.
Os “teólogos” da prosperidade e da confissão positiva dizem que a passagem
de Isaías, citada de novo em Mateus e I Pedro, provaria que Deus deve
sempre curar, já que Cristo já levou nossas dores e enfermidades.
Tentemos, então, levar esse pensamento às suas conseqüências lógicas. Se
Cristo levou todas as nossas dores (o que é fato), e se as implicações plenas
disso valessem para nós na presente era (o que questiono aqui), não
deveríamos sequer morrer, já que Ele também levou sobre Si a dor da morte.
Também jamais deveria haver perseguição aos cristãos por causa do
Evangelho, já que Jesus também levou essa dor sobre Si. Mas, pelo contrário,
a realidade da morte é reconhecida em toda a Bíblia como o curso normal da
humanidade, maculada como é pelo pecado. Não somente isso, todo tipo de
enfermidade deveria ser curada – no entanto, nunca ouvimos relatos de curas
de amputados, por exemplo (ainda que ouvíssemos, afinal Deus também é
poderoso para curar esse tipo de mal, isso não provaria nada). Assim, essa
interpretação de Isaías 53 dada pelos teólogos da prosperidade não se harmoniza com a realidade dos fatos, nem a nossa nem muito menos a dos
escritores bíblicos.
Como se deve entender, então, o versículo de Isaías? Basta colocá-lo dentro
do contexto de toda a Bíblia, que diz que o homem foi expulso do Éden, e a
Árvore da Vida ficou do “outro lado da porta” (até que ponto é uma árvore literal
ou simbólica não faz a menor diferença neste caso). Acontece que apenas em
Apocalipse, na Nova Jerusalém, é que o homem terá novamente acesso
àquela árvore que é “para a cura de todas as nações”. Até então, Deus disse
que a terra produziria “cardos e abrolhos”. É num mundo assim que vivemos, e
não há distinção entre crentes e incrédulos, afinal Deus manda a chuva sobre
justos e injustos (Mt 5:45). Na verdade, até o Novo Testamento menciona
doenças que não foram curadas milagrosamente, como o caso de Timóteo (I
Tm 5:23), que recebeu do apóstolo Paulo o conselho de tomar vinho por causa
das suas “freqüentes enfermidades” no estômago.
Mas, se Is 53:4 só se aplicará plenamente na Nova Jerusalém, por que esse
versículo é citado em Mateus, sendo cumprido aqui na terra? O que acontece,
neste caso, é que os seres humanos tiveram um "aperitivo" dos efeitos de
Isaías 53 quando Jesus esteve fisicamente aqui. É bíblico dizer que o Reino de
Deus já chegou (Mt 3:2), porém ainda não na sua plenitude (tanto é que, como
já foi dito, nós ainda morremos, ainda pecamos, ainda sentimos dores etc.).
Contudo, quando o Rei esteve fisicamente aqui, pudemos provar um pouco
dessa plenitude. Aliás, analisando bem, Jesus ressuscitou apenas umas duas
ou três pessoas: quantos mortos havia nos cemitérios judeus na época?
Quantos enfermos havia no tanque de Betesda, onde Jesus provavelmente só
curou um? Mateus cita Isaías 53 porque o que possibilitou que as curas de
alguns se tornassem reais é que Jesus já pagou pelo nosso pecado. Se Ele
não tivesse levado sobre si nossas dores, nenhuma cura teria sido realizada
quando Jesus veio. Mas Ele não curou 100% dos enfermos, tampouco
ressuscitou 100% dos mortos. Isso só vai acontecer na segunda vinda, quando
o Reino de Deus vier na sua plenitude.
E quanto a I Pedro? Coloquemos a citação em I Pedro dentro do contexto, e
veremos que o apóstolo falava da cura do pecado (ou seja, saúde espiritual) e
não de saúde física.
João 14:12
Em verdade, em verdade vos digo que aquele que crê em mim fará também as
obras que eu faço, e outras maiores fará, porque eu vou para junto do Pai.
O versículo acima tem sido citado para dizer que nós podemos e devemos
fazer a mesma quantidade e os mesmos milagres que Jesus fez, portanto indo
contra a tese de que a presença física de Jesus na terra foi um pré-
cumprimento dos benefícios plenos de Is 53:4. Se nós faremos as mesmas
obras de Jesus, dizem eles, nada mudou desde que Jesus subiu aos céus. Cabe aqui um esclarecimento. Depois que Jesus ressuscitou e subiu aos céus,
realmente continuaram acontecendo milagres, e creio eu que aconteçam até
hoje. Porém, estes não acontecem na mesma intensidade e freqüência que no
tempo em que Jesus esteve fisicamente aqui. Não é todo dia que vemos
alguém caminhando sobre as águas, uma tempestade sendo acalmada com
uma palavra, mortos ressuscitando, cegos vendo e outros sinais dessa
grandeza. Quando Jesus subiu aos céus, essas coisas se tornaram bem
menos freqüentes e, ouso dizer, depois que morreram os apóstolos, ficaram
ainda bem mais raras. Mas Deus não é o mesmo ontem, hoje e sempre? Sim,
Ele é, mas isso não o obriga a agir sempre da mesma forma, e a evidência
maior disso é que temos várias alianças diferentes na Bíblia, feitas entre Ele e
os homens.
Entendamos, portanto, o que representam os milagres na história do
cristianismo. Em II Co 12:12, Paulo deixa claro que os “sinais, prodígios e
poderes miraculosos” eram suas “credenciais” como apóstolo. Em outras
palavras, essas coisas distinguiam os cristãos comuns dos apóstolos, que
eram aqueles que haviam recebido sua missão diretamente do Senhor e sobre
o fundamento dos quais a igreja estava edificada. Por outro lado, em I Co
12:28, Paulo também fala de dons de milagres e dons de curas, dados a
pessoas que não eram apóstolos. Ainda assim, os dois versos seguintes
deixam claro que, assim como não são todos apóstolos, também não são todos
que possuem esses dons. Tais dons existem e são para a edificação da igreja,
mas não dados a todos os cristãos e nem têm a finalidade de fazer nossas
vontades. Vale lembrar que eles são distribuídos conforme a soberania de
Deus, que cura e realiza milagres quando quer. Nem mesmo Jesus curou todos
os enfermos do seu tempo. Mas alguém pode dizer: “Jesus não curou todos
aqueles que o buscaram corretamente?” Com certeza, só que o ato de buscar
a Jesus é algo que primeiramente o próprio Deus coloca no coração do
homem, em Sua soberania.
Voltando então a João 14:12, o que significa “farão obras ainda maiores que as
que faço”? Primeiro, Jesus não se refere necessariamente aos milagres, uma
vez que não usou qualquer uma das três palavras gregas comumente usadas
para designá-los no Novo Testamento (traduzidas quase sempre como “sinais,
prodígios e maravilhas”, como em II Co 12:12). Segundo, a interpretação mais
sólida dessa frase é aquela que leva em conta que as “obras” de Jesus tinham
e têm por finalidade fazer a vontade do Pai e proclamar o Reino de Deus. Aí
fica fácil entender: Jesus levou a mensagem do Evangelho ao povo de Israel, e
a igreja já levou a mesma mensagem até os confins da terra!
João 10:10b
.eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância...
Os teólogos da prosperidade dizem que “vida em abundância” que Jesus veio
para que tenhamos é uma vida de riqueza material e saúde. Será? O que
pensariam disso os mártires, que, ao contrário da riqueza, ganharam como
“prêmio” pela sua fidelidade o sacrifício da própria vida pelo Evangelho? O que pensaria disso aquele missionário que abandonou tudo para viver entre uma
tribo selvagem da África, pegou malária e nunca ficou rico, mas por outro lado
pregou o Evangelho para aqueles que nunca tinham ouvido falar em Jesus? O
que pensaria disso aquela viúva pobre que deu as duas últimas moedas e que,
pelo menos pelo relato bíblico, não consta que tenha ficado rica? O que
pensaria disso aquela senhora pobre da igreja que tem sempre a casa aberta
para receber pessoas em necessidade e sempre tem uma palavra de consolo?
Aliás, o que pensaria Paulo, que passou por inúmeras situações desfavoráveis,
até mesmo fome (Fp 4:12)? Será que essas pessoas seriam consideradas
como de “vida abundante” pelos teólogos da prosperidade? Por outro lado,
será que eles consideram os ricos e poderosos do nosso mundo, incluindo aí
criminosos e vários políticos desonestos, como pessoas de “vida abundante”?
Marcos 10:29 (e passagens paralelas: Mateus 19:29 e Lucas
18:29,30)
Tornou Jesus: Em verdade vos digo que ninguém há que tenha deixado casa,
ou irmãos, ou irmãs, ou mãe, ou pai, ou filhos, ou campos por amor de mim e
por amor do evangelho, que não receba, já no presente, o cêntuplo de casas,
irmãos, irmãs, mães, filhos e campos, com perseguições; e, no mundo por vir,
a vida eterna.
Creio que ninguém, em sã consciência, interpreta aquilo tudo literalmente. Se
alguém levar o versículo inteiro ao pé da letra, será um pervertido sexual com
centenas de filhos (e de mulheres também, se seguirmos a passagem paralela
de Lucas!)... Aliás, Jesus falou aquilo para os discípulos. Não consta que Pedro
e os demais tenham se tornado milionários depois de abandonar tudo para
seguir Jesus – pelo contrário, a maioria deles se tornou mártires. Pedro, por
exemplo, continuou vivendo como pescador, e ainda ganhou a "vida
abundante" morrendo numa cruz de cabeça pra baixo (se é que é verdade essa
história sobre a forma como o apóstolo morreu).
O que Jesus disse é que, se você abrir mão do que tem, vai ganhar uma nova
família, vai pertencer à Igreja, ao corpo de Cristo, sua nova família, que
representa 100 vezes mais mães, pais, filhos e casas. E, de brinde, ainda vai
ganhar perseguições. Aliás, eu me pergunto, por que nenhum desses
pregadores da prosperidade cumprem a primeira parte do versículo, que fala
sobre abandonar tudo (isso eles só recomendam para as suas ovelhas, que
abandonem tudo nas contas bancárias deles), ou ainda o que está um pouco
antes, no verso 21, quando Jesus diz ao jovem rico que este deveria vender
todos os seus bens e dar o dinheiro aos pobres?
II Coríntios 8:9
pois conheceis a graça de nosso Senhor Jesus Cristo, que, sendo rico, se ...
fez pobre por amor de vós, para que, pela sua pobreza, vos tornásseis ricos. Citado fora do contexto, esse versículo parece indicar que Jesus se tornou
pobre para que todos os cristãos se tornassem ricos.
Comecemos a ler o capítulo 8, no entanto, e veremos que Paulo elogia a igreja
dos macedônios, que era pobre, e dá um “sabão” na igreja dos coríntios, que
era rica. A igreja que era pobre era a mais generosa (o que já contraria a
teologia de que ofertar é "semear bens materiais", uma vez que eles eram
liberais e continuavam pobres), enquanto que a igreja rica era a mais avarenta.
Paulo então repreende os coríntios, e os exorta a serem como Jesus, que era
rico e se fez pobre. Se eles eram ricos, é porque um dia Cristo se fez pobre, e
eles deveriam fazer o mesmo em prol do sustento de Paulo e outros
apóstolos/missionários, abrindo mão de sua riqueza. Não está escrito ali que
Cristo se fez pobre para todos os cristãos fossem ricos (tanto é assim que os
macedônios ainda eram pobres, e não era por causa de falta de generosidade).
O que está escrito é que, se os coríntios eram ricos, era por causa da
misericórdia de Cristo, que abriu mão da Sua própria riqueza em prol deles.
III João 2
Amado, acima de tudo, faço votos por tua prosperidade e saúde, assim como é
próspera a tua alma.
Sabemos que Jesus prometeu perseguições (citando, de novo, Mc 10:29). No
entanto, quem tem o costume de escrever "desejo que você seja perseguido”?
Mesmo que seja uma certeza da Palavra de Deus as perseguições por causa
do Reino, ninguém as deseja, e isso é perfeitamente natural. Nosso desejo é
saúde e prosperidade – agora, se Deus deseja dar isso para nós ou não, cada
caso é um caso, e vai depender da soberania divina. Eu desejo saúde para
todos os que amo (assim como o apóstolo João desejava a prosperidade do
destinatário daquela carta), mas não tenho certeza se essa é a vontade de
Deus. Se Ele quiser, na Sua vontade soberana, que alguém morra como mártir
ou morra de câncer, essa pessoa tem que dizer como Jó, "o Senhor deu, o
Senhor tirou, bendito seja o nome do Senhor". Mas eu posso perfeitamente
escrever que o que eu desejo é saúde para quem quer que seja. Foi isso que
João escreveu para seu destinatário, mas não necessariamente aquilo era a
vontade de Deus. Não faria sentido João ter escrito "desejo perseguições pra
você"...
Marcos 11:22,23
Ao que Jesus lhes disse: Tende fé em Deus; porque em verdade vos afirmo
que, se alguém disser a este monte: Ergue-te e lança-te no mar, e não duvidar
no seu coração, mas crer que se fará o que diz, assim será com ele.
Esse ensinamento de Jesus é usado para justificar o ato de falar com as
enfermidades, e ainda o uso de verbos como “decretar” ou “determinar”, que
são verbos perfeitamente adequados para estarem na boca do Deus TodoPoderoso, mas nunca de criaturas finitas e falíveis como nós. Temos, de fato, alguns exemplos bíblicos de pessoas falando para as coisas
ou executando algum ato e algo acontecendo por causa disso. Temos o caso
de Jesus, que repreendeu a tempestade e o mar se acalmou, e ainda
repreendeu a febre da sogra de Pedro (Lc 4:39). Acontece que Jesus, mesmo
assumindo forma humana, nunca deixou de ser Deus. Mesmo assim, temos
casos de pessoas comuns fazendo algo semelhante: Moisés colocou o cajado
no mar e este se abriu (Nm 14:16,21); recebeu ordem de Deus para apenas
falar com a rocha e esta soltaria água (Nm 20:8); Pedro mandou o coxo se
levantar e este foi curado (At 3:6), entre outras coisas. Será, então, que isso
significa que podemos fazer o mesmo apenas tendo fé? Depende: fé em quê?
O verso 22 diz “tende fé em Deus”. Ter fé em Deus significa acreditar no que
Deus falou. Foi Deus que falou com Moisés para falar com a rocha, que
colocou no coração de Pedro a certeza de que o coxo seria curado, que falou
que abriria o mar... Se Deus falar com certeza que uma montanha sairá do
lugar, pode falar com ela que ela sai. Caso contrário, vai tudo continuar como
está!
Essa passagem não é, portanto, uma carta branca para sair por aí “decretando”
e “determinando” as coisas, mas, antes, é um convite a acreditar em tudo que
Deus falar – se Ele falar, vai acontecer. Quem decreta e determina é Deus, nós
só podemos proclamar o que Ele já decretou e determinou.
Lucas 6:38a
,dai, e dar-se-vos-á; boa medida, recalcada, sacudida, transbordante ...
generosamente vos darão.
Trata-se de mais um texto usado fora do seu contexto, principalmente pelos
que gostam de dizer que as contribuições financeiras para a obra de Deus são
uma espécie de barganha, que rende bens materiais para quem as dá. O
argumento de Jesus começa no verso 27. “Amem os inimigos, ofereçam a
outra face, bendigam (mesmo aqueles que os maldizem), dêem a quem pede
etc.” No verso 31, Jesus arremata: “façam com os outros o que gostariam que
os outros façam com vocês”. Se assim fizermos, se tratarmos bem as pessoas,
se dermos nossas coisas para aliviá-las quando tiverem necessidade, a
conseqüência lógica é que também elas nos socorrerão quando precisarmos –
e nos darão medida plena, recalcada, transbordante... Se, por outro lado, as
julgarmos com severidade (verso 37), seremos julgados assim também. É a lei
da semeadura e da colheita. Tratem os outros bem e vocês receberão o
mesmo em troca – e isso não tem nada a ver com dar ofertas à igreja em troca
de bênçãos materiais.
Mateus 16:19, Mateus 12:29 e Marcos 3:27
Dar-te-ei as chaves do reino dos céus; o que ligares na terra terá sido ligado
nos céus; e o que desligares na terra terá sido desligado nos céus. Ou como pode alguém entrar na casa do valente e roubar-lhe os bens sem
primeiro amarrá-lo? E, então, lhe saqueará a casa.
Ninguém pode entrar na casa do valente para roubar-lhe os bens, sem primeiro
amarrá-lo; e só então lhe saqueará a casa.
Essas passagens são usadas para justificar a expressão “tá amarrado em
nome de Jesus”, ou qualquer outro ritual para “amarrar” os demônios (em
algumas versões em inglês “ligar”, em Mateus 16, é “bind”, ou seja, “amarrar”).
Também são usadas para justificar doutrinariamente uma suposta “legalidade”
que o diabo e os demônios teriam para agir. Em outras palavras, na teologia da
prosperidade e da confissão positiva, quem dá poder para os demônios agirem
(ou tira esse poder) são as pessoas e não Deus. Deus só observaria, passivo,
as atitudes das pessoas, que neste caso dão ou tiram o poder para que os
seres espirituais ajam. A soberania de Deus, assim, se torna um mero detalhe,
e Deus, de supremo controlador e sustentador de todas as coisas, passa para
o posto de mero expectador, sendo constantemente ameaçado pelas forças do
mal e precisando constantemente ser defendido por ninguém menos que nós,
criaturas com o poder de “amarrar” os demônios...
Primeiramente, é preciso mencionar que a gramática de Mt 16:19 não diz que
nós “amarramos” ou “ligamos” na terra e só então se “amarra” ou “liga” algo
nos céus, mas exatamente o contrário. O tempo verbal grego, literalmente
traduzido, é: “tudo que ligardes na terra terá sido ligado no céu”. “Terá sido”
implica que primeiro foi ligado no céu, para só então nós ligarmos na terra. Em
outras palavras, primeiro no céu, depois na terra, essa é a ordem – como, aliás,
qualquer outra coisa que Deus faz: primeiro Deus toma a iniciativa, depois o
homem segue o que Ele decretou. Esse entendimento acaba com o orgulho
humano, uma vez que tira do homem qualquer possibilidade de mudar a Deus,
que por falar nisso é imutável e sem qualquer sombra de variação (Tg 1:17). É
verdade que Tiago diz que a oração do justo é eficaz, mas curiosamente o
exemplo dado por ele foi o de Elias orando para não chover (Tg 5:17,18).
Quem, afinal, colocou no coração de Elias o desejo de orar para que não
chovesse, foi o próprio Elias que convenceu a Deus ou foi Deus que moveu o
profeta? Em segundo lugar, vale lembrar que o texto de Mateus não tem
absolutamente nada a ver com “amarrar demônios”.
Quanto aos textos sobre “amarrar o valente”, é importante entender que Jesus
não estava ensinando táticas para derrotar demônios, mas fazia apenas uma
analogia entre um ladrão que invade uma casa e amarra o dono para poder
roubar e aquele que expulsava os demônios (no caso, Ele próprio). Jesus havia
sido acusado de expulsar demônios por ser o maioral deles, e usou dessa
analogia para explicar que não fazia sentido expulsá-los sendo um deles, assim
como não fazia sentido invadir uma casa sem amordaçar (ou amarrar) o dono
desta. Além do mais, ainda que Jesus estivesse ensinando a amarrar
demônios, quem disse que isso se faz gritando uma frase mágica?
Nunca é demais lembrar, também, que Jesus e os apóstolos só expulsaram
demônios quando estes se apossavam das pessoas, eles nunca os expulsaram
de um determinado lugar, como fazem alguns hoje. Mateus 13:58 e Marcos 6:5,6
E não fez ali muitos milagres, por causa da incredulidade deles.
Não pôde fazer ali nenhum milagre, senão curar uns poucos enfermos,
impondo-lhes as mãos. Admirou-se da incredulidade deles.
Segundo os proponentes da teologia da prosperidade e da confissão positiva, o
poder de Jesus está limitado pela nossa fé. Quanto mais fé tivermos, dizem
eles, mais poder Jesus terá, e a prova seria essas passagens, que dizem que
Jesus “não pôde fazer muitos milagres em Nazaré por causa da incredulidade
das pessoas”. Mais uma vez, Deus é privado da Sua soberania, já que só pode
agir se os seres humanos permitirem.
O sentido dessas passagens, no entanto, fica claro quando entendemos para
que serviam os milagres de Jesus. Um dos termos gregos usados para
“milagre”, embora não seja o que foi usado nessas passagens, mas é muitas
vezes usado indistintamente em outras, significa “sinal”. Um sinal é algo que se
faz para que alguém veja e creia, ou seja, é como se fosse uma prova jurídica.
Aliás, esse é o termo preferido pelo evangelista João para se referir aos
milagres de Jesus. Em Jo 20:30,31, está escrito: “Na verdade, fez Jesus diante
dos discípulos muitos outros sinais que não estão escritos neste livro. Estes,
porém, foram registrados para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de
Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome.”
Em Lucas 4, temos um relato mais detalhado da ida de Jesus a Nazaré e da
incredulidade das pessoas de lá, que chegaram ao ponto de tentar matá-lo. A
pergunta óbvia que se faz é, por que Jesus iria desperdiçar sinais com pessoas
que não estavam dispostas a crer? Não, Jesus não teve seus poderes
limitados pela incredulidade do povo, simplesmente não quis fazer sinais se
estes não serviriam para nada.
Deuteronômio 28:1-14, Gênesis 39:3, Êxodo 15:26, Josué 1:8, I
Crônicas 22:13, II Crônicas 26:5, Salmo 1:3, Salmo 25:13, Salmo
112:1-3 etc.
São as únicas passagens bíblicas ou que prometem prosperidade para quem
obedecer ao Senhor ou que relatam que alguém prosperou por causa disso.
Não é por acaso que todas elas estão no Antigo Testamento. Na Nova Aliança,
não há qualquer promessa de que quem for fiel aos mandamentos de Deus
prosperará materialmente ou não estará sujeito às doenças que atingem os
demais seres humanos. Assim como, na Velha Aliança, não havia qualquer
“promessa”, como há no caso da Nova, de que quem servisse ao Senhor seria
perseguido por causa da justiça – mesmo assim, vale lembrar que vários
personagens do Antigo Testamento foram perseguidos, como Elias, Daniel e
Jeremias. O fato é que Deus se relaciona com as pessoas por meio de alianças. Estas
alianças são feitas conforme o nível de maturidade espiritual na qual a
humanidade se encontra. Exemplificando, ninguém trata o filho de 5 anos da
mesma forma que trata o que tem 25. Quando o filho pequeno pede uma bala,
o pai dá. Quando o filho adulto pede a mesma coisa, geralmente a resposta é
“vá trabalhar!”... No Antigo Testamento, Deus tratava as pessoas como um pai
trata um filho pequeno: obedeça, seja fiel, que você ganhará muitas
recompensas, será feliz, suas colheitas nunca falharão, você será rico, sua
mulher nunca será estéril (nem suas vacas), sua saúde será perfeita.
Desobedeça, e os céus não enviarão a chuva, as crias das suas vacas
abortarão, seus inimigos o perseguirão... No Novo Testamento, por outro lado,
depois que Jesus se humilhou e se esvaziou, tendo se tornado pobre mesmo
sendo o criador de tudo e o dono de todo o ouro, Deus passou a tratar a
humanidade como um pai que se relaciona com um filho maduro, ou seja, na
base do amor e não mais das recompensas. A humanidade já estava madura
para entender que deve se relacionar com Deus apenas pelo que Ele é, sem
buscar bênçãos materiais e saúde em troca e sem obedecer só pelo medo da
punição. Na Nova Aliança, as doenças já não são necessariamente punição
pela desobediência, mas muitas vezes podem até ser bênção, já que é em
meio à nossa fraqueza que o poder de Deus se aperfeiçoa.
O mais interessante é ver que, ainda na Antiga Aliança, muitos já tinham
entendido essa verdade, principalmente no caso dos profetas que foram
perseguidos. Notem como é tocante a oração de Habacuque: “ainda que a
figueira não floresça, que falte tudo, que todas as colheitas falhem, eu contudo
me alegrarei no Senhor” (Hc 3:17,18), ou ainda a forma como Jó, pelo menos
no início, reage à perda de tudo: “o Senhor deu, o Senhor tirou, bendito seja o
nome do Senhor” (Jó 1:21). Por mais absurdo que possa parecer, um defensor
da teologia da prosperidade uma vez me disse que Jó errou por não buscar a
cura...
Salmo 103:3
Ele é quem perdoa as tuas iniqüidades; quem sara as tuas enfermidades.
Davi estava num momento de alegria em que, provavelmente, tinha acabado
de ser curado de uma doença, possivelmente a mesma referida nos salmos 51,
32 e 38, por causa do seu pecado. Ele diz à sua própria alma que seja grata ao
Senhor, que é quem cura de todas as enfermidades. Só que Ele cura quando e
como quer, e ainda assim se quiser. Eu concordo com Davi, Deus cura tudo
(inclusive amputações!), mas só quando quer. Quando Ele diz não, eu me
contento com o fato de que o poder dEle se aperfeiçoa na minha fraqueza, na
minha enfermidade, na minha tristeza. Aliás, quando Paulo diz em II Co 12:10
que “sente prazer nas fraquezas”, a palavra grega usada para “fraquezas” é
exatamente a mesma usada em Mt 8:17 – ou seja, as fraquezas nas quais
Paulo sentia prazer eram as mesmas que Jesus levou sobre Si! Por que os
teólogos da prosperidade nunca mencionam isso? Será que eles não sabem,
ou escondem deliberadamente? Provérbios 18:21
A morte e a vida estão no poder da língua; o que bem a utiliza come do seu
fruto.
Esse texto é usado para justificar muitas coisas, dentre as quais a doutrina das
“maldições” e a própria confissão positiva, segundo a qual suas palavras
(confissão, no caso) têm algum poder mágico no mundo espiritual.
O livro de Provérbios é um pouco mais complicado quando se trata de colocar
passagens no contexto, já que cada provérbio é um dito isolado e não faz parte
de uma unidade textual. Por outro lado, existe algo chamado “contexto amplo”,
que é a idéia geral do autor ao escrever uma obra, e ainda o estilo literário.
Neste caso, vemos que o livro em questão contém conselhos para a vida
prática, discorrendo sobre criação dos filhos, conduta ética, temor de Deus,
sabedoria, obediência às autoridades e outras recomendações que, seguidas
na nossa vida prática, produzem uma vida coerente e centrada na vontade de
Deus. Desta forma, não se trata de um manual de batalha espiritual nem muito
menos de um tratado teológico sobre a ação de anjos e demônios, mas é um
livro bem “pé no chão”.
Dito isso, podemos entender que o verso em questão trata do uso da língua no
nosso quotidiano, e do grande poder que ela tem: com a língua você pode
magoar alguém, desfazer uma longa amizade, pode se meter em apuros,
principalmente se ofender alguém com mais poder que você, mas também
pode manifestar amor, produzir reconciliação, pode evitar até uma guerra.
Quem usa a língua com sabedoria comerá do fruto que essa mesma sabedoria
produz, e é isso e nada mais que o verso em questão está dizendo. Em Tiago
3:1-12 temos o mesmo tema novamente, de forma mais elaborada.
I Samuel 24:6 e Salmo 105:15
E disse [Davi] aos seus homens: O SENHOR me guarde de que eu faça tal
coisa ao meu senhor, isto é, que eu estenda a mão contra ele, pois é o ungido
do SENHOR.
Dizendo: Não toqueis nos meus ungidos, nem maltrateis os meus profetas.
Com base nesses dois versículos, criou-se dentro do protestantismo o mesmo
sistema sacerdotal católico, no qual há uma classe especial de “ungidos” que
estão acima dos demais crentes e, além disso, não podem ser criticados ou
questionados, pois afinal não se pode “tocar nos ungidos”. Esses tais se dizem
procuradores de Deus, verdadeiros mediadores, como era, por exemplo,
Moisés em relação ao resto do povo de Israel. Cito essas passagens aqui,
portanto, por serem usadas com freqüência pelos líderes que ensinam a
teologia da prosperidade.
Mas, afinal, o que significa “ungidos”? “Ungir” significa “derramar óleo sobre”, e
era, na cultura judaica antiga, a forma como os sacerdotes e reis eram iniciados no seu ofício. Em outras palavras, a unção credenciava o indivíduo
para ser mediador entre Deus e as outras pessoas. Por esta razão Jesus é
chamado de Cristo ou Messias, que são palavras que significam “ungido”. No
Novo Testamento, contudo, o termo “unção” só aparece duas vezes, dentro da
mesma passagem, em I Jo 2:20 e 27, que é um texto que diz que todos nós
recebemos a unção do alto – em outras palavras, bem de conformidade com a
doutrina protestante, todos nós somos sacerdotes. A palavra “ungido”, por
outro lado, só aparece na sua forma transliterada do grego, ou seja, Cristo, se
referindo a Jesus e nunca aos líderes da igreja, nem mesmo aos apóstolos.
E quanto aos versículos de I Sm 24:6 e Sl 105:15? A primeira passagem fala
de Saul, ungido como rei, e a segunda fala dos patriarcas Abraão, Isaque e
Jacó, que Deus aqui chama também de ungidos. “Tocar”, “estender a mão
contra” e “maltratar”, em ambos os contextos, significa utilizar de violência
física e não a crítica ou o questionamento. Não há qualquer legitimidade
exegética para transpor essas passagens do seu contexto original e aplicá-las
aos líderes da igreja, por mais abençoados que estes supostamente sejam. O
leitor pode ficar tranqüilo, o seu líder não é infalível nem intocável, quem crê
dessa forma é o catolicismo em relação ao papa. Se o seu líder falar ou ensinar
algo que não se harmoniza com as Escrituras, ele deve sim ser confrontado
(com respeito e submissão, obviamente, afinal, a não ser que ele seja um
usurpador, Deus o colocou como líder) e, se ele tentar usar de intimidação
citando as passagens já citadas, desconfie das intenções dele.
Caro leitor, se você gostou (também se não gostou) deste artigo e quiser
fazer alguma observação, crítica, correção ou agradecimento, sinta-se
encorajado a me escrever. Gostaria muito de saber sua opinião!
Renato (renfontes@gmail.com)
Referências bibliográficas auxiliares
Sobre a teologia da prosperidade:
HANEGRAAFF, Hank. Cristianismo em crise. Rio de Janeiro: CPAD, 1996.
ROMEIRO, Paulo. Evangélicos em crise: decadência doutrinária na igreja
brasileira. São Paulo: Mundo Cristão, 1996.
YANCEY, Philip. Decepcionados com Deus. São Paulo: Mundo Cristão.
Sobre a interpretação bíblica:
FEE, Gordon D; STUART, Douglas. Entendes o que lês? São Paulo: Vida
Nova, 1997.
ZUCK, Roy B. A interpretação bíblica. São Paulo: Vida Nova, 1994.
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