Por: Marcelo Lemos
Já comentei aqui o meu desconforto quando ouço alguém dizer: “Meus amados, hoje não vim trazer teologia para vocês, mas sim, uma mensagem quentinha do céu”. Claro que, provavelmente, eu tenha relatado isso com outras palavras. Perdoem-me pela falta de memória (Risos). Há vários motivos que me colocam na defensiva contra pregadores que usam tal afirmação, ou alguma variação da mesma. Um dos motivos é que entendo ser vetado ao pregador a prática da mentira.
Você está diante de um mentiroso toda vez que escutar a afirmação supra citada. Se Charles C. Ryle está correto ao definir o saber teológico como sendo“simplesmente pensar a respeito de Deus e expressar tais pensamentos de alguma forma”(1); então não pode haver pregador que não seja teológo, nem pregação que não seja teologia! De modo que mente todo homem que se diz pregador, e ao mesmo tempo nega não portar alguma teologia.
Pode ser que este homem simplesmente não saiba qual a definição para teologia; alguém poderá dizer. Sim, é possível. Porém, neste caso, não estará em condições melhores. Não conhecendo a definição para teologia, ele não somente mente, como também é um ignorante e presunçoso. É um ignorante por falar daquilo que ignora, daquilo que não conhece. É um presunçoso, pois se julga apto a emitir juizo de valor sobre algo em que não possui domínio, ou ao menos, conhecimento fundamental.
Em poucas palavras: este homem não serve como pregador.
É claro que alguns pregadores talvez possam ser perdoados por lhes faltarem um outro conhecimento: o domínio da lógica. Estes, seriam aqueles que falam mal da Teologia, sem que pretendessem fazê-lo. Como? Na verdade, o que querem criticar são os abusos comentidos em nome da Teologia, e não a Teologia em si. Contudo, desprovidos de dominío da lógica, o que os entrega a maldição de umdiscurso ambíguo, eles acabam criticando a Teologia mesma, ainda que sem deliberda intenção. Talvez possam ser perdoados, talvez… Mas, que esperar de um pregador que não consegue expressar claramente suas idéias?
No paragrafo acima, estão descritos aqueles pregadores e pastores que reconhecem, de pronto, o valor da Teologia, mas, preocupados com os abusos comentidos por gente que se diz “teologa”, tentam alertar a igreja sobre tais perigos, sem que no processo consigam diferenciar claramente uma coisa da outra. Falta-lhes, provavelmente, a arte de pensar com clareza, ou de expresar claramente suas idéias.
Supeito que exista também um outro grupo, formado por pessoas que imaginam o desprezo pela Teologia como indicação de maior devoção e de mais profunda espiritualidade. Os tais são facilmente identificados, dada sua descarada disposição em manipular o emocional dos ouvintes. Provavelmente você já ouviu algumas de suas declarações!
“Igreja do Senhor: eu tinha um sermão prontindo para vocês esta noite; porém, quando eu chegei neste lugar, o Espírito Santo mudou tudo – fez aquele rebuliço! Por isso, quero lhes dizer que tenho uma mensagem vinda diretamente do céu para vocês!”.
Eu gosto de anotar as pregações que escuto. Dificilmente ouço uma pregação sem tomar notas; sem fazer observações. Considero isso muito proveitoso. Primeiro, me força a estar consentrado no que estou ouvindo; segundo, me permite analisar melhor o que está sendo dito. Disfarçar o que estou pensando parece não ser o meu forte, daí alguns pregadores já terem me dado algumas “cajadas” fenomenais, de forma indireta.
“Eu sei que na minha retaguarda (ou seja, entre os que estão assentados no pulpito, como o costume assembleiano), existem pessoas com muito mais capacidade que eu. Eu sei que tem aqui no ‘Ministério’ (idem), verdadeiros mestres nas Escrituras… Mas, meu queridos, na minha simplicidade, quero lhes dizer que não vos trago teologia! O que trago hoje é pãozinho quente, alimento vindo direto do Trono do Pai!”.
Há uma cajada ainda melhor, e mais direta; provavelemente é a versão mais temida! Ei-lá:
“Quando o homem acha que sabe muito, o Espírito Santo é colocado de lado. Não importa quanto o pregador esteja cheio de unção, você olha para a cara do infeliz, e ele está lá, parado feito uma estátuda; nem mesmo um ‘glória’ consegue sair de seus lábios! Ao inves de abrir o coração para Deus, o infeliz quer analisar o sermão do pregador: sua homilética, sua exegese, sua oratória!”.
Evidentemente, eu não posso me esquecer da cajada [supostamente] dada pelo tele-pregador Marco Feliciano em um irmão ‘frio’. Segundo relato do próprio Feliciano, depois de ter entregue um de seus ‘saborosos’ sermões, um obreio da Igreja, demonstrando preocupação, lhe teria questionado sobre a exatidão exegética de sua pregação. A reação de Marco Feliciano, segundo seu próprio relato, foi responder da seguinte forma:
“ – Vá para os quintos dos infernos!”.
Um cajada destas, confesso, ainda falta no meu currículo…
É claro que eles, os pregadores que desprezam a Teologia, se valem de tal recurso emotivo por uma razão muito simples: a maioria de seus ouvintes associam ignorancia teológica com maior profundidade espiritual. Se tais pregadores soubessem que seus ouvintes desprezam aqueles que desprezam o saber teológico, jamais se valeriam de tais recursos. São verdadeiros oportunistas. Por isso, temos um problema muito mais sério a ser tratado aqui. Não é que os pregadores sejam ruins sozinhos, mas que boa parte daqueles que os ouvem não estão em situação melhor, ao menos, neste aspecto.
Este fenomeno, engana-se quem pensar estar restrito ao meio pentecostal. É uma tendencia geral, mesmo no meio reformado. Em toda a sociedade é senso comum entender que não é possível conhecer a verdade, principalmente averdade sobre Deus. Por isso, não é de se extranhar que os teológos, especialmente cristãos (devido o exclusivismo de sua religião), sejam vistos com extremadas desconfiança. Se antigamene a Teologia exercia papel importante na vida das pessoas, atualmente elas querem acreditam que a mesma édesnecessária, ou até mesmo perigosa.
Gordon H. Clark introduz seu livro In Defense of Theology [Em Defesa da Teologia], com um interessante comentário: “A Teologia, outrora aclamada ‘a Rainha das Ciências’, dificilmente chega ao posto de cozinheira hoje; ela é frequentemente desprezada, considerada com suspeita, ou simplesmente ignorada”(2). Este é o veredito da sociedade secular a nossa volta, e em grande parte, de muitos cristãos atuais. Mas, não é extranho que cristãos estejam trazendo para dentro da Igreja o mesmo desprezo que o mundo secularizadotem nutrido pela Teologia? Não seria desejável que nossos pregadores (e demais líderes locais) nos alimentassem com o conceito bíblico sobre esta questão?
Talvez nunca tenha lhe passado pela cabeça de muitos o fato de que a Bíblia tem um conceito próprio, e inspirado pelo Espírito Santo, sobre o valor e autilidade do saber teológico. O próprio Senhor Jesus Cristo é exemplo deste fato. Engana-se o cristão, leigo ou pregador, que imagine Cristo pregando movido por uma combustão espiritual instantânea, desprovido de qualquer relação com o saber intelectual do conteúdo das Escrituras, e de seu significado.
O saber teológico acompanhou o Senhor Jesus em todo o seu ministério. Mesmo depois de já ressurreto, em seu discursos aos discipulos, ele argumenta com eles apartir de conclusões extraídas diretamente do Livro Sagrado:
“E ele lhes disse: O néscios, e tardos de coração para crer tudo o que os profetas disseram! Porventura não convinha que o Cristo padecesse estas coisas e entrasse na sua glória?E, começando por Moisés, e por todos os profetas, explicava-lhes o que deles se achava em todas as Escrituras” – Lucas 24.25-27.
Tenho particular interesse nesta porção das Escrituras. Vemos aqui o Cristo Ressuscitado defendendo bíblicamente, por meio de exegese [o texto diz“explicava-lhes”!], a realidade de sua ressurreição. Que coisa magnífica! Que testemunho em favor da validade e importancia do saber teológico! Sabemos que Cristo poderia simplesmente ter provado que estava vivo por meio de experiencia sensorias, como milagres e prodigios; afinal, era o próprio Deus diante deles naquela hora! Mas, ele decidiu provar-lhes a realidade de sua ressurreição dos mortos, extraindo conclusões válidas apartir das Escrituras!
Que ousadia têm aqueles pregadores e cristãos que desprezam o saber teológico, preferindo em seu lugar qualquer outra coisa, como experiencias e emoções! Eles se acham melhores que Cristo! Eles se consideram mais eficazes que o próprio Senhor, a quem dizem servir e amar! Do contrário, não é certo que deveriam seguir Seu exemplo? Como se atrevem a desprezar aquilo que Seu Deus valorizou?
Todo pregador é um teólogo. Ainda que um pregador seja estúpido, ele é um teológo, pois transmite reflexões a respeito de Deus, e da fé. Um teológo que despreza a teologia também é um teólogo, uma vez que para chegar ao entendimento de que deveria desprezar o saber teológico, ele precisou refletirteologicamente; ou seja, ele precisou metidar e tirar conclusões sobre Deus, e sobre a fé. Logo, seu desprezo pela teologia, é uma teologia, e ele mesmo, um teólogo. Sim, tal coisa é absurdamente contráditoria e auto-destrutiva; de modo que apesar de estúpido, ele é um teólogo.
Um pregador que desdenha o valor da Teologia é um mentiroso, pois não é possível refletir sobre Deus, sem fazer Teologia. É neste sentido que Ryle nos diz que até “o ateu possui uma teologia” (3).
Pense comigo em um pregador pentecostal, de quem se espera subscrever a confissão de fé das Assembléias de Deus (4). Tal pregador pretende expor suas reflexões a respeito de Lucas 12.49; onde lemos o seguinte;
“Vim lançar fogo na terra; e que mais quero, se já está acesso?”.
Então, o pregador inicia seus comentários sobre o texto bíblico, informando a Igreja de que “fogo”, nas Escrituras, é simbolo do Espírito Santo. Logo, sua intenção é demonstrar que o “fogo” do texto acima citado, é o Espírito Santo. É possível que tal pregador já tenha lido uma e outra obra de Teologia Sistemática, pois se julga apto a sentenciar que “fogo nas Escrituras é simbolo do Espírito Santo”; todavia, é certo que não compreendeu adequadamente o que leu.
A afirmação de que “fogo” nas Escrituras nos fale sobre “Espírito Santo” é umasentença teologica, porém, teologicamente inadequada, na verdade, erronea. E tal pregador [trata-se, esclareço, de um caso real, presenciado por mim!] evitaria tal erro se manejasse corretamente a Teologia Sistemática! Com efeito, uma rápida consulta a obras de referencia, seria o suficiente para lhe informar quealgumas vezes as Escrituras usam o fogo como ilustração para a obra do Espírito Santo. Em outras palavras, nem todo “fogo” bíblico, representa o Espírito Santo, ou sua obra!
Myer Pearlman, um dos mais conceituados e populares teologos pentecostais já publicados no Brasil, escreve “Deus achou por bem ilustrar com símbolos o que de outra maneira, devido a pobreza da linguagem humana, nunca poderiamos saber… (Isa. 4.4; Mat. 3.11; Luc. 3.16) o fogo ilustra a limpeza, a purificação, a intrepidez ardente, e o zelo produzido pela unão do Espírito. O Espírito é comparado ao fogo porque o fogo aquece, ilumina, espalha-se e purifica” (5).
O texto em questão (Lucas 12.49) fala do Espírito Santo, ou de uma ação de Deus, cuja intenção é aquecer, iluminar, ou purificar? Ou quem sabe, é objetivo do texto falar sobre limpeza, purificação, ou zelo espíritual? Não! O texto, a luz do contexto, fala dos possíveis problemas familiares causados pela conversão de um individuo a fé cristã. Nem mais, nem menos!
Tal pregador ensina o erro por não respeitar o sentido claro do contexto, e por usar inadequadamente as afirmações da Teologia Sistemática. Ele manipula, ainda que sem intenção, um e outro, comentendo erro de interpretação e de aplicação. E o que é ainda pior: conduz outros ao erro, pois trata-se de um pregador, um formador de opinião!
Mas, que tem haver o fato de este pregador subscrever a credo das Assembléias de Deus no Brasil? Tem, como demonstraremos, tudo haver. Segundo a confissão de fé das Assembleias de Deus, que neste particular, se alinha as demais confissões ortodoxas, em que momento foi o Espírito Santo dado a Igreja? Apenas, todos responderam, no dia de Pentecostes! Portanto, Jesus não pode, antes de Sua Morte, dizer que o nada mais deseja, pois o “fogo já está acesso”, como uma referencia ao ministério do Espírito Santo!
Ao ensinar o que ensinou naquele dia, tal pregador mutilou toda e qualquer Teologia Sistemática respeitável, e ainda passou por cima da confissão de fé de sua denominação; além, como já dissemos, do mais grave: desrespeitar o contexto da passagem, numa clara demonstração de pouco, ou nenhum, preparo para a tarefa da exegese.
O exemplo acima é um pouco complexo. Tenho agora em mente algo mais palpável; trata-se de um outro caso que também presenciei. Eis o que aconteceu: estava o pregador a falar sobre a necessidade do crente ser batizado com o Espírito Santo e, em dado momento, com grande emoção, ele sentencia:
“Se você naquele Grande Dia, não tiver este grande poder sobre a sua vida, será deixado neste mundo de pecado. Quer saber o motivo? É muito simples: o Espírito Santo é como o fogo, ele é com um combustível colocado dentro do crente, e na hora que Jesus voltar, só quem tiver este combustível vai poder subir aos céus!”.
Talvez possamos identificar duas ou três afirmações questionáveis nesta aplicação; contudo, quero me ater apenas aquela que fere toda e qualquer confissão de fé ortodoxa que conheçemos, e não pode ser sustentada apelando para qualquer Teologia Sistemática que se preze. Me refiro a confussão de tal pregador, em achar que quem não fala em línguas não possui o Espírito Santo de Deus! Tal absurdo não pode ser sustentado nem mesmo apelando para obras publicadas por sua denominação.
Diz a maior denominação pentecostal do Brasil: “Os pentecostais, ao insistirem que a experiencia de um batismo distintivo no Espírito Santo está a disposição dos crentes hoje, não estão sugerindo que os cristãos que não falam em outras línguas não têm o Espírito Santo… a pessoa tem o Espírito Santo habitando neladesde o momento da regeneração” (6). (grifos nossos)
Com efeito, ninguém será salvo ser possuir o Espírito Santo (Rom. 8.9); porém, nem mesmo a Teologia Pentecostal sustenta que não falar em outras línguasseja sinonimo de não ter o Espírito Santo. Portanto, meu querido pregador, todo cristão regenerado, falador ou não de outras linguas, terá combustível suficiente para ir aos céus – pois somos todos, desde o novo nascimento, templos do Espírito de Deus!
Creio que estes poucos exemplos, extraídos das Escrituras e de eventos atuais, servem para nos fazer compartilhar da afirmação de Martin Lloyd-Jones;
“Para mim, nada é mais importante para um pregador do que o fato que ele deveria estar de posse da teologia sistemática, conhecendo profundamente e estando bem arraigado nela… O emprego correto da teologia sistemática consiste em que, quando descobrimos alguma doutrina específica no texto selecionado, nós averiguamos e controlamos, assegurando-nos de que ela cabe dentro de todo esse corpo de doutrinas bíblicas que é vital e essencial.”. Para ler o pensamento na integra, acesse o link original, do Cinco Solas.
Se precisássemos parafrasear o que o autor esta dizendo, escreveriamos: quando pretendo pregar sobre um texto, é fundamental que eu o leia, o interprete, e busque aplicá-lo no contexto atual da Igreja (e da minha própria vida). Quando faço isso, estou extraindo doutrinas e princípios do texto. Mas, será que tais doutrinas ferem a ortodoxia bíblica? Será que não estou criando um heresia sem pé-nem-cabeça? Existe um meio comumente eficaz para se descobrir a respota: conhecer Teologia Sistemática!
Notas:
(1) Teologia Básica; Charles C. Ryle; traduzido livremente do espanhol.
(2) In Defense of Theology; Gordon H. Clark; citado em ‘Justificação da Teologia como disciplina intelectual’, de Robert L. Reymond; publicado no Brasil pelo portalwww.monergismo.com
(3) Teologia Básica; Charles C. Ryle.
(4) Não me refiro especificamente a um pregador pentecostal-clássico; pois é possível ser assembleiano, e não adotar a doutrina pentecostal clássica, e ainda assim subscrever a confissão de fé das Assembleias de Deus no Brasil, conhecida como “Cremos”. Pessoalmente, o único ponto do Cremos que não subscrevo é o Artigo 11, que estabelece o dispensacionalismo como dogma de fé.
(5) Conhecendo as Doutrinas da Bíblia; Myer Pearlman; pg. 183; Editora Vida.
(6) Teologia Sistemática; Autores Diversos; pg. 454; CPAD.
(1) Teologia Básica; Charles C. Ryle; traduzido livremente do espanhol.
(2) In Defense of Theology; Gordon H. Clark; citado em ‘Justificação da Teologia como disciplina intelectual’, de Robert L. Reymond; publicado no Brasil pelo portalwww.monergismo.com
(3) Teologia Básica; Charles C. Ryle.
(4) Não me refiro especificamente a um pregador pentecostal-clássico; pois é possível ser assembleiano, e não adotar a doutrina pentecostal clássica, e ainda assim subscrever a confissão de fé das Assembleias de Deus no Brasil, conhecida como “Cremos”. Pessoalmente, o único ponto do Cremos que não subscrevo é o Artigo 11, que estabelece o dispensacionalismo como dogma de fé.
(5) Conhecendo as Doutrinas da Bíblia; Myer Pearlman; pg. 183; Editora Vida.
(6) Teologia Sistemática; Autores Diversos; pg. 454; CPAD.
Autor: Marcelo Lemos
Fonte: [ Olhar reformado ]
Fonte: [ Olhar reformado ]
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