- O Deus que já não honramos mais.
- Por que Deus nos protegeria?
Enquanto Paulo começa em Romanos 2.17 falando diretamente aos judeus, lembre-se de que, hoje em dia, eles representam um povo com a Bíblia. Será que, no nosso caso, que temos a Bíblia em nossas estantes, nós que contamos com a igreja no nosso meio, nós que temos uma cultura gerada pela Reforma, temos o bastante para a salvação?
Se, porém, tu que tens por sobrenome judeu, repousas na lei e te glorias em Deus. (2.17)
"Repousas na lei" deve nos lembrar do que acabamos de ler emSofonias 3.11. Paulo está falando ao povo que se tornou soberbo em razão de o "santo monte" (Sf 3.11) encontrar-se bem no meio deles. E eles "repousam" neste fato.
... que conheces a sua vontade... (2.18a)
Mas o que os judeus tem? Eles têm a Bíblia. Como dirá Paulo mais tarde, "Qual é, pois, a vantagem do judeu? Ou qual a utilidade da circuncisão? Muita, sob todos os aspectos. Principalmente porque aos judeus foram confiados os oráculos de Deus" (3.1-2). A principal vantagem que os judeus tiveram em relação a todas as demais pessoas era que eles tinham a Bíblia. Eles conheciam a vontade de Deus (2.18). Eles confiavam nisto (2.17). Contudo, havia aí um problema muito sério: ter esta bênção tão especial os tornou soberbos. E aí é precisamente que muitas pessoas se encontram hoje. Repare em todas aquelas catedrais da Europa. As pessoas ouvem os sinos da catedral. Não basta? Elas têm suas crianças batizadas, crismadas, confirmadas. Elas realizam seus casamentos na igreja. Não basta?
E a mesma mentalidade é encontrada nos Estados Unidos. Temos uma das maiores porcentagens de pessoas freqüentadoras de igrejas de todos os tempos - maior até do que nos tempos em que as pessoas realmente acreditavam em alguma coisa! Ainda assim, Deus está dizendo aos judeus lá do primeiro século, mas igualmente a muitas pessoas do nosso próprio tempo, que toda essa herança judaica (ou cristã) não representa mais do que um grão de areia. Tudo isso só condena você ainda mais!
Se, porém, tu que tens por sobrenome judeu, repousas na lei e te glorias em Deus; que conheces a sua vontade, e aprovas as coisas excelentes, sendo instruído na lei; que estás persuadido de que és guia dos cegos, luz dos que se encontram em trevas, instrutor de ignorantes, mestre de crianças, tendo na lei a forma da sabedoria e da verdade; tu, pois, que ensinas a ou trem, não te ensinas a ti mesmo? Tu, que pregas que não se deve furtar, furtas? Dizes que não se deve cometer adultério, e o cometes? Abominas os ídolos, e lhes roubas os templos? Tu, que te glorias na lei, desonras a Deus pela transgressão da lei? Pois, como está escrito, o nome de Deus é blasfemado entre os gentios por vossa causa. (2.17-24)
Que terrível! Lá estão os judeus, que haviam sido destinados a revelar a imagem do Deus vivo a um mundo perdido (2.19-20), e não obstante eles só conseguiam ver a sua missão como um motivo para soberba(2.17, 23). Vemos o mesmo problema entre os cristãos de hoje. O que você acha que é para um missionário a coisa mais difícil de encarar no início de um ministério novo? Não conheço um único missionário que discordasse que o maior problema que tem de enfrentar é o dos que estiveram lá antes deles e que passaram ser associados à palavra cristão nas mentes das pessoas do local. Quando Livingston tentou pregar o evangelho na África, teve de encarar o fato de que as pessoas relacionavam o Cristianismo aos portugueses, que foram traficantes de escravos naquela parte do mundo. Até recentemente, o maior problema que os missionários enfrentavam nas regiões muçulmanas era que os muçulmanos, que não devem beber vinho, associavam os cristãos aos mercadores que lucravam com a venda daquela mercadoria que eles mesmos não podiam comercializar. Quando pessoas com a Bíblia - sejam elas judias ou cristãs - têm este tipo de comportamento, ao invés de irradiarem luz estão disseminando a escuridão.
Normalmente associamos a palavra missionário ao Cristianismo, mas os judeus dos tempos do Antigo Testamento eram todos, em certo sentido, chamados para ser missionários. O livro de Jonas é o melhor exemplo disso. Quando pensamos em Jonas, é claro que pensamos no grande peixe, mas a história de Jonas é importante, principalmente, como exemplo do fracasso de Israel em proclamar a sua mensagem missionária. Jonas foi chamado a pregar em Nínive, mas ao invés de aceitar este chamado missionário, ele pegou um barco que estava zarpando na direção oposta a Nínive.
Ezequiel também fala do fracasso de Israel em sua missão: "Assim diz o SENHOR Deus: Esta é Jerusalém; pu-la no meio das nações e terras que estão ao redor dela. Ela, porém, se rebelou contra os meus juízos, praticando o mal mais do que as nações, e transgredindo os meus estatutos mais do que as terras que estão ao redor dela" (Ez 5.5-6a).Deus pôs Jerusalém no meio das outras nações com certo propósito. O propósito de Israel era falar da existência de Deus e de seu caráter e chamar as outras nações para Deus. Jonas é um bom exemplo do fracasso de Israel em fazer isso, mas ele não é, sob hipótese alguma, o único. Os judeus deviam ser um testemunho de Deus, mas, ao invés disso, diz Ezequiel, eles representaram exatamente o contrário. Desde os tempos do cativeiro na Babilônia, os judeus foram espalhados pelo mundo conhecido. Se eles apenas tivessem ficado firmes em Deus! Mas, como Jonas ilustra, e Ezequiel disse, e Paulo está dizendo em 2.17-24, eles fizeram exatamente o oposto. Quando Salomão dedicou o Templo, ele declarou que o mesmo se tornaria a "Casa de Oração de todos os povos" (veja 2Cr 6.32; Is56.7; Mt 21.13). Mas acabou ocorrendo precisamente o contrário.
O templo devia ser um testemunho ao mundo de que Deus existe, de que ele realmente está aí. A realidade de Deus deveria ser vista por meio da retidão de vida das pessoas que ministravam na sua casa. Também deveria se tornar manifesta pela forma como Deus protegia o seu povo na batalha. Sendo este um mundo caído, a nação escolhida por Deus necessitaria de tempos em tempos da sua proteção na batalha, e sua intenção era oferecer a eles esta proteção, como teste¬munho para as nações. Mas, devido ao seu pecado, Deus parou de protegê-los e todas as nações podiam agora dizer "o Deus deles é igualzinho a todos os outros". A imoralidade de Israel levou todas as outras nações a blasfemar (2.24) contra Deus. Israel deveria ser uma demonstração viva do fato de que Deus está aí. Ao invés disso, em razão de seu pecado e conseqüente serre de derrotas na batalha, as outras nações diziam que "o Deus de Israel não está aí".
Para aplicar um termo neotestamentário à situação de Jonas, por causa de ele tomar a direção oposta, o evangelho não foi pregado a Nínive (até que Jonas se arrependesse). Devido ao pecado tão freqüente de Israel, o bom caráter de Deus não era mostrado ao mundo. Como Isaías expressou, ao invés de trazer à tona algo equiparável a um nascimento espiritual, Israel só conseguiu constatar que "o que demos à luz foi vento" (Is 26.18).
Infelizmente, o mesmo pode muitas vezes ser aplicado aos cristãos de hoje. Mais do que freqüentemente as pessoas de outras religiões que vieram a ter contato com cristãos afastaram-se com repulsa. Praticamente todos os líderes de seitas do mundo de hoje foram formados nas nossas universidades e delas saíram intocados e sentindo repulsa. Ao mesmo tempo, Deus muitas vezes também retirou a sua mão protetora, permitindo que os povos pautados pelo Cristianismo caíssem sob a influência de ideologias tais como o comunismo ateísta ou religiões pagãs do oriente. Nossa situação é perfeitamente paralela àquela dos judeus nos tempos bíblicos. Tanto os judeus daquela época quanto os cristãos de hoje falharam em manifestar para todo o mundo o fato de que Deus realmente existe. Por isso, como Ezequiel prossegue dizendo, "assim serás objeto de opróbrio e ludibrio, de escarmento e espanto às nações que estão ao redor de ti, quando eu executar em ti juízos com ira e indignação, em furiosos castigos. Eu, o SENHOR, falei" (Ez5.15).
Que triste situação. Lá estão as nações; elas deveriam estar olhando para Israel e vendo que Deus existe. Mas ao invés disso, Deus teve de julgar Israel. De fato ele usou estas mesmas nações inimigas para julgar Israel. Ao invés de olhar para Israel e reconhecer a Deus, eles destruíram Israel, ao mesmo tempo em que blasfemavam contra o seu Deus. E é isso precisamente que Paulo está dizendo em Romanos 2: "Em cada área da vida em que você deveria ter sido um testemunho; ao invés disso, você se mostrou pecaminoso e orgulhoso, e por isso Deus teve que avisá-lo. E isso, por sua vez, levou as outras nações a blasfemar contra o seu Deus".
O que nós, que somos parte da cristandade do século 20, podemos fazer, além de nos vestirmos de pano de saco e nos cobrir de cinzas e dizer"amém. A que ponto foi que chegamos. Somos motivo de blasfêmia. Deus já não nos pode proteger"? Até os nossos dias, todas as maiores nações "cristãs" da história ficaram sabendo da verdade, mas acabaram deliberadamente por dar-lhe as costas. Tudo o que podia ser dito contra os judeus dos tempos de Paulo pode ser dito agora contra nós. Ao invés de sermos missionários, temos dado motivos de blasfêmia aos incrédulos. Nós não apenas deixamos de pregar a mensagem positiva da salvação, mas estamos pregando, ao invés disso, uma mensagem contrária, e temos dado motivos aos incrédulos para se desviarem de um Deus que nós já não honramos.
Alguns capítulos adiante, Ezequiel diz o seguinte aos habitantes de Judá, o reino do extremo sul: "Também Samaria não cometeu metade de teus pecados; pois tu multiplicaste as tuas abominações mais do que elas, e assim justificaste a tuas irmãs, com todas as abominações que fizeste. Tu, pois, leva a tua ignomínia, tu que advogaste a causa de tuas irmãs, pelos teus pecados, que cometeste mais abomináveis do que elas; mais justas são elas do que tu; envergonha-te logo também, e leva a tua ignomínia, pois justificaste a tuas irmãs" (Ez 16.51-52). Então, noversículo 56: "Não usaste como provérbio o nome Sodoma, nos dias de tua soberba". E, mais adiante, no versículo 61: "Então, te lembrarás dos teus caminhos e te envergonharás quando receberes as tuas irmãs, assim as mais velhas como as mais novas, e tas darei por filhas". Em outras palavras, Ezequiel está dizendo que os judeus dos seus dias eram piores até mesmo do que os notórios sodomitas. Jesus mesmo disse algo semelhante dos judeus do seu próprio tempo, que "se em Sodoma se tivessem operado os milagres que em ti se fizeram, teria ela permanecido até ao dia de hoje" (Mt 11.23).
É neste ponto em que estamos em nossa própria cultura cristã hoje. Eu não aprecio o comunismo, mas eu acredito que a China comunista não é tão má aos olhos de Deus quanto a nossa própria cultura. Nós, que vivemos no norte da Europa e na América do Norte, desde a Reforma temos sido em muito abençoados pelas luzes da verdade. Entretanto, nós nos desviamos deliberadamente dela. Quando eu ouço Paulo perguntar aos judeus da sua época: "vocês estão achando que serão salvos, só porque são judeus, enquanto que, na verdade, vocês têm sido um motivo de blasfêmia para as nações?" Tenho certeza de que Deus está fazendo a mesma pergunta aos que se chamam cristãos no norte da Europa e na América do Norte hoje em dia. Estamos sendo um motivo de blasfêmia. Isso não é nenhuma desculpa para o outro lado, o das pessoas sem a Bíblia; como vimos anteriormente (1.18—2.16), elas serão condenadas do mesmo jeito. Mas não temos desculpa alguma. Não podemos dizer "nós é que estamos certos. Certamente Deus vai nos proteger". Por que ele deveria? Somos uma blasfêmia contra Ele!
Paulo declarou que tanto os gentios quanto os judeus de seus dias estavam sob a ira de Deus. Em 3.9-20 ele dirá a mesma coisa, em maiores detalhes, chegando ao ponto mais alto com esta con-clusão tão citada: "pois todos pecaram e carecem da glória de Deus" (3.23), que é uma outra forma de dizer que "todos estão sob a ira de Deus". Ou como em Isaías: "Todos nós andávamos desgarrados como ovelhas" (Is 53.6). Quem precisa de Salvador? O gentio pecou; o judeu pecou. O homem sem a Bíblia pecou; o homem com a Bíblia pecou. Quem precisa do Salvador? A resposta nos parece agora bastante simples, não é? Todo mundo, homens e mulheres, precisam do Salvador! E, se quisermos viver no mundo como ele é, e não em algum mundo de faz de conta, teremos de viver sob estas condições. Quando as pessoas nos perguntam: "Quem precisa de Salvador?", devemos responder muito calmamente, muito sobriamente, e com real compaixão que "todos pecaram e carecem da glória de Deus".
Quando consideramos que Paulo estava falando de todos os judeus e de todos os gentios como sendo pessoas igualmente pecadoras aos olhos de Deus, é importante que nós, os cristãos de hoje, não olhemos para trás, para os leitores do primeiro século, como se nos encontrássemos acima deles. Como Paulo nos lembra em Efésios 2.3, nós "éramos por natureza filhos da ira", não passávamos do pior e mais desnorteado tipo de pecador. Todos nós temos estado sob a ira de Deus. Se tivermos aceitado Cristo como nosso Salvador, a ira de Deus já não estará mais sobre nós. Mas isso não se deve a alguma coisa de nós mesmos, alguma coisa que esteja embutida em nossa herança genética, ou em nossa cultura cristã. Se não estamos sob a ira de Deus neste preciso momento, isso se deve tão somente ao fato de que, devido à sua graça, Cristo morreu por nós e, igualmente pela sua graça, nós o aceitamos como Salvador. Não podemos supor termos sido resgatados graças à bondade inerente de qualquer um que ainda se encontra sob a ira de Deus. Sempre que analisamos a ira de Deus contra o mundo pecaminoso, a postura certa é a que diz: "Eu já estive nesta posição eu mesmo, e lá eu mereceria estar, se não fosse a obra consumada de Jesus Cristo". É somente no espírito desta humilde constatação que ousamos prosseguir.
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