Paulo disse que, em comparação com o seu grande propósito de pregar o evangelho, não considerava sua preciosa para si mesmo; mas temos certeza de que Paulo valorizava a sua própria vida. Como todo homem, ele tinha amor pela vida e sabia que sua própria vida era importante para a igreja e a causa de Cristo. Certa vez Paulo disse: “Por vossa causa, é mais necessário permanecer na carne” (Fp 1.24). Ele não estava cansado da vida, nem era uma pessoa tola que tratava a vida como fosse algo que podia lançar fora nos esportes. Paulo valorizava a vida, visto que valorizava o tempo, que constitui a vida, e usava de modo prático cada dia e hora, “remindo o tempo, porque os dias são maus” (Ef 5.16). Apesar disso, Paulo falou aos presbíteros da igreja de Éfeso que não considerava a sua vida preciosa, em comparação com o dar testemunho do evangelho da graça de Deus.
O apóstolo considerava a vida como uma carreira que tinha de realizar. Ora, quanto mais rapidamente corrermos, tanto melhor será a carreira. Com certeza, a extensão não é o alvo desejado. O único pensamento de um corredor é como ele pode alcançar mais rapidamente a marca de chegada. Ele menospreza o solo; não se preocupa com o percurso, exceto com o fato de que aquele é o caminho pelo qual ele tem de correr para atingir seu objetivo. A vida de Paulo era assim. Todo o vigor de seu espírito estava concentrado na busca de um único objetivo, ou seja, dar testemunho do evangelho da graça de Deus. E a vida que Paulo tinha aqui embaixo era valorizada por ele somente como meio para atingir seu objetivo.
Paulo também considerava o evangelho e seu ministério de testemunhá-lo como um depósito sagrado que lhe fora confiado pelo próprio Senhor. Paulo via a si mesmo como aquele a quem o evangelho fora confiado (cf. 1 Ts 2.4) e resolvera ser fiel, embora isso lhe custasse a vida. Diante dos olhos de sua mente, Paulo via o Senhor tomando em suas mãos traspassadas o cofre precioso que continha a jóia celestial da graça de Deus e dizendo-lhe: “Eu o redimi com meu sangue, eu o chamei por meu nome; agora confio esta coisa preciosa às suas mãos, para que você cuide dela e guarde-a até com o seu próprio sangue. Eu o comissiono a ir por todos os lugares, com meu substituto, para fazer conhecido a cada pessoa, debaixo do céu, o evangelho da graça de Deus”.
Todos os crentes ocupam um lugar semelhante ao de Paulo. Nenhum de nós é chamado ao apostolado, nem todos somos chamados à pregação pública da Palavra de Deus. No entanto, somos todos encarregados de sermos ousados em favor da verdade, na terra, e de batalharmos diligentemente pela fé que uma vez foi entregue aos santos. Oh! que façamos isso no mesmo espírito do apóstolo dos gentios! Como crentes, somos chamados a algum tipo de ministério. Isso deve fazer de nossa vida uma carreira e uma causa que nos levem a considerar-nos guardiões do evangelho, assim como um soldado que porta as insígnias de um regimento se considera obrigado a sacrificar tudo em favor de sua preservação.
O que era esse evangelho pelo qual Paulo estava disposto a morrer? Não era qualquer coisa chamada “evangelho” que produzia esse entusiasmo. Em nossos dias, temos evangelhos pelos quais eu não morreria, nem recomendaria a qualquer de vocês que vivessem por eles, pois são evangelhos que se extinguirão em poucos anos. Nunca é digno que morramos por uma doutrina que morrerá por si mesma. Já vivi tempo suficiente para ver o surgimento, o florescimento e a decadência de vários evangelhos. Há muito disseram-me que minha velha doutrina calvinista estava ultrapassada, era uma coisa desacreditada. Em seguida, ouvi que o ensino evangélico, em qualquer forma, era uma coisa do passado que seria suplantada por “pensamentos avançados”.
No entanto, costumava haver no mundo um evangelho que consistia de fatos nunca duvidados pelos verdadeiros cristãos. Na igreja havia um evangelho que os crentes abrigaram no coração como se fosse a vida de sua alma. No mundo, costumava haver um evangelho que provocava entusiasmo e recomendava o sacrifício. Milhares e milhares se reuniam para ouvir esse evangelho ao risco de sua própria vida. Homens o pregaram, mesmo em face da oposição dos tiranos; sofreram a perda de todas as coisas, foram presos e mortos por causa desse evangelho, cantando salmos em todo o tempo. Não há remanescente desse evangelho? Ou chegamos à terra da ilusão, na qual as almas passam fome, alimentando-se de suposições, e se tornam incapazes de ter confiança ou zelo? Os discípulos de Jesus estão agora se alimentando da espuma do “pensamento” e do vento da imaginação, nos quais os homens se enlevam e ficam exaltados? Ou retornaremos ao alimento substancial da revelação infalível e clamaremos ao Espírito Santo que nos alimente com sua própria Palavra inspirada?
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