Se alguém ensina uma doutrina diferente (1 Tm 6.3,4). A palavra no grego é um verbo composto e pode ser traduzido: "ensinar outras coisas". Mas não há dúvida sobre o seu significado; o apóstolo está condenando todos os que não aceitam esse tipo de ensino, mesmo que não se oponham aberta e irrestritamente à sã doutrina. E possível não professar um erro ímpio e público, e no entanto corromper a doutrina da piedade através de sofismas ostentosos. Porque, quando não há progresso ou edificação procedente de algum ensino, o afastamento da instituição de Cristo já está concretizado. Mas ainda que Paulo não esteja falando dos confessos originadores de doutrinas ímpias, e, sim, acerca de mestres fúteis e destituídos de religião, que do egoísmo ou avareza deformam a simples e genuína doutrina da piedade, não obstante percebemos quão aguda e veementemente ele os ataca. E não é de estranhar, pois é quase impossível exagerar o volume de prejuízo causado pela pregação hipócrita, cujo único alvo é a ostentação e o espetáculo vazio de conteúdo. Torna-se, porém, ainda mais evidente, à luz do que segue, a quem precisamente ele está responsabilizando aqui. Pois a próxima cláusula - e não consente com as sãs palavras - é tencionada como uma descrição de homens desse tipo, desviados por tola curiosidade, comumente desprezam tudo o que é benéfico e sólido e se entregam a excentricidades extravagantes, à semelhança de cavalos obstinados. E o que é isso senão a rejeição das sãs palavras de Cristo? São chamadas sãs em virtude de seu efeito de conferir-nos solidez, ou porque são qualificadas para promover a solidez.
E com a doutrina da piedade tem o mesmo sentido. Pois ela só será consistente com a piedade se nos estabelecer no temor e no culto divino, se edificar nossa fé, se nos exercitar na paciência e na humildade e em todos os deveres do amor. Portanto, aquele que não tenta ensinar com o intuito de beneficiar, não pode ensinar corretamente; por mais que faça boa apresentação, a doutrinação não será sã, a menos que cuide para que seja proveitosa a seus ouvintes. Paulo acusa a esses infrutíferos mestres, primeiro de insensatez e de fútil orgulho. Em segundo lugar, visto que o melhor castigo para os interesseiros é condenar todas as coisas nas quais, em sua ignorância, se deleitam, o apóstolo diz que eles nada sabem, embora estejam inchados com argumentos inúmeros e sutis. Não têm nada sólido senão só vácuo. Ao mesmo tempo, o apóstolo adverte a todos os piedosos a não se permitirem que se desviem por esse gênero de exibição fútil, mas que, ao contrário, permaneçam firmes na simplicidade do evangelho.
Apaixonado por questionamentos. Eis uma comparação indireta entre a solidez da doutrina de Cristo e essa 'paixão'. Pois quando esses questionadores sutis tiverem se cansado com seu enfadonho assunto, que resultado terão eles de revelar a todos os seus esforços, a não ser que o seu mal se agrave crescentemente? Não só se desgastam por nada, mas sua insensata curiosidade provoca essa 'paixão'. E daqui segue-se que estão muito longe de beneficiar razoavelmente com o seu ensino, como devem proceder os discípulos de Cristo.
Paulo tem boas razões para mencionar juntos, questionamentos e contendas de palavras, porque, pelo primeiro termo, ele não quer dizer o tipo de questão que nasce de um moderado e sóbrio desejo de aprender ou que contribui para aclarar explanações de pontos úteis; mas, ao contrário, o tipo de questão que hoje é discutido nas escolas da Sorbone, com o intuito de exibir habilidade intelectual. Ali, uma questão leva a outra, porque não há fim para elas, quando todos se precipitam em sua vaidade, procurando saber mais do que deveriam, e isso gera infindáveis contendas. Assim como as densas nuvens, no tempo de calor, não se dissipam sem trovoada, assim também essas escabrosas questões inevitavelmente prorrompem em discussões sem fim.
Ele dá o nome de [logomaquias- questões de palavras] às disputas contenciosas em torno de palavras, quando devia ser em torno do que é real, as quais são, como comumente se diz, sem conteúdo ou fundamento. Caso alguém investigue atentamente o tipo de questões que ardentemente preocupam aos sofismas, descobrirá que dali nada nasce que seja real, senão o que é forjado do nada. Em suma, o propósito de Paulo era condenar todas as questões que nos envolvem em acirradas disputas sobre assuntos dos quais nada resulta.
Dos quais procede inveja. Ele mostra, à luz de seus resultados, como deveríamos evitar a curiosidade ambiciosa; pois a ambição é a mãe da inveja. E sempre que a inveja estiver no comando, ali também surgirá violência, confusões, contendas e os demais males que Paulo enumera aqui.
O apóstolo acrescenta que tais coisas procedem de homens de mente corrompida e privados da verdade. É cristalinamente óbvio que aqui ele está censurando os sofistas que não se preocupavam com a edificação [da Igreja] e convertiam a Palavra de Deus em trivialidade e numa fonte de controvérsias engenhosas. Se o apóstolo apenas realçasse que, com isso, a doutrina da salvação ficaria destituída de sua eficácia, tal coisa, por si só, seria uma intolerável profanação; mas sua reprovação é muito mais pesada e grave, pois ele mostra os males perniciosos e as pragas nocivas resultantes disso. Desta passagem devemos aprender a detestar a sofistica como algo inconcebivelmente nocivo à Igreja de Deus.
Supondo que a piedade é fonte de lucro. O significado consiste em que a piedade é equivalente a lucro ou é uma forma de produzir lucro, porque, para esses homens, todo o cristianismo deve ser aquilatado pelos lucros que ele gera. E como se os oráculos do Espírito Santo houvessem sido transmitidos não com outro propósito, senão de servir à sua avareza; negociam com eles como se fossem mercadoria à venda. Paulo proíbe aos servos de Cristo qualquer gênero de transação com tais homens. Ele não só proíbe a Timóteo de imitá-los, mas lhe diz que os evitasse como se fossem peste maligna. Ainda que não se opusessem abertamente ao evangelho, e o confessassem, não obstante a companhia deles era infecciosa. Além disso, se a multidão nos visse com familiaridade com tais pessoas, haveria o risco de que usassem nossa amizade para insinuar-nos em seu favor. Portanto, devemos empenhar-nos ardentemente por levar as pessoas a entenderem que somos completamente diferentes deles, e que nada temos em comum com eles.
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