Quero  dizer uma palavra aos que estão tentando levar almas a Jesus. Vocês  aspiram a ser úteis e oram por isto. Sabem o que isto envolve? Têm  certeza? Preparem-se, então, para ver e sofrer muitas coisas que  prefeririam não conhecer. Experiências que lhes seriam pessoalmente  desnecessárias virão a ser o seu quinhão, se o Senhor os utilizar para a  salvação de outros. Uma pessoa comum pode repousar em seu leito todas  as noites, mas o médico não, pois pode ser chamado a qualquer hora. O  lavrador pode ficar tranqüilo, acomodado junto da lareira, mas o pastor  tem que estar fora, junto com os cordeiros, suportando por causa deles  todas as variações do tempo. É como nos diz o apóstolo Paulo: '"Por esta  razão, tudo suporto por causa dos eleitos, para que também eles  obtenham a salvação que está em Cristo Jesus com eterna glória". Por  esta causa seremos levados a passar por experiências que nos  surpreenderão.
Alguns  anos atrás padeci terrível depressão de espírito. Sucederam-me certos  acontecimentos aflitivos. Já não estava bem, e o meu coração abateu-se  dentro de mim. Das profundezas fui forçado a clamar ao Senhor. Pouco  antes disso, fui a Mentone para repouso. Sofri muito no corpo, mas muito  mais na alma, pois meu espírito estava esmagado. Sob essa pressão  preguei um sermão baseado nas palavras: ;'Deus meu, Deus meu, por que me  desamparaste?'" Eu estava preparado para pregar sobre aquele texto como  jamais esperaria estar. Na verdade, espero que poucos dos meus irmãos  tenham penetrado tão profundamente naquelas confrangedoras palavras.  Senti na plenitude da minha capacidade o horror de uma alma abandonada  por Deus. Não foi uma experiência desejável. Tremo só de pensar em ter  de passar outra vez por aquele eclipse da alma. Oro no sentido de que  nunca mais sofra desse modo, a não ser que disso pendam os mesmos  frutos.
Aquela  noite, depois do sermão, entrou no gabinete pastoral um homem quase tão  endoidecido como poderia estar sem ser metido num manicômio. Os olhos  pareciam prestes a saltar das órbitas. Disse que teria chegado ao  desespero total se não tivesse ouvido aquele discurso, o qual o fizera  ver que vivia ao menos um homem que compreendia os seus sentimentos e  podia descrever a sua experiência. Falei com ele, procurei animá-lo e  lhe pedi que voltasse segunda-feira à noite, quando eu poderia dispor de  um pouco mais de tempo para conversar com ele. Tornei a vê-lo, e lhe  disse que me dava esperança, e que me alegrava ao ver que a palavra  pregada fora tão apropriada para o seu caso. Ao que parece, recusou o  consolo que lhe ofereci e, todavia, tive consciência de que a preciosa  verdade que ele ouvira estava agindo em sua mente, e que a tempestade de  sua alma logo cessaria, dando lugar a uma profunda calma.
Ouçam  agora a seqüência daquilo. A noite passada eu preguei, por incrível que  possa parecer isto, sobre as palavras: "O Todo-poderoso que me  amargurou a alma", e depois veio falar comigo aquele mesmo irmão que me  havia procurado cinco anos antes. Desta vez, o seu aspecto era tão  diferente, como o dia difere da noite, ou como a vida da morte.  Disse-lhe: "Alegra-me vê-lo, pois muitas vezes tenho pensado em você,  perguntando-me se teria alcançado paz perfeita". Ora, contei-lhes que  fui a Mentone e esse irmão tinha ido para o campo, de modo que não nos  encontramos durante cinco anos. A minhas perguntas o irmão res¬pondeu:  "Assim foi. O senhor disse que eu dava esperança, e estou certo de que  ficará contente ao saber que, desde aquele dia até hoje, tenho andado à  luz do sol. Está mudado tudo comigo, tudo transformado". Caros amigos,  quando vi aquele homem em desespero, louvei a Deus pelo fato de que a  minha terrível experiência me preparara para compadecer-me dele numa  verdadeira empatia e para guiá-lo. Mas ontem à noite, quando o vi  completamente recuperado, o meu coração transbordou de gratidão a Deus  por aquelas aflições que eu sofrerá. Iria cem vezes até às profundezas  para dar alento a um espírito deprimido. Foi bom eu ter sofrido  aflições, para aprender a dizer uma palavra oportuna a um coração  angustiado.
Suponhamos,  irmão, que mediante uma penosa operação o seu braço direito pudesse  ficar um pouco mais comprido; não creio que você se submeteria tranqüilo  e sereno à operação. Mas se previsse que, submetendo-se à dor, poderia  alcançar e salvar homens que estão para afogar-se, e que doutro modo  afundariam diante dos seus olhos, creio que se disporia de boa vontade a  suportar a agonia, e que pagaria pesada quantia ao cirurgião para poder  qualificar-se para o resgate dos seus semelhantes. Reconheçamos, pois,  que para adquirir o poder necessário a fim de conquistar almas para  Cristo, teremos que passar pelo fogo e pela água, pela dúvida e pelo  desespero, por tormentos mentais e angústias da alma. Naturalmente, a  experiência não será idêntica para todos, e talvez nem mesmo para dois  de vocês, pois a sua preparação será de acordo com a obra que lhes for  confiada. Terão que entrar nas chamas, se tiverem que retirar outros do  fogo, e deverão mergulhar nas correntezas, se lhes couber tirar outros  das águas. Ninguém pode utilizar uma escada de incêndio para resgate,  sem se sentir queimar pelas chamas, e ninguém pode manobrar um barco  salva-vidas sem que as ondas o cubram. Se cabe à José preservar a vida  dos seus irmãos, ele próprio precisa descer ao Egito. Se a Moisés  incumbe conduzir o povo através do deserto, primeiro tem de passar  quarenta anos ali com o seu rebanho. É verdade o que disse Payson: "Se  alguém pede que dele se faça um ministro de sucesso, não sabe o que  pede; e lhe convém considerar se pode beber o amargo cálice de Cristo e  ser batizado com o batismo que Ele recebeu".
O  que me levou a pensar nisto, foi a oração que o nosso dileto irmão  Levinsohn acaba de elevar a Deus. Como percebem, ele é descendente de  Abraão e deve sua conversão a um missio¬nário urbano que é da mesma  nacionalidade dele. Se aquele mis¬sionário não fosse judeu, não teria  conhecido o coração do jovem estrangeiro, nem teria conseguido que ele  desse ouvidos à mensagem do evangelho. Normalmente os homens são ganhos  para Cris¬to mediante instrumentos adequados, e esta adequação muitas  vezes está no poder da empatia. A chave abre a porta porque encaixa no  buraco da fechadura; um sermão toca o coração porque vai de encontro ao  seu estado. Eu e vocês temos que ser amoldados e adaptados a todos os  tipos e formas de coração e mente. É bem como Paulo diz: "E fiz-me como  judeu para os judeus, para ganhar os judeus, para os que estão debaixo  da lei, como se estivera debaixo da lei, para ganhar os que estão  debaixo da lei. Para os que estão sem lei, como se estivera sem lei (não  estando sem lei para com Deus, mas debaixo da lei de Cristo), para os  que estão sem lei. Fiz-me como fraco para os fracos, para ganhar os  fracos. Fiz-me tudo para todos, para por todos os meios chegar a salvar  alguns". É preciso que esses processos operem em nós também. Recebamos  alegremente o que quer que o Espírito Santo faça em nossos espíritos  para que assim sejamos abençoados para o bem dos nossos semelhantes.  Irmãos, venham depositar tudo sobre o altar! Obreiros, entreguem-se às  mãos do Senhor! Os delicados e finos talvez precisem de um impacto  poderoso para que possam beneficiar os rudes e ignorantes. Os  inteligentes e instruídos que se façam de tolos para poderem ganhar  tolos para Jesus, porquanto os tolos precisam ser salvos, e muitos deles  não serão salvos a não ser por meios que os doutos não apreciam.
Com  que excelência alguns se lançam ao trabalho, quando o de que se  necessita talvez não seja finura, mas energia! Por outro lado, quão  violentos se mostram alguns, quando é necessário agir com tato e  gentileza, e não com agressividade! Isto é matéria para aprendizagem.  Devemos receber treinamento para isto, como os cães são treinados para  seguir a caça. Eis um tipo de experiência: o colega é elegante. Seu  desejo é falar fervorosamente, mas também há de fazê-lo de maneira  primorosa. Escreveu um sermão muito bem preparado, e pôs em ordem suas  anotações em cuidadoso esboço. Mas que pena! Deixou em casa o precioso  documento. Que há de fazer? É demasiado polido para desistir. Tentará  falar. Começa bem e vai até o fim da primeira divisão. "Devagar se vai  ao longe, caro senhor." Agora, o que vem? Vejam, ele ergue os olhos, à  procura da segunda divisão. Que se deve dizer? Que se pode dizer? O bom  homem se debate daqui e dali, mas não consegue nadar. Luta para alcançar  a terra, e quando sai da água dá para ouvi-lo dizer mentalmente: "Essa é  a minha última tentativa". Mas não é. Volta a falar. Vai ganhando  confiança. Desenvolve-se e se torna orador que impressiona bem.  Humilhações como essas, porém, o Senhor prepara para ele a fim de que  venha a realizar o seu trabalho com eficiência. No início da nossa  carreira de pregadores, somos finos demais para sermos adequados, ou  grandes demais para sermos bons. Precisamos servir de aprendizes para  aprendermos o nosso ofício. O lápis é totalmente inútil, enquanto não  for apontado. É preciso cortar o belo invólucro de cedro. Então o  grafite interno que risca e escreve desempenhará bem a sua função.
Irmãos,  a navalha da aflição é afiada, mas salutar. Vocês não terão prazer  nela, mas a fé poderá lhes ensinar a dar-lhe valor. Não estariam  dispostos a passar por qualquer prova, se por algum meio possam salvar  alguns? Se não for este o seu espírito, melhor seria ficarem em sua  fazenda ou no seu comércio, pois sem estar disposto para sofrer tudo,  dentro dos limites possíveis, ninguém jamais conquistará uma alma para  Deus.
Quanto  medo pode ser que se tenha de sofrer! Contudo, esse medo pode ajudar a  comover a alma e a colocá-la na disposição certa para o trabalho. Ao  menos, pode levar o coração a orar, e só isto já é grande parte do  preparo necessário. Um bom homem descreve assim uma das suas primeiras  tentativas de fazer visita com o propósito de falar pessoalmente com  indivíduos a respeito da condição espiritual deles: "Enquanto caminhava  para a residência daquelas pessoas, ia pensando em como introduzir o  assunto, e em tudo o que diria. E durante o percurso todo, estava  tremendo e inquieto. Ao chegar à porta, foi como se eu fosse me afundar  no meio das pedras. Foi embora a minha coragem. Erguendo a mão para a  aldrava, ela caiu de novo, sem tocá-la. Afastei-me uns passos, de puro  medo. Um momento de reflexão impulsionou-me de novo à aldrava, e entrei  na casa. As frases que pronunciei e a oração que fiz foram muito  entrecortadas. Mas estou muito grato, muito mesmo, pelo fato de que os  meus temores e a minha covardia não prevaleceram. "O gelo foi quebrado"!  Esse processo é natural e o seu resultado é altamente benéfico.
Ó  pobres pecadores que desejam encontrar o Salvador! Jesus morreu por  vocês, e agora Seu povo vive para vocês. Nós não podemos oferecer um  sacrifício expiatório por vocês; não é preciso que nós o façamos.  Todavia, alegremente faríamos sacrifícios pelo bem das suas almas. Vocês  ouviram o que o nosso irmão acaba de dizer em sua oração: "Faríamos  qualquer coisa, seríamos qualquer coisa, daríamos qualquer coisa e  sofreríamos qualquer coisa para podermos levar-lhes a Cristo".  Afirmo-lhes que muitos de nós nos sentimos exatamente assim. Acaso não  se preocupam consigo mesmos? Seremos nós zelosos quanto às suas almas, e  irão vocês menosprezá-las? Sejam mais sábios, eu lhes peço, e que a  sabedoria infinita os leve agora mesmo aos pés do nosso amado Salvador.  Amém.
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