O objetivo fundamental das emoções  espirituais é a excelência e beleza das coisas espirituais como são em  si mesmas, não a relação que têm com o nosso interesse pessoal.
Alguns dizem que todo amor resulta  do amor de si mesmo. É impossível, dizem, para qualquer pessoa amar a  Deus sem que o amor por si mesmo esteja à raiz de tudo. De acordo com  essas pessoas, quem quer que ame a Deus e deseje comunhão com Ele e  deseje a Sua glória, deseja estas coisas somente a propósito de sua  felicidade. Assim, um desejo pela própria felicidade (amor a si próprio)  está na base do amor por Deus. Entretanto, aqueles que dizem isso  deveriam perguntar-se porque uma pessoa colocaria sua felicidade em  dependência da comunhão com Deus e Sua glória. Certamente isso é o  efeito do amor a Deus. Uma pessoa tem de amar a Deus antes de perceber a  comunhão com Ele e Sua glória como a sua própria felicidade.
E claro que existe um tipo de amor  por outra pessoa que surge do amor por si mesmo. Isso ocorre quando a  primeira coisa que atrai o nosso amor por alguém é algum favor que nos  tenha demonstrado ou algum presente que nos deu. Nesse caso, o amor a si  mesmo certamente está à raiz do amor ao outro. É completamente  diferente quando a primeira coisa que atrai o nosso amor ao outro é  nosso apreço por suas qualidades, que são lindas em si mesmas.
O amor a Deus que emana  essencialmente do amor a si mesmo não pode ser de natureza espiritual. O  amor próprio é um princípio puramente natural. Existe nos corações de  demônios como nos de anjos. Assim, nada pode ser espiritual se for  meramente resultado do amor a si mesmo. Cristo fala sobre isso em Luc.  6:32: "Se amais os que vos amam, qual é a vossa recompensa? Porque até  os pecadores amam aos que os amam."
A causa mais profunda do verdadeiro  amor a Deus é a suprema beleza da natureza divina. É a única coisa  razoável a se acreditar. O que faz, principalmente, um homem ou qualquer  criatura belo é sua excelência. Certamente a mesma coisa é verdadeira  no que diz respeito a Deus. A natureza de Deus é infinitamente  excelente; é beleza, fulgência e glória infinitas em si mesmas. Como  podemos amar corretamente a excelência e beleza de Deus se não o fazemos  por causa delas mesmas. Aqueles cujo amor a Deus é baseado na utilidade  que Deus tem para eles mesmos, estão partindo do ponto errado. Estão  vendo a Deus somente do ponto de vista do interesse próprio. Falham em  apreciar a glória infinita da natureza de Deus, que é a fonte de toda a  bondade e toda a beleza.
O amor natural a si mesmo pode  produzir muitas emoções dirigidas a Deus e a Cristo, onde não há  apreciação da beleza e glória da natureza divina. Por exemplo, amor por  si mesmo pode produzir uma gratidão meramente natural a Deus. Isso pode  ocorrer por idéias erradas sobre Deus, como se Ele fosse somente amor e  misericórdia, sem justiça vingadora, ou como se Deus estivesse obrigado a  amar uma pessoa pelos seus merecimentos. Desse ponto de vista, os  homens podem amar a um deus criado por sua própria imaginação, quando  não têm nenhum amor pelo Deus verdadeiro.
Mais uma vez, o amor próprio pode  produzir um amor a Deus mediante a falta de convicção de pecado. Algumas  pessoas não têm qualquer percepção da perversão do pecado, nem da  infinita e santa aversão de Deus ao pecado. Pensam que Deus não tem  padrões mais altos que os deles! Assim, dão-se bem com Ele, mas amam a  um deus imaginário, não ao Deus verdadeiro. Existem também outros cujo  amor a si mesmos produz um tipo de amor a Deus, simplesmente pelas  bênçãos materiais que recebem de Sua providência. Nisso também não há  qualquer coisa espiritual!
Além disso, outros sentem um amor  vigoroso por Deus, por crerem fortemente que Ele os ama. Depois de  passarem por grande desespero e medo do inferno, podem subitamente  começar a crer que Deus os ama, perdoou seus pecados e os adotou como  Seus filhos. Isso pode ocorrer por uma impressão em suas imaginações, ou  uma voz falando de dentro deles, ou de alguma outra forma não bíblica.  Se você perguntar a essas pessoas se Deus é amável e excelente em Si  mesmo, podem perfeitamente dizer que sim. Entretanto, a verdade é que  sua boa opinião sobre Deus foi obtida pela grande benção que imaginam  ter recebido dEle. Permitem que Deus seja amável nEle mesmo, somente  porque Ele os perdoou e os aceitou, ama-os tanto e prometeu levá-Los ao  céu. É fácil amar a Deus e dizer que Ele é amável quando acreditam  nisso. Qualquer coisa é amável para uma pessoa interesseira quando  promove o seu próprio interesse.
O verdadeiro amor espiritual por  Deus surge nos cristãos de uni modo completamente diferente. Cristãos  verdadeiros não vêem primeiro que Deus os ama e depois descobrem que Ele  é amável. Vêem primeiro que Deus é amável, que Cristo é excelente e  glorioso. Seus corações são primeiramente cativados por essa visão de  Deus e seu amor por Ele surge principalmente dessa percepção. O  verdadeiro amor se inicia com Deus, amando-0 por aquilo que Ele é. Amor  por si mesmo começa com a pessoa e ama a Deus por interesse em si mesmo.
Entretanto, não gostaria que  pensassem que toda a gratidão a Deus por Suas bênçãos seja meramente  natural e egoísta. Existe gratidão espiritual. A verdadeira gratidão  espiritual se diferencia da gratidão meramente interesseira dos  seguintes modos:
(i) A verdadeira gratidão a Deus  por Suas bênçãos flui de um amor a Deus como Ele é em Si mesmo. O  cristão já viu a glória de Deus, e ela cativou o seu coração. Assim, o  seu coração se torna sensível e é facilmente tocado quando este Deus  glorioso lhe dirige favores e bênçãos. Posso ilustrar isso a partir da  vida humana. Se um homem não tem amor por outra pessoa, pode ainda assim  sentir gratidão por algum ato de bondade feito a ele por aquela pessoa;  ainda assim, isto é diferente da gratidão de um homem a um amigo amado,  por quem seu coração já tem uma grande afeição. Quando nossos amigos  nos ajudam, o amor que já sentimos por eles aumenta. Do mesmo modo, um  amor a Deus por Sua beleza e glória rios inclina a ainda maior amor  quando este grande Deus derrama bênçãos sobre nós. Assim, não podemos  excluir todo amor a si mesmo da gratidão espiritual. "Amo o Senhor,  porque ele ouve a minha voz e as minhas súplicas" (Sal. 116:1). No  entanto, nosso amor pelo que Deus 6, prepara o caminho para nossa  gratidão pelo que Ele faz.
(ii) Em gratidão espiritual, a  bondade de Deus toca o coração das pessoas não só porque os abençoa, mas  porque a bondade 6 parte da glória e beleza de Sua própria natureza. A  incomparável graça de Deus revelada na obra da redenção e resplandecendo  na face de Cristo, é infinitamente gloriosa em si mesma. O cristão vê  essa glória e se delicia nela. Seu interesse na obra de Cristo, como um  pecador necessitando de salvação, ajuda a focalizar sua mente nela. A  visão da bondade de Deus agindo por sua redenção faz com que preste  ainda mais atenção à natureza gloriosa da bondade de Deus. Por isso, o  amor próprio se torna o servo da contemplação espiritual.
Alguns podem fazer objeções a tudo o  que eu disse, citando do I Jo. 4:19: "Nós o amamos porque Ele nos amou  primeiro." Eles pensam que isto significa que nosso conhecimento do amor  de Deus por nós é o que primeiramente faz com que amemos a Ele.  Discordo. Penso que João quer dizer algo bem diferente. Quer dizer que o  nosso amor a Deus é algo que Ele coloca em nossos corações, como sinal  de Seu amor por nós. Nós O amamos, porque Ele graciosamente inclina os  nossos corações a amá-10; Ele faz isso devido a Seu amor gratuito e  soberano por nós; pelo que, Ele nos escolheu eternamente para nos tornar  os que O amam. Nesse sentido, nós O amamos porque Ele primeiro nos  amou. E o que equivale a dizer: "Somos salvos porque Ele nos amou quando  não tínhamos amor por Ele."
Admito que existem outros modos em  que amamos a Deus porque Ele primeiro nos amou, todavia isso tem que se  referir a um amor espiritual por Deus, não a um amor meramente egoísta.  Por exemplo, o amor de Deus em Jesus Cristo pelos pecadores é uma das  revelações mais importantes das Suas gloriosas perfeições morais. Assim,  o amor de Deus por nós produz um amor pela perfeição moral de Deus. De  novo, o amor de Deus por uma pessoa eleita em particular, revelado na  conversão daquela pessoa, é uma grande demonstração da glória de Deus  para ela; por isso produz santa gratidão espiritual, como foi explicado  acima. Desses vários modos amamos a Deus com amor santo e espiritual,  pois Ele primeiro nos amou. Por que não deveríamos presumir que esse é o  tipo de amor a Deus sobre o qual trata I Jo. 4:19, em vez de um simples  amor egoísta?
Até aqui discuti o amor de um  cristão por Deus. O que eu disse se aplica igualmente à alegria e prazer  em Deus. Prazer espiritual em Deus surge principalmente de Sua beleza e  perfeição, não das bênçãos que nos são dadas por Ele. Mesmo o caminho  da salvação por Cristo é prazeroso principalmente por Sua exibição  gloriosa das perfeições de Deus. E claro, o cristão se regozija por  Cristo ser seu Salvador pessoal. Contudo, esta não é a causa mais  profunda de sua alegria.
Quão diferente é com os falsos  cristãos! Quando ouvem do amor de Deus ao enviar Seu Filho, o amor de  Cristo em morrer pelos pecadores e as grandes bênçãos que Cristo comprou  para Seu povo, e prometeu a ele, podem escutar com grande prazer e se  sentir grandemente jubilosos. Todavia, se examinarmos essa alegria,  descobrimos que eles estão se regozijando porque essas bênçãos são suas,  tudo isso os alegra. Podem até se deliciar na doutrina da eleição, pois  lisonjeia seu amor próprio pensar que são os favoritos do céu! Sua  alegria é realmente em si mesmos, não em Deus.
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