- Kyrios Iesous  ("Senhor Jesus") foi o primeiro de todos os credos cristãos. Ele é  seguramente um testemunho da encarnação, já que é uma afirmação da  identidade do Jesus humano e do Senhor divino. A palavra kyrios era  usada com uma grande variedade de significados. Por um lado, podia ser  usada simplesmente como um título de cortesia ("senhor") ou para  designar o dono de algum tipo de propriedade. Por outro lado, usava-se  durante todo o período clássico grego com referência aos deuses, que  eram assim reconhecidos como tendo autoridade sobre a natureza e a  história. Depois veio a ser aplicada a governantes humanos,  especialmente o imperador (Kyrios Kaisar), e era a paráfrase comumente  usada para Javé pelos estudiosos ao traduzirem a Bíblia do hebraico para  o grego. Daí passou a ser usada no Novo Testamento com relação ao  Cristo ressurreto,  com a implicação de que seus  seguidores eram seus escravos, comprometidos a adorá-lo e obedecê-lo,  numa clara indicação de que eles reconheciam sua divindade. O mais  impressionante é o fato de que os seus primeiros discípulos tenham usado  este epíteto, pois eles eram monoteístas tão fanáticos quanto qualquer  muçulmano hoje. Eles recitavam o Shema todo dia, confessando que "o  Senhor nos¬so Deus, o Senhor, é um só".  Mas, apesar disso, eles chamavam abertamente Jesus de Senhor e o adoravam como Deus.
Não  existe nada igual em qualquer outra religião. Os judeus, é óbvio,  continuam rejeitando a divindade de Jesus. E os muçulmanos também.  Compreendendo erroneamente a encarnação em termos literalmente físicos,  Maomé escreveu no Alcorão: "Alá proíbe a si mesmo de gerar um filho." 
O  Budismo, tanto em sua forma primitiva como na clássica, não tinha deus  nem culto. O status e a honra divinos só foram atribuídos a Buda uns  quinhentos anos depois de sua morte. Portanto, não podemos aceitar o  paralelo que o professor Hick faz ao escrever: "A Budologia e a  Cristologia desenvolveram-se por caminhos compará¬veis".  Ou  seja, cada um "veio a ser imaginado" como uma encarnação, como um  resultado da devoção religiosa de seus seguidores. A comparação é  inepta, porém, pois os próprios contemporâneos de Jesus o chamavam de  "Senhor", ao passo que um milénio se passou antes que Buda fosse adorado  como Deus.
O  Hinduísmo, é verdade, reivindica uma porção de avatares ou  "descendentes" divinos, nos quais se diz que o deus Vishnu teria  aparecido em Rama, em Krishna e em outros. No Baghavad Gita Krishna diz a  Arjuna que ele frequentemente assume forma humana: "Eu já nasci muitas  vezes, Arjuna... Embora eu não seja nascido, e seja eterno, e seja o  Senhor de tudo, eu venho ao meu estado natural e através do meu  maravilhoso poder eu sou nascido."  Talvez mais  impressionante ainda seja a declaração de Ramakrishna, o reformador  hindu do século XIX, que disse acerca de si mesmo ser "a mesma alma que  havia nascido antes como Rama, como Krishna, como Jesus, ou como Buda,  nascido novamente como Ramakrishna". 
Mas  "encarnação" não é uma tradução adequada ou acurada da palavra  sânscrita avatar; ela tende a dissimular as duas diferenças fundamentais  entre as declarações do Cristianismo e do Hinduísmo. Primeiro, a  questão da historicidade. Os avatares de Vishnu pertencem à mitologia  hindu. O Hinduísmo é uma religião filosófica, mística e ética, e para os  hindus não tem importância alguma se os avatares realmente existiram ou  não. O Cristianismo, porém, é essencialmente uma religião histórica,  baseada na afirmação de que a encarnação de Deus em Jesus Cristo foi um  evento histórico, que aconteceu na Palestina quando Augusto era  imperador de Roma. Caso se pudesse descomprovar a sua historicidade, o  Cristianismo seria destruído.
A  segunda diferença jaz na pluralidade dos avatares. Krishna falou de  seus múltiplos e até "frequentes" "renascimentos". Mas "encarnação" e  "reencarnação" são dois conceitos fundamentalmente diferentes. Os  avatares foram manifestações ou incorporações temporárias de Vishnu em  seres humanos. Mas nenhum deles implicou em que a divindade tenha  assumido de fato a natureza humana, nem é, de forma alguma, fundamental  para o Hinduísmo. A afirmação cristã, pelo contrário, é que em Jesus de  Nazaré Deus assumiu forma humana de uma vez por todas e para todo o  sempre; que sua encarnação em Jesus foi decisiva, permanente e  irrepetível, o ponto decisivo da história humana e o começo de uma nova  era; e que hoje, reinando à direita de Deus, está precisamente "o homem  Cristo Jesus", ainda humano tanto quanto é divino, se bem que agora sua  humanidade tenha sido glorificada. Tendo assumido a nossa natureza, ele  nunca a descartou e jamais o fará.
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