Em  algum tempo, no começo do inverno de 1738, agradou a Deus, em um sábado  pela manhã, quando eu partia para cumprir meus deveres secretos,  dar-me, de repente, um tal senso de meu perigo e da sua ira que fiquei  admirado, e logo desapareceram minhas confortáveis disposições  anteriores. Diante da visão que tive de meu pecado e vileza, fiquei  muito aflito durante todo aquele dia, temendo que a vingança de Deus em  breve me alcançaria. Senti-me muito abatido, mantendo-me solitário;  cheguei a invejar a felicidade das aves e dos quadrúpedes, pois não  estavam sujeitos àquela miséria eterna, como evidentemente eu via que  estava sujeito. E assim ia vivendo dia a dia, freqüentemente em grande  aflição. As vezes parecia que montanhas obstruíam minhas esperanças de  misericórdia e a obra de conversão parecia tão grande que pensei que  nunca seria o objeto dela. No entanto, costumava orar, clamar a Deus e  realizar outros deveres com grande ardor; assim esperava, por alguns  meios, melhorar a minha situação.
Por  centenas de vezes renunciei a todas as pretensões de qualquer valor em  meus deveres, ao mesmo tempo em que os realizava; e com freqüência  confessei a Deus que eu nada merecia pelos melhores deles, a não ser a  condenação eterna; ainda assim tinha uma esperança secreta de  recomendar-me a Deus mediante os meus deveres religiosos. Quando orava  emotivamente e meu coração, em alguma medida, parecia enternecer-se,  esperava que, por causa disso, Deus teria piedade de mim. Nessas  ocasiões, havia alguma aparência de bondade em minhas orações, e eu  parecia estar lamentando pelo pecado. Em alguma medida aventurava-me na  misericórdia de Deus em Cristo, como eu pensava, ainda que o pensamento  preponderante, o alicerce de minha esperança, era alguma imaginação de  bondade em meu enternecimento de coração, no calor de meus afetos e na  extraordinária dilatação de minhas orações.
Havia  momentos em que a porta me parecia tão estreita que eu via como  impossível entrar; mas noutras ocasiões lisonjeava-me, dizendo que não  era assim tão difícil, e esperava que, por meio da diligência e da  vigilância, acabaria conseguindo. Algumas vezes, depois de muito tempo  em devoções e em forte emoção, achava que tinha dado um bom passo na  direção do céu e imaginava que Deus fora afetado assim como eu, e  ouviria tais sinceros clamores, como eu os chamava. E assim, por várias  vezes, quando me retirava para oração secreta, em grande aflição, eu  voltava confortado; e desta forma procurava curar a mim mesmo com meus  deveres.
Certa  ocasião, em fevereiro de 1739, separei um dia para jejum e oração  secretos, e passei aquele dia em clamores quase incessantes a Deus,  pedindo misericórdia, para que Ele me abrisse os olhos para a  malignidade do pecado e para o caminho da vida, por meio de Jesus  Cristo. Naquele dia, Deus agradou-se em fazer para mim notáveis  descobertas em meu coração. No entanto, continuei confiando na prática  dos meus deveres, embora não tivessem nenhuma virtude em si, não havendo  neles qualquer relação com a glória de Deus, nem tal princípio em meu  coração. Contudo, aprouve a Deus, naquele dia, fazer de meus esforços um  meio para mostrar-me, em alguma medida, minha debilidade.
Algumas  vezes eu era grandemente encorajado e imaginava que Deus me amava e se  agradava de mim, e pensava que em breve estaria completamente  reconciliado com Deus. Mas tudo isto estava fundamentado em mera  presunção, surgindo da ampliação nos meus deveres, ou do calor das  afeições, ou de alguma boa resolução, ou coisas similares. E quando, às  vezes, grande aflição começava a surgir baseada na visão da minha vileza  e incapacidade de livrar a mim mesmo de um Deus soberano, então  costumava adiar a descoberta como algo que não podia suportar. Lembro-me  que, certa vez, fui tomado por uma terrível dor de aflição de alma; a  idéia de renunciar a mim mesmo, permanecendo nu diante de Deus, despido  de toda bondade, foi tão temível para mim que estive pronto a dizer,  como Félix disse a Paulo: "Por agora podes retirar-te" (Atos 24.25).
Assim,  embora diariamente anelasse por uma maior convicção de pecado, supondo  que tinha de perceber mais do meu temível estado para que pudesse  remediá-lo, quando as descobertas do meu ímpio coração foram feitas, a  visão era tão aterradora, e mostrava-me tão cristalinamente minha  exposição à condenação, que não podia suportá-la. Eu constantemente  esforçava-me por obter quaisquer qualificações que imaginava que outros  obtiveram antes de receberem a Cristo, a fim de recomendar-me ao seu  favor. De outras vezes, sentia o poder de um coração empedernido e  supunha que o mesmo tinha de ser amolecido antes que Cristo me  aceitasse; e quando sentia quaisquer enternecimentos de coração, então  esperava que daquela vez a obra estivesse quase feita. E, portanto,  quando a minha aflição permanecia, eu costumava murmurar contra a  maneira como Deus lidava comigo, e pensava que quando outros sentiam  seus corações favoravelmente amolecidos, Deus mostrava-lhes sua  misericórdia para com eles; mas a minha aflição ainda permanecia.
Às  vezes ficava desleixado e preguiçoso, sem quaisquer grandes convicções  de pecado, e isso por considerável período de tempo; mas depois de tal  período, algumas vezes as convicções me assediavam mais violentamente.  Lembro-me de certa noite em particular, quando caminhava solitariamente,  que delineou-se diante de mim uma tal visão de meu pecado, que temi que  o solo se abrisse debaixo de meus pés e se tornasse a minha sepultura,  mandando minha alma rapidamente ao inferno, antes que eu pudesse chegar  em casa. Forçado a recolher-me ao leito para que outras pessoas não  viessem a descobrir minha aflição de alma, o que eu muito temia, não  ousei dormir, pois pensava que seria uma grande maravilha se eu não  amanhecesse no inferno. Embora minha aflição às vezes fosse tão grande,  todavia eu temia muito a perda de convicções, e de retroceder a um  estado de segurança carnal e à minha anterior insensibilidade da ira  iminente. Isto fazia-me extramente rigoroso em meu comportamento,  temendo entravar a atuação do Santo Espírito de Deus.
Quando,  a qualquer momento, eu examinava minhas próprias convicções,  julgando-as consideravelmente fortes, acostumei-me a confiar nelas. Mas  essa confiança, bem como a esperança de em breve fazer alguns avanços  notáveis na direção do meu livramento, tranquilizava minha mente e logo  tornava-me insensível e remisso. Mas de novo, quando notava que as  minhas convicções estavam fenecendo, julgando que estavam prestes a  abandonar-me, imediatamente me alarmava e afligia. Algumas vezes  esperava dar uma larga passada, avançando muito na direção da conversão,  por meio de alguma oportunidade ou meio particular que tinha em vista.
Os  muitos desapontamentos, as grandes aflições e perplexidades que  experimentei deixavam-me em uma horrenda disposição de conflito com o  Todo-Poderoso; e com veemência e hostilidade interiores achava falhas em  suas maneiras de tratar com a humanidade. Meu coração iníquo por muitas  vezes desejava algum outro caminho de salvação que não fosse por Jesus  Cristo. Tal como um mar tempestuoso, com meus pensamentos confusos, eu  costumava planejar maneiras de escapar da ira de Deus por alguns outros  meios. Eu traçava projetos estranhos, repletos de ateísmo, planejando  desapontar os desígnios e decretos divinos a meu respeito ou de escapar  de sua atenção e ocultar-me dEle.
Mas  ao refletir vi que estes projetos eram vãos e não me serviriam, e que  eu nada poderia criar para meu próprio alívio; isso jogava minha mente  na mais horrenda atitude, desejando que Deus não existisse, ou desejando  que houvesse algum outro deus que pudesse controlá-Lo. Tais pensamentos  e desejos eram as inclinações secretas do meu coração, por muitas vezes  atuando antes que pudesse dar-me conta delas. Infelizmente, porém, elas  eram minhas, embora ficasse aterrorizado quando meditava a respeito  delas. E quando refletia, afligia-me pensar que meu coração estivesse  tão cheio de inimizade contra Deus; e estremecia, temendo que sua  vingança subitamente caísse sobre mim.
Antes  costumava imaginar que meu coração não era tão mau quanto as Escrituras  e alguns outros livros o descreviam. Algumas vezes, esforçava-me  dolorosamente para moldar uma boa disposição, uma disposição humilde e  submissa; e esperava houvesse alguma bondade em mim. Mas, de súbito, a  idéia da rigidez da lei ou da soberania de Deus irritava tanto a  corrupção do meu coração, o qual eu tanto vigiara e esperava ter trazido  à uma boa disposição, que tal corrupção rompia todas as algemas, e  explodia por todos os lados, como dilúvios de águas quando desmoronam  uma represa.
Sensível  à necessidade de profunda humilhação a fim de ter uma aproximação  salvadora, empenhava-me por produzir em meu próprio coração as  convicções exigidas por tal humilhação, como, por exemplo, a convicção  de que Deus seria justo se me rejeitasse para sempre, e que se Ele  concedesse misericórdia a mim, seria pura graça, embora primeiro eu  tivesse de estar aflito por muitos anos e muito atarefado em meu dever, e  que Deus de modo algum estava obrigado a ter piedade de mim, por todas  as minhas obras, clamores e lágrimas passadas.
Eu  me esforçava ao máximo para trazer-me a uma firme crença nessas coisas e  a um assentimento delas de todo o coração. E esperava que agora eu  estaria livre de mim mesmo, verdadeiramente humilhado, e prostrado  diante da soberania divina. Estava inclinado a dizer a Deus, em minhas  orações, que agora tinha exatamente essas disposições de alma que Ele  requeria, com base nas quais Ele mostrara misericórdia para com outros, e  alicerçado nisto implorar e pleitear misericórdia para mim. Porém,  quando não achava alívio e continuava oprimido pelo pecado e pelos  temores da ira, minha alma entrava em tumulto, e meu coração rebelava-se  contra Deus, como se Ele estivesse me tratando duramente.
Mas  então minha consciência insurgia-se, fazendo-me lembrar de minha última  confissão a Deus de que Ele era justo ao me condenar. E isso, dando-me  uma boa visão da maldade de meu coração, jogava-me novamente em aflição;  desejava ter vigiado mais de perto meu coração, impedindo-o de  rebelar-se contra a maneira como Deus estava me tratando. E até mesmo  chegava a desejar não ter pedido misericórdia com base em minha  humilhação, porque, desse modo, perdera toda a minha aparente bondade.  Assim, por muitas vezes inutilmente imaginava que estava humilhado e  preparado para a misericórdia salvadora.
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