/ On : 16:13/ SOLA SCRIPTURA - Se você crê somente naquilo que gosta no evangelho e rejeita o que não gosta, não é no Evangelho que você crê,mas, sim, em si mesmo - AGOSTINHO.
"Eles  foram para Betsaida, e algumas pessoas trouxeram um cego a Jesus, suplicando-lhe  que tocasse nele. Ele tomou o cego pela mão e  o levou para fora do povoado. Depois de  cuspimos olhos do homem e impor-lhe as mãos, Jesus perguntou:  Você está vendo alguma coisa?'Ele levantou os olhos e disse: Vejo
pessoas; elas parecem árvores  andando'. Mais uma vez, Jesus colocou as mãos  sobre os olhos do homem. Então seus olhos foram abertos, e sua vista  lhe foi restaurada, e ele via tudo claramente" (Mc  8.22-25).
Nosso Salvador muitas vezes curava os  enfermos  mediante um toque, pois pretendia nos impressionar com a verdade de que  as fraquezas da humanidade caída  somente podem ser removidas mediante o contato  com sua humanidade abençoada. Ele tinha, no entanto, outras lições para  ensinar, e por isso também adotou  outros meios de atuação na cura de enfermos. Além disso, era vantajoso,  por outras razões, manifestar certa variedade nos seus métodos. Se  nosso Senhor tivesse lançado todos os seus milagres em um único  molde, os homens teriam atribuído  importância indevida à maneira de ele ter agido e, supersticiosamente, dariam   mais valor ao método que ao poder divino mediante o qual o  milagre foi operado. Por isso, nosso Mestre nos apresenta grande  variedade na forma dos milagres.
Embora  sempre transbordem com a mesma bondade, e demonstrem a mesma sabedoria e  o mesmo poder, o Mestre toma o cuidado de tornar cada milagre distinto  do outro, a fim de contemplarmos a multiforme bondade de Deus, e não imaginarmos que o  Salvador divino esteja tão destituído de méto dos a ponto de precisar se  repetir. E pecado dominante da nossa natureza carnalficarmos no que é visto e nos  esquecermos do que não se vê; daí, o Senhor Jesus muda o modo  externo de operar, a fim de deixar claro que ele não está limitado a  qualquer método específico de curar, e que a operação exterior não é  nada em si mesma. Ele queria que compreendêssemos que se ele optasse por  curar mediante um toque, também poderia curar com uma palavra; e se  ele curava com uma palavra, poderia até dispensar a palavra, e atuar por  meio da sua simples vontade; que o simples olhar era tão eficaz quanto o  toque da sua mão, e que, vem ao  Salvador. É cego, mais não cega  os outros. Se ele  convive com outros cegos, não  aumenta a cegueira deles, e se entra em contato com os que conseguem ver,   não prejudica a visão deles de nenhuma forma; estes, talvez, poderão  até mesmo derivar algum benefício  da associação com ele, pois são levados a sentir gratidão pela  visão que possuem, ao notar as trevas em que o cego está tão tristemente  envolvido. Não é, portanto, o caso de uma pessoa de vida libidinosa ou  de conversa imunda; não, de modo algum, o caso de um homem que cor  romperia os filhos de vocês, que os levaria ao pecado.
As pessoas não iluminadas das quais falamos são benquistas nas  nossas famílias, e de forma  correta assim, porque não disseminam doutrinas injuriosas, não  apresentam maus exemplos, e mesmo quando falam de coisas espirituais,  nos levam a sentir dó delas por saberem tão pouco, e ficamos gratos a  Deus porque ele nos abriu os  olhos para contemplarmos as coisas maravilhosas da sua Palavra.  Nem abominam a Deus para se enfurecerem contra ele, nem vivem de modo  imundo, a ponto de lesar a raça humana; essas pessoas nem têm inca  pacidade em qualquer aspecto, senão em um único órgão: o olho da mente; é  o entendimento que está obscurecido; mas quanto aos demais sentidos,  essas pes soas que agora retrato são esperançosas, até mesmo saudáveis.  Não estão totalmente surdas, pois  escutam o evangelho com prazer considerável e com atenção sincera. E  verdade que não o compreendem com clareza; é muito mais a parte da letra   que assimilam, mas o espírito, em grau bem menor; mesmo assim, estão  escutando, e se encontram em condições de obter uma bênção maior, pois  "a fé vem pelo ouvir, e o ouvir pela Palavra de Deus" (Rm 10.17, RA).
E,  além  disso, de certa maneira, tampouco são mudas, pois  realmente oram, do jeito delas.  E verdade que sua oração é pouco espiritual, mas  não deixa de possuir certa  sinceridade que não deve ser desprezada. Eles freqüentam locais de culto   desde a juventude, e nunca negligenciaram as formas externas da  religião.Infelizmente paralelas,  permanecem cegas! Mas são muito desejosas de escutar e de orar, e  esperamos que ainda consigam fazer ambos; não são, portanto, totalmente surdas ou mudas. Além disso, não  parecem estar incapacitadas em outros aspectos. A mão não está  ressequida — o caso de um enfermo que Cristo ficou conhecendo na  sinagoga. Nem estão encurvadas pela dolorosa depressão de es pírito,  como aquela filha de Abraão que ficara encurvada durante muitos anos.  Estão animadas e diligentes nos caminhos do Senhor. Se a causa de Deus  pre cisar de cooperação, estão prontas a cooperar e, embora, em razão da  perda dos olhos espirituais, não  possam entrar na plena alegria das coisas divinas, não deixam de estar entre as pessoas mais  dispostas que conhecemos, para ajudar em qualquer boa causa; não por conseguirem  compreender plenamente o espírito dessa causa, nem por  conseguirem participar desse espírito porque, em razão da cegueira
natural, isso lhes é  coisa estranha; mesmo assim, opera-se nelas algo  muito belo e esperançoso, porque anseiam, dentro das suas limitações,  por ajudar na causa de Cristo.
Com referência a todas as congregações dos crentes, temos um  pequeno grupo desse tipo, e no  tocante a algumas igrejas cristãs, até entre os membros, na sua  maioria, estão em situação bem pouco menor; quanto à instrução, não rece  beram mais que o mínimo necessário para distinguir a mão esquerda da  direita nas questões espirituais.  Por falta de ensino doutrinário são deixadas na ignorância, e por não serem apresentadas  diante delas palavras de sã doutrina, permanecem quase cegos,  incapazes de desfrutar dos belos cenários que animam os olhos do crente  iluminado.
II.  Agora, devemos examinar o método de cura usado  pelo Senhor.
Toda parte do milagre é sugestiva. A primeira  coisa a ser observada é a intervenção amiga, — foram os amigos  que levaram o cego até Jesus. Quantos são os que não entendem  corretamente a doutrina fundamental do evangelho de Cristo, e precisam  da ajuda dos crentes! Sentem certo afeto pela religião na sua forma  abstrata, mas não estão plenamente conscientes do que devem fazer a fim  de serem salvos. Quanto à grande verdade da substituição, a questão  funda mental do evangelho, ainda não a apreenderam. Pouco sabem a  respeito de chegar a confiar  totalmente no Senhor Jesus com base na satisfação que Jesus prestou à justiça onipotente. Possuem algum  tipo de fé, mas seus conhecimentos são tão limitados que a fé  lhes confere pouco benefício, ou nenhum. Semelhantes pessoas poderiam ser abençoadas se os  cristãos mais adiantados se esforçassem paralevá-las ao  conhecimento mais claro do Salvador. Por que você não consegue colocar  semelhantes almas ao alcance do som do ministério que foi instrutivo  para si mesmo? Por que você não pode deixar acessível a eles o livro que  foi o meio de abrir os seus olhos? Por que você não pode colocar diante  da mente deles o texto das Escrituras, a passagem da Palavra de Deus,  que inicialmente iluminou você?
Não seria uma obra muito  esperançosa para nós nos ocuparmos — a de procurar os que não são hostis ao evangelho, mas simplesmente o  desconhecem, os que têm zelo por Deus, mas não segundo o  conhecimento, os que, se alguém lhes   pudesse fornecer a luz, então teriam achado a única coisa necessária?  Por certo, já que cuidamos dos degradados, dos aviltados, e dos  depravados, que poluem nossas  praças e ruas pustulentas, devemos com igual zelo buscar os  esperançosos que respeitosamente ouvem o som da pregação que não é  do evangelho, ou que escutam a  Palavra verdadeira, mas não a percebem. Irmãos e irmãs, vocês fariam bem se orassem por eles, e se, ainda,  procurassem os excelentes jovens cavalheirose as amáveis jovens  damas, e se esforçassem para responder à pergunta da sua consciência  delicada: "Quem dera  que soubéssemos onde achá-lo!". Pode ser que, com a ajuda de Deus, este fosse   o primeiro passo para receberem a vista espiritual, que vocês  cuidassem desses filhos da bruma e da noite.
Quando o cego foi levado  diante do Salvador, recebeu primeiramente con tato com Jesus, pois  Cristo o tomou pela mão. E um  dia feliz para a alma quando ela entra em contato  pessoal com o Senhor Jesus. Irmãos, quando esta mos na condição de  incredulidade, ficamos sentados na casa de Deus, e parece-nos que Cristo  está distante; ouvimos a seu respeito, mas parece se tratar de quem já  foi embora até os palácios de marfim, e que não mais está em nosso meio;  e assim ficamos sentados, suspiramos e ansiamos para sentir sua sombra cair sobre nós, ou tocar, por assim  dizer, a fímbria das suas vestes; mas quando a alma realmente  começa a se firmar em Jesus, quando ele se torna o objeto da atenção,  quando sentimos que, afinal, há nele algo a ser agarrado e percebido,  que ele não é uma sobra distante e impalpável, mas uma existência  genuína — uma existência que tem influência sobre nós, é então  que ele nos toma pela mão. Sei que alguns dentre vocês se sentiram  assim.
Acontece  muitas vezes no dia do Senhor que vocês sentem que devem  orar; sentem que o sermão foi feito para vocês; imaginam que alguém  tivesse contado ao  pregador a respeito de vocês, pois a verdade lhes era tão aplicável —  os pormenores do sermão do pregador encaixaram-se perfeitamente com a  condição da sua mente: trata-se, segundo penso, do Senhor tomando vocês  pela mão. Para vocês, o culto não  era só falar e escutar palavras; porém, uma mão misteriosa tocou em vocês, os sentimentos ficaram  impressionados, e o coração consciente de emoções específicas  provenientes da presença do Salvador. Fica claro que Jesus não entra em  nenhum contato físico conosco; trata-se de um contato mental e  espiritual; a mente do Senhor Jesus coloca a mão na mente dos peca dores  e, mediante o Espírito Santo, influencia com suavidade a alma na  direção à santidade e à verdade.
Notem  a ação que se seguiu, por sua  peculiaridade. O Salvador levou o homem   a uma posição solitária, pois o levou para fora da cidade. Já  notei que, na conversão de pessoas mais espiritualmente cegas que  deliberadamente ímpias, não tão hostis quanto ignorantes, um dos  primeiros sinais de se tornarem cris tãs, é passarem a ficar a sós e  sentirem sua responsabilidade individual. Irmãos, sempre tenho  esperança no tocante ao homem que começa a pensar em si mesmo e na condição de ficar sozinho  diante de Deus, visto que existem dezenas de milhares na Inglaterra que  se consideram parte de uma nação de cristãos e membros por  nascimento de uma igreja, e assim nunca se consideram pessoalmente responsáveis diante de Deus. Repetem a  confissão do pecado, mas só com a congregação inteira, como parte  do culto. Entoam o Te Deum, mas é o louvor geral, e não  pessoal. Mas quando um  homem é levado, mesmo no meio da congregação, a sentir-se como se estivesse sozinho, quando capta a  idéia de que a verdadeira religião é do indivíduo e não da  comunidade, e que a confissão do pecado é mais adequada da parte dos  lábios dele, mais que da parte de outra pessoa, iniciou-se uma obra  graciosa.
Existe esperança até mesmo de os mais cegos alcançarem o  entendimento, quando a mente  começa a meditar sobre a própria condição e examina suas perspectivas.   É um sinal seguro de que o Senhor está lidando bem com você, se ele o levou para fora da cidade; se você  agora se esquece das pessoas ao redor e pensa em sua condição diante de  Deus. Não chame isso de egoísmo; não passa do tipo de egoísmo que  a mais sublime lei da nossa natureza ordena. Todo homem, quando se  afoga, precisa pensar em si mesmo, e se é egoísmo justificável tentar  preservar a própria vida, muito mais é esforçar-se para escapar da ruína  eterna.Depois de ser levada a  efeito a própria salvação, você não terá mais necessidade de  pensar em si mesmo, mas cuidará da alma dos outros; agora, porém, a sabe  doria maior é pensar em si mesmo, na sua situação diante de Deus, e  olhar para o Salvador para poder ter a vida eterna. "Ele tomou o cego  pela mão e o levou para fora do povoado".
A ação seguinte foi  muito  estranha; submeteu-o a meios determinados, porém desagradáveis; cuspiu   nos seus olhos. O Salvador muitas vezes empregou a saliva como meio de cura;  comenta-se que era recomendado pelos médicos da Anti güidade, mas não  posso imaginar que a opinião deles tivesse muito valor diante do Senhor que opera milagres. Parece-me  que o uso da saliva ligou a abertura dos olhos à boca do Senhor,  ou seja: quanto à simbologia, vincula a iluminação do entendimento à verdade que Cristo  pronuncia. E claro que a visão espiritual provém da verdade  espiritual, e os olhos do entendimento são abertos pela doutrina que  Cristo fala. No entanto, parece-me que a associação naturalmente feita  com a saliva é a do nojo, e que  foi visando a essa reação que o Salvador empregou esse meio. Não  passava de saliva, embora fosse saliva da boca do Salvador. E assim  também — preste atenção, amigo —, é muito possível que Deus vá  abençoá-lo por meio da mesmíssima verdade que você antigamente  desprezava, e não seria demasiadamente maravilhoso que Deus o abençoasse  por meio do homem con tra quem você falou mais amargamente.
Muitas vezes tem agradado a Deus conceder a  seus servos ministradores um tipo  gracioso de retribuição; muitas  e muitas vezes  os que ardiam com mais fúria contra os servos de Deus, têm recebido as  melhores bênçãos das mãos dos homens que mais desprezavam. Você pode  chamá-lo "saliva"; mas nada, a nãoser   isso, abrirá seus olhos. Você diz: "O evangelho é uma coisa pouco  especial"; é por semelhantes coisas comuns que você receberá  vida. Você declarou, com zombaria, que determinado  homem fala a verdade com estilo grosseiro e vulgar; um dia, você chegará a declarar bendita  essa vulgaridade, e ficará bastante con tente em receber, mesmo de modo  grosseiro, a verdade como seu Mestre o manda falar. Acho que muitos de  nós têm notado, ao nos convertermos, que o Senhor castigou nosso orgulho  ao dizer: "Os pobres que você criticou tanto serão uma bênção para você, e meu servo  contra quem você sentiu mais precon ceito será o homem que o levará à  perfeita paz". Minha impressão é que mais do que boa parte de  tudo isso, ou mesmo tudo, está contido no conceito de o Salvador cuspir  nos olhos daquele cego. Nenhum pó medicinal que se compra em loja,  nenhuma mirra ou incenso ou droga cura, mas um pouco de saliva; e assim, caro ouvinte, se você quiser ver  as coisas profundas de Deus, isso não será por meio dos  filósofos, nem dos pensadores profundos dos nossos dias, mas o que lhe diz: "Confie em Cristo e viva",  ensina-lhe filosofia melhor que os filósofos, e quem lhe diz que  no Senhor Jesus habitam todos os tesouros da sabedoria e do  conhecimento, conta a você, nessa declaração singela, mais do que vocêaprenderia se Sócrates e Platão  ressuscitassem dentre os mortos, e pudesse sentar diante deles  como aluno. Jesus Cristo abrirá seus olhos, e será por esse meio  pouco distinto: a saliva da sua boca.
Você  perceberá ainda, que depois de Jesus ter cuspido nos olhos do  cego, colocou suas mãos sobre ele.  Jesus fez assim na forma de impetração de bênção celestial:Tela imposição das mãos, Jesus outorgou  a esse homem sua bênção, e fez poder fluir da sua pessoa para  aquele cego? Acho que sim. Portanto, irmãos, não se trata de  saliva, nem de tirar o cego do meio da multidão; não é o ministério,  não é a pregação da Palavra, não é  a considerada atenção do ouvinte que conquistará bênçãos  espirituais; trata-se da bênção do que morreu a favor dos pecadores — é  isso que outorga tudo. E Jesus exaltado nas alturas, quem concede  arrependi mento e remissão do pecado. O desprezado e rejeitado pelos  homens, é por meio dele, e dele  somente, que a bênção de valor inestimável — a restauração davista aos cegos —, poderá ser dada aos  filhos dos homens. Devemos lançar mão dos meios, sem  desprezá-los, nem depender deles. Precisamos ficar a sós com  Deus, pois esse recolhimento é uma grande bênção; por fim, devemos  levantar nossos olhos para o  Senhor e Doador de toda boa dádiva, senão a saliva terá queser  enxugada com nojo, e ficar sozinha só servirá para deixar o cego perder  seu caminho de modo mais eficaz, e desencaminhar-se nas trevas com menos  com paixão e ajuda.
Esse esboço é  a fotografia de algumas pessoas. Acredito que haja pessoas que desde a juventude  freqüentam locais de culto sem a mínima percepção de vida espiritual, e  que teriam continuado assim se o Senhor, no seu beneplácito, não tivesse levado amigos dessas pessoas,  amigos cristãos felizes e animados, que dissessem: "Venha, imagino ser  capaz de lhe contar algo que você  não conhece". Esses amigos, mediante a oração e o  ensino, colocaram vocês em contato com Jesus. Ele tocou em vocês,  influenciou sua mente, lhes fez pensar melhor, e perceber a existência  na religião de mais que a mera parte externa, levando-os a sentir que  freqüentar cultos oficiais ou independentes não era tudo, ou até mes mo  não era nada sem vocês terem aprendido o segredo, o verdadeiro segredo  da vida eterna.
III.  Agora chegamos à terceira questão, e faremos uma pausa  breve na etapa esperançosa. O Salvador dera aos olhos do homem a  capacidade de ver, mas não removera  completamente a película que excluía a luz.  Escute o que o homem diz, depois  de Jesus lhe falar: "Você está vendo alguma coisa?". O homem levanta os olhos, e a primeira palavra  jubilosa é: "Vejo!". Que bênção! "Vejo!"Alguns de vocês,  caros amigos, podem dizer isso — "Eu era cego e agora vejo!". Sim,  Senhor, agora não estou em trevas totais. Não vejo tanto quanto deveria,  nem tanto quanto espero ver, mas  estou vendo. Existem muitíssimas coisas a respeito das quais eu nada sabia, e das quais  agora sei alguma coisa. O próprio Diabo não consegue me levar a duvidar de que  realmente vejo. Sei que estou vendo. Antes, eu ficava bem satisfeito com a forma  externa; se conseguisse passar pelos hinos e orações e o restante  do culto, sentia-me satisfeito; mas agora, embora sinta que não consigo  ver o tanto quanto queria, pelo menos consigo enxergar esse tanto.   Se não consigo ver a luz, certamente percebo uma escuridão visível. Se  não consigo enxergar a salvação, consigo ver minha ruína. Certamente  vejo minhas faltas e  necessidades; se não vejo nada mais, a estas estou vendo". Ora, se  alguém consegue ver alguma coisa, não importa o quê, ele  certamente está dotado de vista. Não importa se o que ele vê é um objeto  belo ou uma coisa feia; enxergar qualquer coisa é a comprovação  positiva que há visão nos seus olhos. Assim, a percepção espiritual de  algo é comprovação de que você tem vida espiritual, quer essa percepção o  leve à lástima ou ao regozijo; quer o deixe de coração partido, quer  seja curativo para o coração; se você está vendo esse tanto, com certeza  tem a capacidade de ver: isto fica bastante claro, não é? Ele diz: "Vejo   homem". Isso fica melhor.
Claro que o coitado já tivera a capacidade de  ver; senão, não teria reconhe cido a forma de um homem. "Vejo pessoas",  diz ele. Sim, e aqui temos alguns que   têm vista suficiente para distinguir entre uma coisa e outra, e  reconhecer um objeto. Embora vocês, em tempos passados, fossem  tão cegos como morcegos, ninguém poderia levá-los a acreditar que a  regeneração batismal fosse o mesmo que   a regeneração da Palavra de Deus; pelo menos entre essas duas coisas,  vocês conseguem perceber a diferença. Poderíamos imaginar que  qualquer pessoa a perceberia;  muitas pessoas, porém, não conseguem. Vocês enxergam a diferençaentre a adoração meramente formal e  externa, e a adoração espiritual — isto conseguem perceber. Vocês enxergam o suficiente para saber que  existe um Salvador, que vocês precisam dele, que o meio da  salvação é a fé em Cristo, que a salvação   que ele outorga realmente nos salva do pecado, e leva com segurança à eterna   glória os que a recebem.
Assim, fica claro que vocês podem ver alguma coisa, e  que sabem em certa medida o que ela é. Escutem, no entanto, o cego,  pois aqui entra a palavra que, em  grande medida, estraga o prazer nisso: "Vejo pessoas, elas parecem árvores, andando". Ele   não conseguia distinguir se eram homens ou árvores — só queandavam e, por saber que as árvores não  andavam, sabia não se tratar de árvores. Os objetos eram uma  mancha confusa diante dos seus olhos. Sabia, pelos movi mentos, que  seriam homens, mas, pela visão, não poderia discernir com exa tidão ser  eram homens ou árvores. Muitas almas preciosas estão aguardando, nesta etapa esperançosa, porém  desconfortável. Pelo menos, podem ver! Bendito seja Deus  por isso! Nunca voltarão a ser totalmente cegos! Isso porque, se con  seguem enxergar o Homem Jesus, e o madeiro no qual morreu, podem fazer  deles um só objeto, se quiserem, porque Cristo e a cruz formam uma  unidade. Os olhos incapazes de enxergar Jesus com clareza poderão  percebê-lo de modo obscuro, e até a olhada ofuscada salvará a alma.
Notemos que a visão desse homem era muito indistinta —  não era fácil distinguir um homem ou uma árvore. Assim acontece com a  primeira vista outorgada a muitas pessoas espiritualmente cegas. Não  conseguem distinguir entre uma doutrina e outra. Muitas vezes confundem a  obra do Espírito e a obra do  Salvador. Possuem a justificação e possuem a santificação, mas  provavelmente não podem nos dizer qual era qual. Receberam a justiça de  coração a eles outorgada, e  receberam a justiça de Cristo, a eles imputada, mas entre a justiça  outorgada e a justiça imputada, dificilmente distinguem;  receberam ambas, mas não sabem qual é qual — pelo menos não a ponto de  poder definir, ou contá-las ao próximo. Conseguem ver, mas não do modo  que deviam. Sua vista, além de ser indistinta, exagera. Um homem  não é tão grande como uma árvore, mas eles engrandecem a estatura humana até as alturas das árvores  imponentes. E da mesma  maneira, as pessoas semi-iluminadas exageram as doutrinas. Se receberem  a doutrina da eleição, não conseguem se limitar até onde vão as  Escrituras — fazem do homem uma árvore, ao acrescentar a doutrina de  reprovação. Se pe garem um preceito, como o batismo, ou qualquer outro,  exageram suas proporções, e fazem  dele um tipo de vale-tudo. Alguns pegam um aspecto, e outros, outro,   e tudo isso por fazer confusão entre homens e árvores. Já é uma grande bênção que consigam alguma doutrina e  ou preceito, maior, porém, seria a bênção de vê-los como são, e  não como agora lhes aparece.
Esse exagero  geralmente  leva as pessoas a ficaremalarmadas, pois se vejo um homem se aproximando de  mim, e o enxergo com a altura de uma árvore, naturalmente fico com medo de que ele  caia sobre mim, e saio do caminho. Muitas pessoas ficam com medo das  doutrinas de Deus, por considerá-las árvores altas. Não são altas demais. Deus as criou na estatura  certa, mas a cegueira dessas   pessoas exagera, e as torna mais terríveis e altas. Têm medo de ler  livros a respeito de determinadas verdades, e evitam todos os que  as pregam, pois ficam alarmadas com a visão confusa dessas verdades.
Com referência  a esse exagero e com esse medo, semelhantes pessoas  sofrem perda total do prazer advindo  da percepção da beleza e da amorabilidade. Afinal, a parte mais nobre do homem é  o rosto. Gostamos de captar as feições dos amigos, o olhar suave, a  expressão de ternura, o olhar conquistador, o sorriso radiante, o fulgor  expressivo de benevolência no rosto, a testa alta, gostamos de ver tudo  isso; mas esse infeliz dificilmente distinguiria um homem de uma  árvore, sem poder discernir esses traços mais suaves do grande  pintor de obras primas, que formam  a verdadeira beleza. Ele podia dizer apenas: "E um homem", mas se era  alguém tão escuro quanto a noite, ou tão claro como o amanhecer, nãopodia   saber nem distinguir, e nem se era ranzinza e deprimido, ou bondoso e  gentil. Assim é com os que obtiveram alguma visão espiritual. Não  conseguem enxergar os pormenores das doutrinas. Vocês sabem, irmãos, que  é nos pormenores que a beleza se  acha. Se eu confiar em Jesus como meu Salvador, serei salvo, mas  desfrutar da fé provém de conhecê-lo na sua pessoa, nos seus ofícios, na   sua obra, e no seu presente, passado e futuro. Percebemos sua  verdadeira beleza ao estudá-lo e observá-lo cuidadosamente, com santa  atenção. Assim é com as doutrinas; é bendita a doutrina na sua  inteireza, mas quando começamos a apreciar a doutrina, peça por peça,  obtemos o prazer mais puro. "Sim", diz o palhaço, olhando para uma  pintura da primeira qualidade, tal como, o Touro famoso de Paul Potter  na Haia: "é certamente um quadro raro", e então vai embora. O artista  plástico, no entanto, senta-se e estuda os pormenores. Para ele, há  beleza específica em cada toque e nuança, os quais ele compreende e  aprecia. Muitos crentes possuem iluminação suficiente para conhecer a fé  nos contornos mais singelos, mas não observaram o preenchimento, e as  minúcias nas quais o mais doce consolo sempre poderá ser achado pelo  filho de Deus espiritualmente educado. Conseguem ver, mas vêem "pessoas;  elas parecem árvores andando".
Embora eu  saiba que a maioria de vocês,  meus irmãos, progrediu muito além dessa etapa,  sei que existem centenas, entre o povo de Deus, que ainda estão ali, e é  por isso, quando Satanás consegue o domínio, que surgem seitas, partidos e teorias. Se várias pessoas  com visão saudável se reunirem e examinarem um objeto, concordarão entre si, quase  totalmente, na descrição do que estão vendo; mas se selecionarmos um  número igual de pessoas como vista tão fraca que dificilmente distinguem  entre um homem e uma árvore, produzirão uma tremenda confusão, e com  bastante probabilidade começarão a discutir. "E um homem", exclama um delas; "ele está  andando". "E uma árvore", exclama o segundo; "é alta demais para  ser um homem".
Quando os quase cegos se tornam obtusos e  desprezam seus mestres, e não  querem aprender segundo o ensino do Espírito  Santo, estabelecem a ignorância como se fosse conhecimento, e  talvez arrastem à fossa, consigo, outros semi-iluminados. Mesmo quando a  santa modéstia impede esse resultado maligno, não deixa de ser lamentável essa meia  visão, pois deixa os homens entristecidos quando poderiam  regozijar-se, e lastimando por causa de uma doutrina que, se fosse bem  compreendida, encheria sua boca com cânticos o dia inteiro. Muitos se  sentem perturbados a respeito da eleição; ora, se há neste livro uma  doutrina que deve deixar os  crentes cantar o dia, e a noite inteiros, é exatamente a doutri na do  amor eletivo e da graça distintiva. Algumas pessoas ficam assustadas  com esse aspecto, e outras, com aquele, ao passo que, se  entendessem a verdade, em vez de fugir dela como de um inimigo,  correriam para se lançar a seus braços.
Tendo, portanto, oferecido esse esboço do homem no estado  transicional, terminaremos observando como a cura acabou, foi  completada.
Irmãos,  sejam gratos por  qualquer tipo de luz recebida. Sem a graça de Deus, não poderíamos receber um único  raio dela. Um raio de luz é mais do que merecemos. Se fôssemos  trancados na escuridão das trevas para sempre, como poderíamos nos  queixar disso? Não merecemos, por termos fechado os olhos contra Deus,  ser condenados às trevas perpétuas? Sejam gratos, portanto, por qualquer  vestígio de luz, mas não dêem tanto valor à parte recebida, para não  desejar mais. Permanece cego quem não deseja ver melhor. E péssimo sinal  de saúde fraca, quando não temos desejo de crescer. Quando nos sentimos  convic tos de sabermos toda a verdade, e não aceitamos mais ensinos, é  provável que tenhamos a necessidade de recomeçar tudo. Uma das primeiras  lições na escola da sabedoria é que somos naturalmente tolos, e quem se  torna consciente da própria deficiência e ignorância torna-se sábio.  Quando o Senhor Jesus Cristo leva  um homem a enxergar um pouco, e a desejar ver mais, não o deixa até  tê-lo conduzido a toda a verdade.
Vemos  que o Salvador, para  completar a cura, tocou de novo no paciente. Você precisa da renovação do  contato com o Salvador, como meio de aper feiçoamento, como foi o  primeiro ato de sua iluminação. Trata-se de ficar bem perto de Cristo,  conhecendo sua bendita pessoa; estude o caráter dele, deseje conversar com ele por conta própria, e  vê-lo com seus olhos mediante a fé, e não com os olhos de outra  pessoa — esse será o meio de receber luz mais clara. O toque divino realiza tudo.  Suponho que quando os olhos desse homem foram plenamente abertos, a primeira pessoa  que viu foi Jesus, pois tinha sido retirado do meio da  multidão, e só  podia ver homens a certa distância. E uma bendita visão poder se embevecer na vista daquele  rosto, e perceber a beleza do incomparável amante de nossa alma. Que grande  alegria! A pessoa poderia aceitar ficar cega para sempre, se não existisse a possibilidade  de ver Jesus; mas quando ele é visto, que deleite celestial de ter sido resgatado  da cegueira que o escondeu dos nossos olhos! Crente, ore para que, acima de todas as  coisas, você o possa conhecer e entender. Com todas as coisas que  você quer obter, obtenha entendimento de Cristo. Conte preciosa a  doutrina, só por ela ser o trono no qual Cristo se assenta. Tenha em  alta estima o preceito, mas não faça dele uma pedra legalista para  lacrar Cristo na sepultura; pense no preceito apenas como ele é  ilustrado e ex posto na sua vida; e mesmo na vida, não se importe com  ele caso não aponte para Cristo, como por um dedo. Considere que você  cresce somente à medida que está  em Cristo. "Crescer na graça", diz o apóstolo, e acrescenta: "e no  conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo". Peça para poder  ver, mas coloque o pedido  nesta forma: "Senhor, queríamos ver Jesus". Ore para recuperar a vista, mas que seja uma visão do Rei na sua  beleza, a fim de poder, futuramente, ver a terra distante. Você  está se aproximando da clareza da visão quando você conseguir ver apenas Jesus; você sai da  região das nuvens, para dentro do fulgor do dia, quando, em vez  de ver homens como árvores, você contempla o Salvador. Então poderá  deixar os homens e as árvores cuidar de si mesmos.
Lemos  que nosso Senhor fez o cego recuperar a visão.  Se quisermos ver, não devemos olhar para baixo;  nenhuma luz brota desta terra. Se quisermos ver, não devemos  olhar dentro de nós; ali há uma caverna escura, cheia do que é  maligno. Devemos  olharam cima. Toda boa dádiva e dom perfeito vêm de cima, e devemos levantar os olhos para recebê-los.  Meditando a respeito de Jesus, e confiando dele, devemos levantar os olhos a Deus.  Nossa alma deve considerar a perfeição de seu Senhor, e não  sonhar com a própria perfeição. Ela deve meditar na grandeza dele, e não em qualquer grandeza  pessoal imaginária. Devemos levantar os olhos, não a nossos  conservos, nem a aspectos externos da adoração, mas ao próprio Deus.  Devemos olhar, e ao olharmos para cima acharemos a luz.
O texto bíblico nos diz  que, no fim, "ele via tudo claramente". Sim, quan  do o grande Médico manda o paciente para casa, você pode ter certeza  total de que sua cura foi completa. Com o paciente, tudo estava bem, em  sentido superlativo. Ele viu, viu tudo, viu todos os homens com clareza.  Que este seja o quinhão feliz de muitas pessoas semi-iluminadas aqui  presentes! Não fiquemsatisfeitos,  caros amigos, apenas com serem salvos; desejem saber como vocês  são salvos, por que vocês   são salvos, o método pelo qual vocês são salvos. E em uma rocha que vocês estão em pé, eu sei,  mas pensem a respeito das seguintes perguntas: Como vocês foram colocados na rocha,  mediante o amor de quem vocês chegaram ali, e por que esse amor foi  dado a vocês.
Eu desejaria, diante de Deus, que todos os  membros  desta igreja não  só estivessem firmes em Cristo   Jesus, mas que o entendessem e o conhecessem segundo a  certeza do entendimento que vocês alcançaram. Estejam sempre dispostos aexplicar a esperança que está em vocês,  e isso com mansidão e temor. Lembrem-se da existência de muitas distinções  sérias nas Escrituras, e que vocês evitariam grande quantidade dos problemas se as  conhecessem e se lembrassem delas. Procurem entender a diferença  entre a velha natureza e a nova. Nunca esperem que a velha natureza  melhore até tornar-se nova, pois nunca será assim. A velha natureza  nunca poderá fazer coisa alguma a não ser pecar. Existem dois princí  pios diferentes: nunca faça confusão entre eles. Não fiquem vendo homens  andando como se fossem árvores.  Não confundam a santificação com a justificação. Lembrem-se de  que, no momento em que vocês confiam em Cristo, estão com pletamente  justificados como o serão no céu, mas a santificação é uma obra  paulatina, levada a efeito dia após dia, por Deus, o Espírito Santo.  Faça a distinção entre a grande  verdade de que a salvação é inteiramente da parte de Deus, e a grande  mentira de que os homens não têm culpa caso se perca. Tenham total certeza de que a salvação é do Senhor,  mas não coloquem a perdição na conta de Deus. Não sintam vergonha  se os homens os chamarem de calvinistas, mas odeiem com sinceridade o  antinomismo.
Por outro lado, embora vocês acreditem  na  responsabilidade humana, jamais  incorram no erro de supor que o homem se volta a Deus por livre  vontade. Existe uma linha  divisória bem estreita entre esses dois erros, e peçam graça para enxergá-la. Peçam graça para não cair  no sorvedouro, nem ser esmagados contra a rocha; para não ser  escravos de um dos sistemas, nem do outro. Nunca digam a respeito de algum texto das  Escrituras: "Fique quieto, não posso suportá-lo", e nem de outro:  "Creio em você, e só em você". Procurem amar toda a Palavra de Deus, e  obter discernimento de cada verdade revelada, e como vocês possuem a Palavra de Deus que lhes é dada, não  como algumas visões discordantes entre si, mas como uma  totalidade, busquem captar a verdade como ela está em Cristo, com toda a  sua qualidade compacta e em sua unidade. Eu conclamaria a vocês, se tiverem vista que os capacite a ver  alguma coisa, a caírem de joelhos e a clamarem ao grande Doador  da vista: "Ó Mestre, continua; remova cada película, cada catarata, e se  for doloroso para mim ter meus preconceitos extirpados ou cauterizados dos meus olhos, faze-o,  Senhor, até que eu possa ver na luz clara do Espírito Santo, e  ser feito digno de entrar pelas portas da cidade santa, onde meus olhos  te verão face a face". 
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