Como Deus pode ser feliz e decretar a calamidade? Imagine que ele  tem a capacidade de ver o mundo através  de duas lentes.
Olhando pela mais estreita,
ele fica triste e irado com pecado e sofrimento.
Pela mais larga,
ele vê o mal em relação a seus propósitos eternos.
A realidade é como um mosaico.
As partes podem ser feias em si,
mas o todo é belo.
Muitos de nós já passaram  por um período de grande luta com a doutrina da soberania de Deus. Se  levarmos nossas doutrinas para dentro do coração, onde é o lugar delas,  elas podem causar agitação, emoção e noites insones. Isso é muito melhor  do que brincar com idéias acadêmicas que nunca tocam a vida real. Pelo  menos existe a possibilidade de que a agitação desemboque em um novo  período de calma e confiança.
Com  muitos de nós acontece como com Jonathan Edwards. Ele foi pastor e um  teólogo brilhante na costa leste dos Estados Unidos no começo do século  XVIII. Foi o líder do Primeiro Grande Despertamento. Suas principais  obras ainda desafiam as grandes mentes do nosso tempo. Sua junção  extraordinária de lógica e amor fazem dele um escritor que comove  profundamente. Cada vez que me sinto improdutivo e fraco, vou à minha  coleção das obras de Edwards e animo-me com um dos seus sermões.
Ele  relata a crise por que passou em relação à doutrina da soberania de  Deus: “Desde a minha infância, minha mente esteve cheia de objeções à  doutrina da soberania de Deus. Para mim, era uma doutrina horrível. Mas  eu me lembro muito bem do tempo em que pareci estar convencido, e  plenamente satisfeito, dessa soberania de Deus.
Contudo,  jamais pude dar um relato de como ou por qual meio fui convencido, e  nem de longe imaginar, nem na época nem muito tempo depois, que houve  nisso uma influência extraordinária do Espírito de Deus; eu simplesmente  agora enxergava mais longe, e minha razão apreendeu a justiça e a  lógica da doutrina. Entretanto, minha mente descansou nela; e dei fim a  todas as contestações e objeções.
Houve  uma mudança maravilhosa em minha mente, com respeito à doutrina da  soberania de Deus, daquele dia em diante; de modo que, desde então, não  mais surgiu em mim alguma objeção a ela, absolutamente. |...] Desde  aquela época, com freqüência tive não apenas a convicção, mas uma  convicção prazerosa. A doutrina muitas vezes pareceu-me extremamente  agradável, clara e doce. Soberania absoluta é o que gosto de atribuir a  Deus, Mas essa não foi minha primeira convicção”.
Portanto,  não é surpreendente que Johathan Edwards tenha lutado séria e  profundamente com um problema com que nos defrontamos agora. Como  podemos afirmar a felicidade de Deus com base em sua soberania, quando  muito do que Deus permite no mundo é contrário aos seus próprios  mandamentos na Bíblia? Como podemos dizer que Deus é feliz quando há  tanto pecado e desgraça no mundo?
Edwards  não alegava ter esgotado o assunto nessa vida. Mas ele nos ajuda a  encontrar um caminho possível para evitar contradições frontais e ao  mesmo tempo ser fiel às Escrituras. Usando minhas palavras, ele disse  que a complexidade infinita da mente divina é tal que Deus tem a  capacidade de ver o mundo através de duas lentes. Ele pode olhar por uma  lente estreita e por outra de ângulo aberto.
Quando  Deus olha para um evento doloroso ou perverso através da sua lente  estreita, ele vê a tragédia ou o pecado pelo que ela é em si mesma, e  fica irado e triste. "Não tenho prazer na morte de ninguém, diz o Senhor  Deus" (Ez 18.32).
Mas  quando Deus olha para um evento doloroso ou perverso através da sua  lente de ângulo aberto, ele vê a tragédia ou o pecado em relação a tudo o  que a causou e a tudo o que deriva dela. Ele a vê em relação a todas as  ligações e efeitos que formam um padrão ou mosaico que se estende até a  eternidade. Esse mosaico com todas as suas partes - boas e más - lhe  apraz
"Ao Senhor agradou moê-lo"
Deus quis a crucificação do  seu Filho.
O pecado e a dor,
ele abominou
(através da lente estreita).
Na obediência que cobriu o pecado e derrotou a morte,
ele se alegrou
(através da lente de ângulo aberto).
Assim é com toda dor e pecado:
Triste em si, ela não frustra seus planos
nem diminui sua mais profunda satisfação.
Por exemplo, a morte de  Cristo foi vontade e obra de Deus Pai. Isaías escreve: "Nós o  reputávamos por aflito, ferido de Deus e oprimido. [...] Ao Senhor  agradou moê-lo, fazendo-o enfermar" (53.4, 10).
Mesmo  assim, certamente, quando Deus Pai viu a agonia do seu Filho amado e a  maldade que o levou à cruz, não teve prazer nessas coisas em si (vistas  pela lente estreita). Deus abomina o pecado como tal e o sofrimento do  inocente.
Apesar  disso, de acordo com Hebreus 2.10, Deus Pai achou apropriado  aperfeiçoar o Pioneiro da nossa salvação por meio do sofrimento. Deus  quis aquilo que ele abominava. Ele o abominou na visão da lente  estreita, mas não na visão de ângulo aberto da eternidade. Quando  considerava a universalidade das coisas, o Pai via a morte do Filho de  Deus como uma forma magnífica de demonstrar sua justiça (Rm 3.25, 26),  de conduzir seu povo à glória (Hb 2.10) e de manter os anjos louvando  por todo o sempre (Ap 5.9-13).
Por  essa razão, quando digo que a soberania de Deus é a base da sua  felicidade, não estou desprezando nem minimizando a ira e a tristeza que  Deus pode expressar com o mal. Todavia, também não estou inferindo  dessa ira e tristeza que Deus é um Deus frustrado que não consegue  manter sua criação sob  controle.  Ele planejou desde a eternidade um mosaico magnífico da história da  redenção e está moldando cada evento de forma infalível.'' A  contemplação desse mosaico (com suas pedras claras e escuras) enche seu  coração de alegria.
E  se o coração do nosso Pai está cheio de felicidade profunda e  inabalável, nós podemos ter certeza de que, quando buscamos nossa  felicidade nele, não o encontramos "de mau humor". Não encontraremos um  Pai frustrado, sombrio, irritadiço que quer ser deixado em paz, mas um  Pai cujo coração está tão cheio de alegria que transborda para todos os  que estão sedentos (e buscam o prazer cristão).
                                                                                                             John Piper
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