"O Espírito da verdade, que o mundo não pode receber." João 14:17
A  fé cristã, baseada no Novo Testamento, ensina o completo contraste  entre a igreja e o mundo. Não é mais do que um lugar comum religioso  dizer que o problema conosco hoje é que procuramos construir uma ponte  sobre o abismo que há entre duas coisas opostas, o mundo e a igreja, e  realizamos um casamento ilícito para o qual não há autorização bíblica.  Na verdade, nenhuma união real entre o mundo e a igreja é possível.  Quando a igreja se junta com o mundo, já não é mais a igreja verdadeira,  mas apenas um detestável produto misturado, um objeto de gozação e  desprezo para o mundo, e uma abominação para o Senhor.
A  obscuridade em que muitos (ou deveríamos dizer a maioria dos?) crentes  andam hoje não é causada por falta de clareza da parte da Bíblia. Nada  poderia ser mais claro do que os pronunciamentos das Escrituras sobre a  relação do cristão com o mundo. A confusão que campeia nessa matéria  resulta da falta de disposição de cristãos professos para levar a sério a  Palavra do Senhor. O cristianismo está tão emaranhado no mundo que  milhões nunca percebem quão radicalmente abandonaram o padrão do Novo  Testamento. A transigência está por toda parte. O mundo está  suficientemente caiado, encobrindo as suas faltas, para passar no exame  feito por cegos que posam como crentes; e esses mesmos crentes estão  eternamente procurando obter aceitação da parte do mundo. Mediante  mútuas concessões, homens que a si mesmos se denominam cristãos manobram  para ficar bem como homens que para as coisas de Deus nada têm, senão  mudo desprezo.
Toda  esta questão é espiritual, em sua essência. O cristão é o que não é por  manipulação eclesiástica, mas pelo novo nascimento. É cristão por causa  de um Espírito que nele habita. Só o que é nascido do Espírito é  espírito. A carne nunca pode converter-se em espírito, não importa  quantos homens considerados dignos da igreja nela trabalhem. A  confirmação, o batismo, a santa comunhão, a profissão de fé - nenhum  destes, nem todos estes juntos, podem transformar a carne em espírito, e  tampouco podem fazer de um filho de Adão um filho de Deus. "E, porque  vós sois filhos", escreveu Paulo aos gálatas, "enviou Deus aos nossos  corações o Espírito de seu Filho, que clama: Aba, Pai.". E aos  Coríntios, ele escreveu: "Examinai-vos a vós mesmos, se realmente estais  na fé; provai-vos a vós mesmos. Ou não reconheceis que Jesus Cristo  está em vós? Se não é que já estais reprovados". E aos romanos: "Vós,  porém, não estais na carne, mas no Espírito, se de fato o Espírito de  Deus habita em vós. E se alguém não tem o Espírito de Cristo, esse tal  não é dele".
A  terrível zona de confusão tão evidente em toda a vida da comunidade  cristã, poderia ficar esclarecida num só dia, se os seguidores de Cristo  começassem a seguir a Cristo em vez de uns aos outros. Pois o nosso  Senhor foi muito claro em Seu ensino sobre o cristão e o mundo.
Numa  ocasião, depois de receber não solicitado e carnal conselho de irmãos  sinceros, mas não esclarecidos, o nosso Senhor respondeu: "O meu tempo  ainda não chegou, mas o vosso sempre está presente. Não pode o mundo  odiar-vos, mas a mim me odeia, porque eu dou testemunho a seu respeito  de que as suas obras são más". Ele identificou os Seus irmãos na carne  com o mundo e disse que Ele e eles eram de dois espíritos diferentes. O  mundo O odiava, mas não podia odiá-los porque não podia odiar-se a si  próprio. Uma casa dividida contra si mesma não subsiste. A casa de Adão  tem que permanecer leal a si própria, ou se romperá. Conquanto os filhos  da carne possam brigar entre si, no fundo estão unidos uns aos outros. É  quando o Espírito de Deus entra, que entra um elemento estrangeiro. "Se  o mundo vos odeia", disse o Senhor aos Seus discípulos, "sabei que,  primeiro do que a vós outros, me odiou a mim. Se vós fôsseis do mundo, o  mundo amaria o que era seu; como, todavia, não sois do mundo, pelo  contrário dele vos escolhi, por isso o mundo vos odeia.". Paulo explicou  aos gálatas a diferença entre o filho escravo e o livre: "Como, porém  outrora, o que nascera segundo a carne perseguia ao que nasceu segundo o  Espírito, assim também agora" (Gálatas 4:29).
Assim,  através do Novo Testamento inteiro, é traçada uma aguda linha entre a  igreja e o mundo. Não há meio termo. O Senhor não reconhece nenhum  bonzinho "concordar para discordar" para que os seguidores do Cordeiro  adotem os procedimentos do mundo e andem pelo caminho do mundo. O abismo  que há entre o cristão e o mundo é tão grande como o que separou o rico  de Lázaro. E, além disso, é o mesmo abismo, isto é, é o abismo que  separa o mundo, dos resgatados do mundo; do mundo, dos que continuam  caídos.
Bem  sei, e o sinto profundamente quão ofensivo esse ensino deve ser para  aquele bando de mundanos que mói e remói o rebanho tradicional. Não  posso alimentar a esperança de escapar da acusação de fanatismo e  intolerância que, sem dúvida, lançarão contra mim os confusos  religionistas que procuram fazer-se ovelhas por associação. Mas bem  podemos encarar a dura verdade de que os homens não se tornam cristãos  associando-se com gente de igreja, nem por contato religioso, nem por  educação religiosa; tornam-se cristãos somente por uma invasão da sua  natureza, invasão feita pelo Espírito de Deus por ocasião do novo  nascimento. E quanto se tornam cristãos assim, imediatamente passam a  ser membros de uma nova geração, uma "raça eleita, sacerdócio real,  nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus ... que não tínheis  alcançado misericórdia, mas agora alcançastes misericórdia" (I Pedro  2:9,10).
Com  os versículos citados, não houve desejo de os citar fora do contexto,  nem de focalizar a atenção num lado da verdade para desviá-lo de outro. O  ensino desta passagem forma completa unidade com toda a verdade do Novo  Testamento. É como se tirássemos um copo de água do mar. O que  tiraríamos não seria toda a água do oceano, mas seria uma amostra real e  em perfeito acordo como o restante.
A  dificuldade que nós cristãos contemporâneos enfrentamos não é a de  entender mal a Bíblia, mas a de persuadir os nossos indóceis corações a  aceitarem as suas claras instruções. O nosso problema é conseguir o  consentimento das nossas mentes amantes do mundo para termos Jesus como  Senhor de fato, bem como de palavra. Pois uma coisa é dizer, "Senhor,  Senhor", e outra completamente diferente é obedecer aos mandamentos do  Senhor. Podemos cantar, "Coroai-O Senhor de todos", e regozijar-nos com  os agudos e sonoros tons do órgão e com a profunda melodia de vozes  harmoniosas, mas ainda não teremos feito nada enquanto não abandonarmos o  mundo e não fizermos os nosso rostos na direção da cidade de Deus na  dura realidade prática. Quando a fé se torna obediência, aí é de fato fé  verdadeira.
O  espírito do mundo é forte, e gruda em nós tão entranhadamente como  cheiro de fumaça em nossa roupa. Ele pode mudar de rosto para adaptar-se  a qualquer circunstância e assim enganar muito cristão simples, cujos  sentidos não são exercitados para discernir o bem e o mal. Ele pode  brincar de religião com todas as aparências de sinceridade. Ele pode ter  acessos de sensibilidade de consciência , e até pode confessar os seus  maus caminhos pela imprensa pública. Ele louvará a religião e bajulará a  igreja por seus fins. ele contribuirá para as causas de caridade e  promoverá campanha para distribuir roupas aos pobres. Basta que Cristo  guarde distância e que nunca afirme o Seu senhorio sobre ele.  Positivamente isso não durará. E para com o verdadeiro Espírito de  Cristo, só mostrará antagonismo. A imprensa do mundo (que é seu real  porta-voz) raramente dará tratamento justo a um filho de Deus. Se os  fatos a compelem a uma reportagem favorável, o tom tende a ser  condescendente e irônico. Ressoa nela a nota de desdém.
Tanto  os filhos deste mundo como os filhos de Deus foram batizados num  espírito, mas o espírito do mundo e o Espírito que habita nos corações  dos homens nascidos duas vezes, acham-se tão distanciados um do outro  com o céu do inferno. Não somente são o completo oposto um do outro, mas  também estão em extremo combate um contra o outro, mas também estão em  agudo antagonismo um contra o outro. Para um filho da terra as coisas do  Espírito são, ou ridículas, caso em que ele se diverte, ou sem sentido,  caso em que ele se aborrece. "Ora, o homem natural não aceita as cousas  do Espírito de Deus, porque lhe são loucura; e não pode entendê-las  porque elas se discernem espiritualmente."
Na  Primeira Epístola de João duas palavras são empregadas uma e outra  vez,, as palavras eles e vós, e elas designam dois mUndos totalmente  diversos; vós refere-se aos escolhidos, que deixaram tudo para seguir a  Cristo. O apóstolo não se põe genuflexo, de joelhos, ante o deus de  Tolerência (cujo culto se tornou na América uma espécie de religião de  segunda capa); João é grosseiramente intolerante. Ele sabe que a  tolerância pode ser simplesmente outro nome para a indiferença. Exige-se  vigorosa fé para aceitar o ensino do experimentado João. É muito mais  fácil apagar as linhas de separação e, assim, não ofender ninguém.  Generalidades piedosas e o emprego de nós para significar tanto cristãos  como descrentes, é muito mais seguro. A paternidade de Deus pode ser  ampliada para incluir toda gente, desde Jack, o Estripador, até Daniel, o  Profeta. Assim, ninguém fica ofendido e todos se sentem banhados e  prontos para o céu. Mas o homem que se reclinara sobre o peito de Jesus  não foi enganado assim tão facilmente. Ele traçou uma linha para dividir  em dois campos a raça humana, para separar dos salvos os perdidos, dos  que se afundarão no desespero final os que subirão para a recompensa  eterna. De um lado estão eles — aqueles que não conhecem a Deus; de  outro, vós (ou, com uma mudança de pessoa, nós), e entre ambos está um  abismo moral largo demais para qualquer homem atravessar.
Eis  aqui o modo como João o declara: "Filhinhos, vós sois de Deus, e tendes  vencido os falsos profetas, porque maior é aquele que está em vós do  que aquele que está no mundo. Eles procedem do mundo; por essa razão  falam da parte do mundo, e o mundo os ouve. Nós somos de Deus; aquele  que conhece a Deus nos ouve; aquele que não é da parte de Deus não nos  ouve. Nisto reconhecemos o espírito da verdade e o espírito do erro".  Uma linguagem como esta é clara demais para confundir qualquer pessoa  que honestamente queira conhecer a verdade. Nosso problema não é de  entendimento, repito, mas de fé e obediência. A questão não é teológica:  Que é que isto ensina?
É  moral: Estou disposto a aceitar isto e arcar com as coseqüências? Posso  agüentar o olhar frio? Tenho coragem de enfrentar os acerbos ataques  movidos pelos modernistas? Ouso provocar o ódio dos homens que se  sentirão apontados por minha atitude? Tenho suficiente independência  mental para desafiar as opiniões da religião popular e de acompanhar um  apóstolo? Ou, em resumo, posso persuadir-me a tomar a cruz com o seu  sangue e com o seu opróbrio?
O  cristão é chamado para ficar separado do mundo, mas precisamos ter  certeza de que sabemos o que queremos dizer (ou, mais importante, o que  Deus quer dizer) com o mundo. É provável que o façamos significar alguma  coisa externa apenas, perdendo, assim, o seu significado real. Cartas,  bebidas, jogos — estas coisas não são o mundo; são simples manifestações  externas do mundo. A nossa luta não é apenas contra os procedimentos do  mundo, mas contra o espírito do mundo. Porquanto o homem, salvo ou  perdido, essencialmente é espírito. O mundo, no sentido neotestamentário  do termo, é simplesmente a natureza humana não regenerada onde quer que  esta se encontre, quer no bar, quer na igreja. O que quer que brote da  natureza decaída, ou seja edificado sobre ela ou dela receba apoio, é o  mundo, seja moralmente vil ou moralmente respeitável. Os antigos  fariseus, a despeito da sua zelosa dedicação à religião, eram da própria  essência do mundo. Os princípios espirituais sobre os quais eles  contruíram o seu sistema foram retirados, não do alto, mas de baixo.  Eles empregaram contra Jesus as táticas dos homens. Subornavam os homens  para dizerem mentiras em defesa da verdade. Para defender Deus, agiam  como demônios. Para proteger a Bíblia, desafiavam os ensinamentos da  bíblia. Eles sabotavam a religião para salvá-la. Davam rédeas soltas ao  ódio cego em nome da religião do amor. Vemos aí o mundo com todo o seu  cruel desafio a Deus. Tão feroz foi esse espírito, que não descansou  enquanto não levou à morte o próprio Filho de Deus. O espírito dos  fariseus era ativa e maliciosamente hostil ao Espírito de Jesus, pois  cada qual era uma espécie de destilação de ambos os respectivos mundos  dos quais provinham.
Os  mestres atuais que situam o Sermão do Monte nalguma outra dispensação  que não esta e, assim, liberam a igreja do seu ensino, mal percebem o  mal que fazem. Pois o Sermão do Monte dá em resumo as características do  Reino dos homens regenerados. Os bem-aventurados pobres que choram seus  pecados e têm sede de justiça são verdadeiros filhos do Reino. Com  mansidão mostram misericórdia para com os seus inimigos; com sincera  simplicidade contemplam a Deus; rodeados de perseguidores, abençoam, e  não amaldiçoam. Com modéstia escondem as suas boas obras e com paciência  aguardam a visível recompensa de Deus. Livremente renunciam aos seus  bens terrenos, em vez de usar a violência para protegê-los. Eles  acumulam os seus tesouros no céu. Evitam os elogios e esperam o dia da  prestação final de contas para saber quem é maior no Reino do céu.
Se  esta é uma visão bem precisa das coisas, que podemos dizer quando  cristãos disputam entre si lugar e posição? Que podemos responder quando  os vemos famintamente procurando homenagens e louvor? Como podemos  desculpar a paixão por publicidade, tão claramente evidente entre os  líderes cristãos? Que dizer da ambição política nos círculos cristãos? E  das febris mãos estendidas para mais e maiores "oferendas de amor"? Que  dizer do desavergonhado egoísmo entre os cristãos? Como explicar o  grosseiro culto do homem que habitualmente infla um ou outro líder  popular dando-lhe somas endinheiradas, beijo dado por aqueles que se  propõe como fiéis pregadores do Evangelho?
Há  só uma resposta a essas perguntas, é simplesmente que nessas  manifestações vemos o mundo, e nada senão o mundo. Nehuma apaixonada  declaração de "amor" às "almas" pode transformar o mal em bem. Estes são  os mesmos pecados que crucificaram Jesus.
Também  é verdade que as mais grosseiras manifestações da natureza humana  decaída fazem parte do reino deste mundo. Diversões organizadas com  ênfase em prazeres frívolos, os grandes impérios edificados em hábitos  viciosos e inaturais, o irrestrito abuso dos apetites normais, o mundo  artificial denominado "alta sociedade" - todas estas coisas são do  mundo. Todas fazem parte daquilo de que a carne consiste, daquilo que se  edifica sobre a carne e que há de perecer com a carne. E dessas coisas o  cristão deve fugir. Todas essas coisas ele tem que pôr para trás e  nelas não deve tomar parte. Contra eleas deve pôr-se serena, mas  firmemente, sem transigência e sem temor.
Portanto,  que o mundo se apresente em seus aspectos mais feios, quer em suas  formas mais sutis e refinadas, devemos reconhecê-lo pelo que ele é, e  repudiá-lo categoricamente. Precisamos fazer isso, se é que desejamos  andar com Deus em nossa geração como Enoque o fez na sua. Um rompimento  puro e simples com o mundo é imperativo. "Infiéis, não compreendeis que a  amizade do mundo é inimiga de Deus? Aquele, pois, que quiser ser amigo  do mundo, constitui-se inimigo de Deus" (Tiago 4:4). "Não ameis o mundo  nem as cousas que há no mundo. Se alguém amar o mundo, o amor do Pai não  está nele; porque tudo que há no mundo, a concupiscência da carne, a  concupiscência dos olhos e a soberba da vida, não procede do Pai, mas  procede do mundo" (I João 2:15,16). Estas palavras de Deus não estão  diante de nós para nossa consideração; estão aí para nossa obediência, e  não temos direito de nos entitular-mos cristãos se não as seguimos.
Quanto  a mim, temo qualquer tipo de movimento religioso entre s cristãos que  não leve ao arrependimento, resultando numa aguda separação do crente e o  mundo. Suspeito de todo e qualquer esforço de avivamento organizado,  que seja forçado a reduzir os duros termos do Reino. Não importa quão  atraente pareça o movimento, se não se baseia na retidão e não é cuidado  com humildade, não é de Deus. Se explora a carne, é uma fraude  religiosa e não deve receber apoio de nenhum cristão temente a Deus. Só é  de Deus aquele que horna o Espírito e prospera às expensas do ego  humano. "Como está escrito: Aquele que se gloria, glorie-se no Senhor".
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