- Noite de Domingo – 12 de Maio de 1880 -
"Disse Jesus: 'Nem ele nem seus pais pecaram'
(para que ele nascesse cego) 'mas isto aconteceu para que
a obra de Deus se manifestasse na vida dele'" (João 9.3).
Nunca  atribuam uma tristeza especial sofrida pelos homens a um pecado  especial. Em geral, considera-se que aqueles sobre os quais caiu a torre  de Siloé devem ter pecado mais do que os outros que habitavam  Jerusalém; e se algumas pessoas foram acometidas pela morte súbita,  tendemos a supor que devem ter sido muito culpadas; mas não é assim.  Homens muito piedosos já foram queimados até a morte em um trem; eu me  lembro de um que teve esse fim terrível. Muitos homens santos foram  afogados a bordo de navios, a caminho dos serviços do Mestre. Alguns dos  homens mais agraciados que já conheci caíram mortos sem aviso prévio.  Não podemos julgar a condição de um homem diante de Deus por aquilo que  lhe acontece segundo a ordem da providência; e é total falta de bondade e  de generosidade, quase desumano, sentar-se, como os amigos de Jó, e  supor que, já que Jó é extremamente aflito, por isso, é cheio de  pecados. Não é assim. Nem todas as aflições são castigos pelo pecado;  existem algumas aflições que têm propósito e objetivo bem diferentes.  São enviadas para refinar, enviadas como santa disciplina, enviadas como  escavadores sagrados, para providenciar mais espaço no coração para  Cristo e o seu amor. E, realmente, vocês sabem que está escrito:  "Repreendo e disciplino aqueles que eu amo" (Ap 3.19). "Pois o Senhor  disciplina a quem ama, e castiga todo aquele a quem aceita como filho"  (Hb 12.6).
É,  portanto, um absurdo muito grande supor que, se um homem nasce cego, se  trate de castigo pelo pecado dos seus pais, ou de um castigo enviado  antes por algum pecado que porventura pudesse cometer depois. Nosso  Salvador nos manda olhar para essas coisas de modo bem diferente e  considerar que as enfermidades e os males físicos foram enviados como  âmbito dentro do qual Deus possa demonstrar o seu poder e a sua graça.  Assim era, de modo bem especial, na ocasião de que este texto trata; e  vou levar mais adiante esse fato, e dizer que até mesmo o próprio  pecado, por existir em todos os lugares, e isso de modo especial em  alguns casos, pode oferecer o que chamamos "campo livre para a ação",  para a graça de Deus, e pode, realmente, vir a ser uma plataforma sobre a  qual possa ser exibido o maravilhoso poder, a paciência e a soberania  da graça divina.
Será  esse o assunto a respeito do qual falaremos: como Deus tira das  tristezas e dos pecados dos homens a oportunidade para manifestar as  suas próprias obras para a sua própria glória. Assim como esse homem  nasceu cego, a fim de que, através da sua cegueira, o poder de Deus  pudesse ser visto ao lhe conceder a vista, assim também existem muitos  nos quais o poder de Deus pode muito facilmente ser visto, e as obras de  Deus ser muito claramente manifestadas.
 
I. Em primeiro lugar, portanto, vamos perguntar quais são essas obras. Quais obras de Deus são vistas na salvação dos homens?  Existe um homem ali que está totalmente perdido. É um homem cuja vida  está de cabeça para baixo; seu coração ama aquilo que o arruinará, e não  ama aquilo que o abençoaria. Seu entendimento está ofuscado; ele define  o amargo como doce e o doce, como amargo. Sua vontade se tornou muito  arrogante e ele usurpou poder que nunca deveria possuir. Se você o  observar bem, não o considerará de muito valor. Está com as engrenagens  atrapalhadas, como uma máqui-na que não opera corretamente. Para  descrevê-lo rapidamente, em uma palavra, eu diria que ele está em uma  condição caótica, com tudo em desordem e confuso. "Ora", diz alguém,  "esse é o meu caso; estou assim neste momento."
Ora,  a primeira obra de Deus que lemos na Bíblia é a obra da criação. "No  princípio Deus criou os céus e a terra" (Gn 1.1). Quando veio a  plenitude do tempo para o equipamento do mundo, evento este que  geralmente chamados de criação, embora fosse realmente a disposição  daquilo que Deus já criara, então apareceu o Senhor, e o Espírito de  Deus, com asas estendidas, se movia sobre o caos, e da confusão trouxe  ordem. Que o Espírito de Deus venha neste dia mover-se sobre a mente  confusa e atrapalhada, na qual tudo está jogado em desordem! Ele não  sabe para que nasceu, nem com que objetivo vive. Parece não ter objetivo  na vida, está sendo jogado de um lado para outro como uma madeira solta  nas águas do oceano. Suas emoções voam de vaidade em vaidade, e não se  pode colocar ordem nele. Sua mãe tentou fazer isso; mas ele desprezou a  idéia de ficar na barra da saia dela. Muitos amigos têm tentado isso a  partir de então; mas agora ele pegou as rédeas, saiu galopando, e não  obedece mais a elas. Ó Deus, se queres vir neste momento, e fazer dele  uma nova criatura em Cristo Jesus, tua obra criadora será manifestada  nele! Se tu queres moldar, e modelar, e formar, e talhá-lo até ele ser  um vaso digno do teu uso, então as obras de Deus começarão a ser  manifestadas nele. Quem dera fosse assim! Há entre nós alguns que podem  testificar que Deus é um grande criador, porque fez todas as coisas  novas entre nós e transformou o que antes era caos num mundo de beleza e  deleite, onde ele se deleita em habitar.
Depois  de criado o mundo, a obra seguinte de Deus era a de criar a luz. A  Terra já estava criada, mas estava envolta em trevas. "As trevas cobriam  a face do abismo." Nenhum sol, nenhuma lua e nenhuma estrela tinham  aparecido; nenhuma luz ainda incidira sobre a Terra; talvez em razão dos  densos vapores que excluíam a luz. Deus nada fez, senão dizer "'Haja  luz'" e houve luz.
Pois  bem, nesta dia entrou aqui uma pessoa que não apenas está sem forma e  vazia, e terrivelmente agitada, mas que é pessoalmente trevas, e está  nas trevas. Deseja a luz, mas não a tem. Não conhece o caminho da vida;  não vê um único raio de esperança de que virá a achar o caminho. Parece  encerrada na noite egípcia sombria e espessa; e talvez, pior de tudo,  não conheça sua verdadeira condição; mas chama as trevas de luz e se  orgulha de sua capacidade de enxergar, quando, na realidade, não  consegue ver absolutamente nada. Senhor, fala a palavra, e diga: "Haja  luz", e o homem verá a luz, e a verá imediatamente! Estou certo que,  quer eu possa falar com poder, quer não, Deus pode falar com poder; e  para mim que estou aqui em pé, é uma doce consolação porque ele pode,  neste momento, descobrir o pecador mais empobrecido neste prédio,  sentado ou em pé em qualquer cantinho, e a luz pode penetrar em sua alma  com menos tempo do que eu levo para falar as palavras; e, para a maior  surpresa dele mesmo, as trevas serão luz ao seu redor, e a noite egípcia  será transformada no meio-dia do amor e misericórdia divinos. Orem a  Deus para que seja assim, irmãos. Levantem ao céu uma oração silenciosa,  pois essa obra de disseminação da luz, essa iluminação, é uma obra  especial de Deus; e existem muitos, que agora estão nas trevas, em quem  essa obra de Deus pode ser manifestada.
Depois  de realizadas essas duas obras de Deus, depois de ter havido a criação e  de a luz ter sido produzida, ainda há a obra divina da ressurreição.  Qual seria a finalidade de uma forma que tão belamente foi criada  morrer, e qual seria o objetivo da luz raiar com todo o seu brilho sobre  um cadáver? No entanto, nesta casa de oração, há nesta dia algumas  pessoas que estão mortas nos delitos e pecados. Não sentem o peso do  pecado; porém, para um homem vivente é um fardo intolerável. Não são  feridos pela espada de dois gumes do Senhor, embora um homem vivente  logo seja cortado e ferido por ela. Não ouvem nem mesmo as notas alegres  da livre graça e do amor que morreu por nós. Mesmo que essas notas  sejam soadas como um carrilhão de sinos de prata, esses pecadores mortos  não conseguem apreciar sua doce música. É obra de Deus libertar os  homens. Virá um dia, e talvez mais cedo do que imaginamos, em que todas  as miríades de cadáveres que jazem em nossos cemitérios e campos santos  subirão do túmulo para viverem de novo. Aquela será uma manifestação de  poder divino; mas não será uma manifestação maior de poder divino do que  quando um coração morto, uma consciência morta, uma vontade morta é  vivificada com vida divina. Queira Deus operar esse poderoso milagre de  misericórdia nesta mesma hora! Orem para que seja assim, amados irmãos e  irmãs em Cristo. Esses mortos não poderão orar em favor dessa  ressurreição; oremos por ela em favor deles. Mas se um deles real-mente  orar por isso, exclamar "Senhor, faz-me viver!", esse fato comprova que  já há estremecimento de vida cursando por ele - senão, não teria esse  desejo vivo.
Irmãos,  eu poderia continuar seguindo a linha da história da criação e da  disposição do mundo na sua devida ordem, mas não vou; vocês poderão  fazer isso por conta própria. O que quero falar agora é a respeito da  obra divina da purificação. Aqui temos, neste lugar de culto, um homem  que fez tudo quanto lhe era possível para rebelar-se contra Deus. Talvez  seja semelhante ao sr. John Newton, que se descreve de modo parecido  quando diz: "Em muitos aspectos, eu era semelhante ao apóstolo Paulo.  Blasfemava, perseguia e injuriava; mas em um aspecto fui além do  apóstolo Paulo, pois ele fez tudo na ignorância, mas eu pequei contra a  luz e o conhecimento." Alguém aqui, ao pecar, transgrediu muito por ter  feito o que sabia ser errado, mas perseverou em fazer assim, contra os  freios da consciência e contra as advertências de um anseio melhor, que  nunca conseguiu sufocar? Fico atônito, às vezes, depois de ter  conversado com pessoas cuja vida chegou quase até a própria extremidade  da iniquidade, mas que, apesar disso, durante o tempo todo tiveram um  certo freio interior que nunca as deixava ir além, até ao ponto em que  não haveria mais esperança. Sempre sobrava alguma coisa que ainda  reverenciavam, mesmo fingindo descrer e blasfemar de tudo. Havia alguma  influência pelo bem operando sobre elas, como se Deus tivesse uma linha  de pesca e um anzol no queixo de leviatã; e embora este nadasse até  certa distância nas grandes profundezas do pecado, a ponto de não se  poder saber até onde tinha ido, mesmo assim, tinha de voltar. Deus ainda  opera milagres de misericórdia e de graça. Agora, suponhamos que, neste  momento, aquele pecador tão sujo, com todos os seus anos de pecado,  recebesse o perdão total. E suponhamos também que, agora, a totalidade  daqueles cinquenta ou sessenta anos de pecado desaparecesse de uma vez  por todas, suponhamos que Deus perdoasse ou, melhor ainda, se  esquecesse, suponhamos que, com um gesto tremendo do seu braço  onipotente, ele pegasse todo o pecado daquele pecador e lançasse nas  profundezas do mar, que maravilha de graça seria essa! E é assim que  Deus quer fazer em favor de todas as pessoas que confiam em Jesus. Se  você quiser vir, e lançar-se diante dos seus pés queridos, e levantar os  olhos para Jesus crucificado, que sangra no seu lugar, e crer nas  palavras do profeta Isaías: "O SENHOR fez cair sobre ele a iniquidade de  todos nós" (Is 53.6), ou nas palavras do apóstolo Pedro: "Ele mesmo  levou em seu corpo os nossos pecados sobre o madeiro" (1Pe 2.24), se  você confiar em Jesus, o grande Salvador do pecado, ele o deixará  imaculado; e, no seu caso, as obras de Deus serão manifestadas, pois  ninguém, senão o Deus Todopoderoso, pode purificar os pecadores  escarlates, e ele pode fazer isso num só momento! Senhor, faze-o agora!
Suponhamos  que outra coisa acontecesse, que um homem ou uma mulher aqui presente,  desesperadamente resoluta na prática do mal, se voltasse neste momento  para uma direção totalmente oposta, que seria manifestamente uma obra  divina de mudar a totalidade da orientação da vida. Nunca vi as  cataratas de Niágara, nem creio que a verei; mas alguns aqui a viram. A  força poderosa das águas desce com um estrondo terrível, saltando das  alturas. Você acreditaria que quem, num só momento, poderia fazer aquela  queda de água saltar para cima, em vez de para baixo, e buscar tão  impetuosamente as alturas como agora se precipita para as profundezas,  fosse divino? Pois bem, o Senhor consegue fazer com um grande pecador,  do tamanho da Niágara, presente aqui neste dia. Você está decidido a  seguir as más companhias e cometer um pecado horrível; você resolveu que  amanhã vai se agarrar ao copo de bebida, e não se satisfazer até ter se  transformado em algo horrível; você resolveu levar adiante aquele seu  negócio ilícito, como obter de dinheiro pelo jogo ou por meios ainda  piores. Sim, mas se o Senhor surgir aqui resoluto para salvar você, ele  levará você a entoar outro cântico. "Oh, mas eu nunca queria ser um  metodista!" diz alguém. Não ser o que você ainda será. "Oh, você nunca  faria de mim um convertido", diz outro. Não falei que poderia fazer  isso; mas o Senhor pode transformar você naquilo que você pensa que  nunca será. Algumas pessoas se pudessem ter se visto há dez anos,  sentadas aqui e desfrutando da Palavra, teriam dito: "Não, aquele não é  você, tenho certeza disso" e, "Não, aquela não é você, minha filha; você  nunca estará ali; não há receio daquilo". Mas vocês estão aqui, afinal;  e aquilo que a livre graça tem feito em favor de alguns entre nós  poderá fazer em prol dos outros. Senhor, faze isso, segundo aquele forte  poder que operaste em Cristo quando o ressuscitaste dentre os mortos!  Opera do mesmo modo nos ímpios agora e desvia-os do erro dos seus  caminhos, para correrem impetuosamente atrás de ti quanto agora fogem de  ti!
Sobre  esse assunto, tenho só mais um item a mencionar. Acho que as obras de  Deus às vezes são manifestadas nos homens, ao dar-lhes grande alegria.  Há uma pessoa que está convencida do pecado? O sr. Consciência  levantou-se contra ele. Vocês o conhecem. Ele tem um açoite de nove  tiras. Quando recebe licença para por as mãos à obra e quando pega firme  num pecador que durante muito tempo o manteve trancado, ele diz: "Agora  é a minha vez;" e ele faz com que vocês saibam disso, acreditem. Uma  vez que um homem fica com a consciência, com o açoite de nove tiras, e  aplica golpes com ele, nunca se esquecerá disso. Cada golpe parece  arrancar uma tira de carne. Vejam como os nove arados fazem sulcos  profundos todas as vezes que caem. Alguém diz: "Você fala como homem que  o conhece." Conhecê-lo? Realmente o conheci durante muitos anos, quando  era criança; e nem de noite, nem de dia, podia escapar dos golpes  daquelas tiras de couro. Oh, como a consciência me fustigava, e não  conseguia achar repouso em lugar algum até que, em certa ocasião, ouvi a  voz divina dizer: "Voltem-se para mim e sejam salvos, todos vocês,  confins da terra" (Is 45.22); e a consciência guardou o seu açoite, e  minhas feridas foram banhadas em bálsamo celestial e cessaram de arder, e  fiquei feliz! Oh, meu coração exclamou "Aleluia!" quando vi Jesus na  cruz! Então, entendi que Deus executara a plena vingança, devida ao meu  pecado, contra seu bem-amado, que bondosamente oferecera seus ombros aos  açoites, e empreendera levar sobre si o castigo do meu pecado. Meu  coração saltou de alegria. Notem que estou sempre pregando a doutrina da  substituição. Não posso deixar de fazer isso, porque é a única verdade  que me trouxe consolo; nunca teria saído das masmorras do desespero não  fosse aquela grandiosa doutrina da substituição. Espero que nenhuma moça  me peça para escrever em seu diário esta semana. Recebo pedidos assim,  nem sei quantas vezes na semana, e sempre escrevo o seguinte verso:
"Desde quando, pela fé, vi a correnteza
Pelas tuas feridas que fluem suprida,
O amor que redime tem sido o meu tema e certeza.
E assim será até eu perder minha vida."
Quando  vocês conhecerem o poder daquele tema bendito, perceberão que é obra de  Deus varrer para longe as nossas cinzas e nos dar o óleo da alegria,  tirar de nós as roupas de luto e nos vestir com as roupas da beleza,  colocar em nossa boca um novo cântico e estabelecer as nossas  atividades. Que essa bendita obra de Deus seja operada em todos vocês,  para o louvor da glória da sua graça!
II. Agora, minha segunda divisão é esta: Como essas obras de Deus ficam especialmente manifestadas em alguns homens?
Vou  tomar como exemplo o cego e repassar a sua vida. Primeiro: era  total-mente cego. Nada havia de fingimento na sua cegueira; não  conseguia enxergar um único raio de luz; era totalmente cego; nada sabia  a respeito da luz. Temos aqui alguém que seja totalmente cego no  sentido espiritual? Você não consegue enxergar coisa alguma, meu pobre  amigo. Você não possui nenhuma boa vontade; você nem sequer teve um bom  pensamento. Ah, você não sabe que tipo de pessoa existe nesta cidade;  mas nos encontramos com pessoas que, durante muitos anos, parecem que  nunca tiveram um pensamento bom em sua mente; e se outra pessoa fosse  lhes falar a respeito de alguma coisa boa, ou até mesmo decente, seria  como lhe falar de uma bobagem sem sentido! Temos multidões de pessoas  desse tipo nas nossas favelas; sim, e na zona sul também. Ora, quando o  Senhor, na sua infinita misericórdia, chega até essas pessoas, que estão  totalmente cegas, e as capacita a ver, há bastante espaço para seu  forte poder operar ali, pois todas as pessoas dizem: "Que maravilha que  uma pessoa assim tenha se convertido!"
Lembro-me  bem de um homem com quem orei em doce comunhão. Era bem estranho quando  o encontrei pela primeira vez, embora depois passasse a ser um homem  muito bom. Era dos mais excêntricos que já conheci; e eu mesmo já me  acho bem excêntrico; mas ele era um mundano morto. Seus domingos - ora,  ele não conhecia nenhuma diferença entre o domingo e a segunda-feira, a  não ser que não podia passar tanto tempo na cervejaria nos domingos. Uma  vez, disse: "Num domingo de manhã, saí para comprar dois patos, e os  coloquei em cada bolso do meu casaco; e, enquanto andava, vi as pessoas  entrando no local de culto, e pensei em dar uma olhada para saber como  era, pois ouvira dizer que por dentro era um lugar de boa aparência."  Entrou, e o Senhor se encontrou com ele, e naquele dia os patos não  chegaram a ser cozidos, tiveram de esperar até a segunda-feira; mas ele  mesmo foi caçado e capturado para Cristo naquele dia. Uma transformação  total ocorreu nele, e ele se tornou imediatamente um cristão fervoroso,  ao passo que antes não possuía qualquer tipo de pensamento religioso,  fosse de temor, fosse de esperança. Tratava-se de um caso no qual as  obras de Deus especial-mente se manifestaram. Esse homem já foi para o  céu; mas me lembro bem dele, e como louvei a Deus pela sua conversão!
Mas  esse homem nasceu cego. Ora, há muitas pessoas assim. Na realidade,  todas as pessoas nascem cegas. Trata-se do pecado original, do qual  todos sofremos. O pecado é uma mácula no nosso sangue. Nascemos cegos.  Existem alguns que, de modo muito peculiar, nascem e são educados em uma  família totalmente destituída de religião; são criados para  desprezá-la, ou são criados no meio da superstição e ensinados a repetir  uma oração inútil diante de um crucifixo de madeira ou de pedra.  Pessoas como essas, assim criadas, poderão encontrar Cristo? Mas acabam  achando Cristo, ou, melhor, Cristo as encontra; e ouvem o evangelho, e  este se recomenda às suas mentes de imediato.
Imagino  que ninguém foi mais supersticioso do que Martinho Lutero. Já vi aquela  escadaria em Roma, pela qual Martinho Lutero subiu de joelhos; dizem  que é a escadaria pela qual nosso Senhor desceu do palácio de Pilatos.  Imaginem Lutero fazendo isso; e vieram a ele, enquanto subia de joelhos a  escadaria, as seguintes palavras "O justo viverá pela fé", e ele se  levantou imediatamente, e não continuou a subir de joelhos as escadas.  Quem dera que Deus aparecesse assim para alguns entre vocês!
Em  segundo lugar, esse cego foi curado por meios especiais. Essa foi outra  manifestação das obras de Deus. O Salvador cuspiu, abaixou-se e remexeu  a saliva no pó até ter formado o barro; e então, pegando esse barro,  começou a passá-lo nos olhos do homem. Deus é grandemente glorificado  pela salvação das pessoas mediante a simples pregação do evangelho, a  maneira mais simples que pode ser usada. Muitas vezes, quando as almas  são salvas neste lugar, as pessoas dizem: "Ora, não vejo nada de notável  no pregador". Não, e se vocês fossem ficar olhando muito tempo mais,  vocês veriam ainda menos valor no pregador do que veem agora, porque o  valor está no evangelho. Ó irmãos, se alguns pregadores somente  pregassem o evangelho, não demorariam a perceber como ele é superior a  todos os ensaios que fazem! Mas preparam tão bem os seus sermões. Oh,  sim! Sei disso, que vocês já ouviram falar do homem que preparava as  batatas antes de plantá-las no jardim? Sempre as cozinhava; mas nunca  cresciam, pois o preparo tirava toda a vida delas. Ora, muitos sermões  "cozidos" são apresentados ao povo; mas nunca crescem. Ficam tão  requintados e preparados que não surtem efeito. O Senhor ama abençoar  palavras vivas, faladas de um coração sincero em linguagem singela. O  homem que fala assim não recebe a glória; mas a glória é atribuída a  Deus, e assim há espaço para as obras de Deus serem manifestadas.
Esse  cego também era uma esfera especialmente apropriada para Deus  manifestar as suas obras, porque era conhecido como mendigo público.  Conduziam-no de manhã, segundo suponho, até a porta do templo; e ali  tomava seu lugar e se sentava. Era homem com a língua bem solta,  imagino, de modo que frequentemente trocava gracejos com os transeuntes.  Desconfio que era sempre bem irônico; e, quando as pessoas falavam com  ele, sem lhe dar nada, ele sempre sabia lhes dar o troco. Aquele mendigo  cego era uma personagem bem conhecida em Jerusalém, tanto quanto o  mendigo cego em Bethnal Green; por ser ele tão bem conhecido o Salvador o  escolheu e abriu-lhe os olhos. Então, meu caro amigo, você veio para cá  neste dia, não é mesmo?
Você  é muito conhecido; mas não vou indicar o seu lugar; não gosto de fazer  essas coisas. Entrou aqui, não há muito tempo, um soldado que tinha  professado a religião, mas passara a ser um apóstata pavoroso, e se  desviara, mas queria ouvir o evangelho de novo. Ele, astutamente,  escolheu um lugar nos fundos, onde eu não poderia vê-lo. Mas, naquela  noite de domingo, e ele é testemunha disso, me lembro bem de ter falado:  "Pois bem, Willi, você precisa voltar, você sabe disso; e quanto antes,  melhor"; e Willi realmente voltou, e me mandou um recado para dizer que  Willi voltara com o coração quebrantado para buscar o seu Senhor. Tenho  certeza de que eu não sabia que se chamava Willi, nem sabia por que  havia se escondido atrás das colunas; mas Deus sabia, e adaptou o recado  à pessoa, e assim trouxe Willi de volta.
Se  existem Guilherme, Tomás ou Tiago, ou Maria, ou qualquer outra pessoa  que se desgarrou de Deus, ó graça soberana, trazei-a de volta, sejam  soldados ou civis, para que busquem e achem o Salvador agora mesmo! Esse  Willi era bem conhecido, e sua restauração em Cristo irá (segundo  confio) manifestar nele as obras de Deus, porque era tão bem conhecido!  Quem dera que o Senhor atendesse aquela oração do meu amigo hoje, e  convertesse o Príncipe de Gales! Todos nós dissemos "Amém" diante  daquela petição. Desejamos que o Senhor traga para a sua igreja alguns  daqueles que são mais conhecidos, quer sejam príncipes, que sejam  mendigos, a fim de que as obras de Deus se manifestem nele.
Quando  esse homem foi convertido, em vez de ser um mendigo público, passou a  ser quem fazia confissão pública de fé. Gosto de uma resposta dele: "Não  sei se ele é pecador ou não. Só sei uma coisa: eu era cego e agora  vejo!" Existem muitos homens que podem dizer: "Ora, não sei muita coisa a  respeito da teologia; mas sei que eu era um bêbado, e agora não sou  mais. Sei que eu batia na minha esposa; e agora, Deus a abençoe, ela  sabe o quanto a amo! Eu poderia ter me afundado em todos os tipos de más  companhias; mas agora, graças a Deus, seus santos são meus companheiros  escolhidos! Em tempos passados, eu poderia ter me glorificado na minha  própria justiça; mas agora a considero escória e esterco, para que eu  possa ganhar a Cristo, e ser achado nele. Houve grande transformação em  mim; ninguém pode negar esse fato, e louvo o nome de Deus por isso." Que  o Senhor envie um grande grupo de homens que não sentem vergonha de  Jesus Cristo! Queremos muitos ho-mens e mulheres que virão diretamente  do mundo, e dirão: "Cristo é por mim, porque ele tocou tanto no meu  coração, que eu sou por ele; e se ninguém mais quiser o confessar, eu  devo fazê-lo, pois ele é o meu melhor amigo, meu Senhor, meu Salvador,  meu tudo." Em tais casos, as obras de Deus são manifestadas.
III.  Agora, chegarei ao fim depois de simplesmente ter dito três ou quatro  coisas a respeito desta última divisão: como as obras de Deus podem  manifestar-se em nós?
Alguns  entre vocês são muito pobres; outros, mancos ou doentios; vocês sofrem  de tuberculose, de asma, estão cheios de dores e achaques, e de  sintomas. Pois bem: talvez todos esses sofrimentos sejam permitidos para  que a obra de Deus seja manifestada nas aflições de vocês, pela sua  santa paciência, pela sua submissão à vontade divina, pela sua santidade  perseverante no meio da sua pobreza e das suas provações.
O  mesmo se pode dizer a respeito das suas enfermidades. Nenhum de nós é  perfeito; mas também podemos ter enfermidades físicas. Acreditem agora,  se vocês forem enviados para pregar o evangelho, ou a ensinar crianças,  ou promover, de qualquer outra maneira, a propagação do reino de Deus,  vocês não seriam melhor equipados para a sua obra se tivessem toda a  eloquência de um Cícero, e toda a erudição de um Newton. Vocês, da  maneira que são e estão, poderão servir melhor ao Senhor, e poderão  melhor preencher determinada vaga, com todas as suas insuficiências, do  que poderiam fazer sem elas. O cristão sensato fará uso das suas  enfermidades em favor da glória de Deus. Contam uma história estranha a  respeito de S. Bernardo, história que eu considero alegoria e não fato  histórico. Dizem que ele estava atravessando os Alpes em direção a Roma  em razão de algum empreendimento. O diabo sabia que o santo estava para  realizar alguma coisa que lesaria grandemente o reino de Satanás, de  modo que quebrou uma das rodas do coche do santo; e diante disso,  Bernardo gritou-lhe: "Satanás, você pensa que vai me parar assim? Agora  você mesmo vai sofrer por isso"; assim, pegou nele, torceu-o em círculo,  fez dele uma roda, e o fixou no coche, e então continuou viagem. Ora, o  significado daquela alegria é que, quando as enfermidades ameaçam  danificar a nossa utilidade, devemos usar essas enfermidades a serviço  de Deus. Transformem o próprio diabo em roda e sigam adiante em ritmo  ainda mais rápido por causa do empecilho que ele tentou provocar. Pode,  até mesmo ser vantagem, às vezes, ser forçado, ao gaguejar, a enfatizar  especialmente determinada palavra; e se eu chegasse a me sentir, de vez  em quando, encalhado num buraco por algo assim, tomaria o cuidado de  ficar encalhado em algum lugar perto da cruz. Muitos homens receberam o  poder de atrair as pessoas pela própria singularidade que parecia,  forçosamente, prejudicar a sua utilidade. Todas as nossas enfermidades,  sejam quais forem, não passam de oportunidades para Deus demonstrar em  nós a sua obra graciosa.
Assim  também será com todas as oposições que encontrarmos. Se realmente  servirmos ao Senhor, certamente encontraremos dificuldades e oposições;  mas não são outra coisa a não ser mais oportunidades para que as obras  de Deus sejam manifestadas em nós.
No  seu devido tempo, viremos a morrer, e na nossa morte a obra de Deus  pode se manifestar. Fico imaginando com que tipo de morte glorificaremos  a Deus. Não foi uma bela expressão de João, quando o Salvador falou de  Pedro? Disse a Pedro que este morreria, mas João não o expressa assim.  Diz: "O tipo de morte com a qual Pedro iria glorificar a Deus" (Jó  21.19). Talvez fosse mediante uma longa enfermidade aterradora; alguns  serão paulatinamente dissolvidos pela tuberculose. Pois bem, vocês  glorificarão a Deus por ela. Aquelas faces pálidas, e aquela mão magra,  através da qual a luz passará, pregarão muitos sermões no leito de  enfermidade. Ou talvez você glorificará a Deus de alguma outra maneira. É  possível que tenha de morrer com fortes lances de dor; mas então, se o  Senhor animar você, e lhe der paciência, você glorificará a Deus por  esse tipo de morte. Você encarará com calma a morte e não se queixará  nem temerá. De qualquer maneira, você terá de morrer, a não ser que o  próprio Senhor venha antes; e, bendito seja o seu nome, ele levará você  para casa de uma maneira que, de um modo ou outro, glorificará o seu  nome. Comecemos, portanto, a nos regozijar nisso mesmo agora.
Nenhum comentário:
Postar um comentário