Nestes  dias de múltiplos "direitos" humanos, a maioria das pessoas considera  erroneamente que Deus nos deve algo — a salvação ou pelo menos uma  oportunidade de salvação. Mas na argumentação de Packer sobre a graça, à  qual nos referimos no início deste capítulo, o autor aponta  corretamente que Deus não nos deve coisa alguma. Ele mostra um  surpreendente favor a muitos — isto é o que graça significa — mas ele  não tem de fazê-lo. Se ele fosse obrigado a ser gracioso, a graça não  seria mais graça e a salvação seria baseada nos méritos humanos ao invés  de ser sola gratia.
Quando  dizemos que Deus não é obrigado a ser gracioso estamos falando a  respeito de graça soberana e quando falamos a respeito de graça soberana  não há melhor passagem bíblica para estudar do que Efésios 1. A maior  parte dos cristãos está ciente do ensino de Paulo sobre a graça em  Efésios 2. Na verdade, muitos memorizaram Efésios 2.8,9, que descreve a  graça. O que a maioria não percebe é que o significado de graça naqueles  versículos já havia sido definido através do que foi dito a respeito de  graça no capítulo 1. O capítulo 1 é, do começo ao fim, sobre a soberana  graça de Deus.
Qual  é a diferença entre Efésios 1 e 2? Ambos usam a palavra graça três  vezes. Mas o capítulo 1 olha para o assunto sob o ponto de vista de  Deus, mostrando que nós somos salvos por causa do que Deus quis,  enquanto que o capítulo 2 olha para o assunto pela nossa perspectiva,  mostrando como estes decretos anteriores de Deus impactam o crente  individual. A coisa mais importante é que Paulo começa com Deus. E ainda  mais, começando com Deus, ele destaca o papel de cada pessoa da  Trindade em seu trabalho.
1. O papel de Deus o Pai:  eleição, "assim como nos escolheu, nele, antes da fundação do mundo,  para sermos santos e irrepreensíveis perante ele; e em amor nos  predestinou para ele, para a adoção de filhos, por meio de Jesus Cristo,  segundo o beneplácito de sua vontade, para louvor da glória de sua  graça, que ele nos concedeu gratuitamente no Amado" (Ef 1.4-6). Estes  versos são uma das mais fortes expressões da graça soberana na  Escritura, pois ensinam que as bênçãos da salvação vêm para algumas  pessoas porque Deus deter-minou desde antes da criação do mundo dar  estas bênçãos àquelas pessoas — e somente por esta razão.
Muitas  pessoas hoje não gostam desta doutrina porque pensam que não é justa.  Alguns a negam francamente. Alguns a admitem mas negam seus efeitos  dizendo que a escolha é baseada no pré-conhecimento de Deus — como se  houvesse qualquer coisa boa em nós para Deus prever, à parte dele ter  previamente determinado colocar isto em nós. Alguns ignoram a doutrina.  Mas é difícil ignorar a eleição, pois ela tem seus alicerces do começo  ao fim da Bíblia e em muitas passagens decisivas. Sem a prévia eleição  divina dos pecadores para a salvação, a graça é esvaziada de seu  significado.
2. O papel de Deus o Filho:  redenção. A eleição não é a única coisa que Deus fez como expressão de  sua graça na salvação. Seguindo o padrão trinitariano deste capítulo,  vamos para a doutrina da redenção. O que Deus fez por meio de Jesus  Cristo foi redimir seu povo eleito ou escolhido, o que também flui de  graça imerecida ou total-mente soberana. "No qual temos a redenção, pelo  seu sangue, a remissão dos pecados, segundo a riqueza da sua graça, que  Deus derramou abundantemente sobre nós em toda a sabedoria e prudência"  (Ef 1.7,8).
A  razão pela qual a redenção é particularmente associada a Jesus Cristo é  que redenção é um termo comercial que significa "comprar no mercado  para que o objeto ou pessoa comprada possa ser libertada" e Jesus fez  esta compra e obra libertadora por nós através de sua morte em nosso  lugar. Para levar a efeito a ilustração, somos descritos como escravos  do pecado, incapazes de nos libertar a nós mesmos da escravidão do  pecado e das garras do mundo. Na verdade, em vez de nos libertar, o  mundo brinca alegremente com nossos corpos e almas. E oferece seu  sedutor pagamento — fama, sexo, prazer, poder, riqueza. Por estas coisas  milhões vendem suas almas eternas e perecem. Mas Jesus entra no mercado  como nosso Redentor. Jesus oferece o preço de seu sangue. Deus diz:  "Vendido para Jesus, pelo preço de seu sangue!" Não há lance mais alto  que este. Assim nos tornamos sua posse para sempre.
O  apóstolo Pedro escreveu: "sabendo que não foi mediante coisas  corruptíveis, como prata ou ouro, que fostes resgatados do vosso fútil  procedimento que vossos pais vos legaram, mas pelo precioso sangue, como  de cordeiro sem defeito e sem mácula, o sangue de Cristo" (1 Pe  1.18,19). Charles Wesley expressou isto poeticamente:
Há muito meu aprisionado espírito jaz 
Prisioneiro do pecado e da noite da natureza; 
Teu olho difundiu um rápido raio; 
Acordei, a masmorra brilhou com luz; 
Minhas cadeias caíram, meu coração foi liberto; 
Levantei, prossegui e te segui.
3. O papel de Deus Espírito Santo:  chamada eficaz. A terceira expressão da graça soberana de Deus em nossa  salvação enfatizada em Efésios 1 é a obra do Espírito Santo, que aplica  ao indivíduo a salvção planejada por Deus Pai e alcançada por Deus  Filho. "Nele, digo, no qual fomos também feitos herança, predestinados  segundo o propósito daquele que faz todas as coisas conforme o conselho  da sua vontade, a fim de sermos para louvor da sua glória, nós, os que  de antemão esperamos em Cristo; em quem também vós, depois que ouvistes a  palavra da verdade, o evangelho da vossa salvação, tendo nele também  crido, fostes selados com o Santo Espírito da promessa; o qual é o  penhor da nossa herança, até ao resgate da sua propriedade, em louvor da  sua glória" (Ef 1.11-14).
Ao  primeiro relance a palavra "herança" no verso 11 parece estar  descrevendo a mesma coisa que as palavras de Paulo a respeito da escolha  do Pai no verso 4, ou seja, eleição. Mas na verdade a idéia é  diferente. No verso 4 a escolha predestinadora do Pai está antes de  tudo. No verso 11, "herança" se refere ao que os teólogos denominam o  chamado eficaz do Espírito Santo, o qual flui e é determinado pelo  exercício da soberana vontade de Deus na eleição.
Provavelmente  a maior ilustração da graça de Deus chamando um pecador morto para a  vida seja a de Jesus ressuscitando Lázaro, registrado em João 11. Quando  Jesus retornou a Betânia a pedido das irmãs do homem morto, foi dito a  ele que Lázaro havia morrido há quatro dias e que ele já estava em  decomposição: "Disse-lhe Marta, irmã do morto: Senhor, já cheira mal,  porque já é de quatro dias" (v.39). Que descrição gráfica do estado de  nossa decadência moral e espiritual por causa do pecado! Morto,  decompondo, com mal cheiro, sem esperança. Não havia nada que alguém  pudesse fazer por Lázaro nesta condição de morte. Sua situação não era  meramente séria ou severa; era impossível.
Mas  não para Deus! "Para Deus tudo é possível" (Mt 19.26). Por-tanto,  havendo orado, Jesus chamou: "Lázaro, vem para fora" (Jo 11.43), e o  chamado de Jesus trouxe vida ao homem morto, assim como a voz de Deus  trouxe do nada o inteiro universo à existência.
Isto  é o que o Espírito Santo faz a pecadores moribundos hoje. O Espírito  Santo trabalha por meio da pregação da Bíblia para chamar à fé aqueles  que ele previamente escolheu para a salvação e por quem especificamente  Jesus morreu. A parte destas três graciosas ações — o ato de Deus em  eleger, a obra de Cristo em morrer, e a operação do Espírito Santo em  chamar — não haveria salvação para nin¬guém. Mas devido a estas ações —  por causa da graça soberana de Deus — mesmo o pior dos rebeldes  blasfemos pode ser mudado de sua insensatez e pode encontrar Cristo.
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