Os  termos que nossa Bíblia traduz por "pecado", tanto no Antigo como no  Novo Testamento, significam ou errar o alvo, ou falhar em alcançar um  padrão, ou falhar em obedecer à autoridade. Seja o padrão inalcançado, o  alvo não atingido, a vereda abandonada, a lei transgredida ou a  autoridade desafiada, em cada caso é o homem contra Deus. O pecado é  medido à luz de Deus e sua vontade. O pecado é desviar-se do caminho que  Deus determinou (Êx 32.8), para um caminho proibido, um caminho de  própria escolha (Is 53.6). O pecado consiste em andar contrariamente a  Deus, retroceder para longe de Deus, voltar as costas para Deus,  desafiar e ignorar a Deus.
Em  termos positivos, qual é a essência do pecado? Brincar de Deus. E, como  um meio para tanto, recusar-se a permitir que o Criador seja Deus, até  onde estiver envolvido aquele que assim agir. A atitude que é a essência  do pecado consiste em viver, não para Deus, mas para si mesmo; amar,  servir e agradar a si mesmo, sem importar-se com o Criador. Consiste em  tentar ser tão independente de Deus quanto possível, colocando-se fora  do alcance de sua mão, mantendo-0 afastado, conservando as rédeas da  vida em suas próprias mãos, agindo como se a própria pessoa e os seus  prazeres fossem a finalidade para a qual as demais coisas, incluindo  Deus, existissem. O pecado é a exaltação de si mesmo contra o Criador,  evitando prestar a homenagem que Lhe é devida e pondo-se no lugar dEle  como o padrão final de referência, em todas as decisões da vida.  Agostinho analisou o pecado como orgulho (superbia),  aquela louca paixão de ser superior até mesmo a Deus, como um estado de  espírito afastado de Deus para uma atitude de auto-absorção (homo incurvatus in se). Assim, o pecado é a imagem do diabo, pois o orgulho auto-exaltado foi o seu pecado antes que se tornasse o nosso (1 Tm 3.6).
Todos  esses elementos estavam embrionariamente contidos no primeiro pecado  humano, que consistiu em entregar-se à tentação de ser ' 'como Deus" (Gn  3.5). Paulo nos mostra que o pecado começou quando os homens, "tendo  conhecimento de Deus não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças"  (Rm 1.21). Ele mesmo nos oferece a mais precisa análise do espírito do  pecado contida na Bíblia, ao dizer que ' 'o pendor da carne [a mente e o  coração do pecador não-regenerado] é inimizade contra Deus" (Rm 8.7) —  descontentamento para com o seu governo, ressentimento contra as suas  reivindicações e hostilidade para com a sua Palavra; tudo expresso por  meio da determinação fixa e inalterável de seguir a sua própria  independência, em desafio ao Criador. O substantivo abstrato "inimizade"  intensifica a idéia, como se Paulo houvesse dito "essência da  inimizade", ou então "inimizade pura".
Dessa  atitude de auto-deificação brotam atos de autodeterminação contra Deus e  nossos semelhantes: atos de irreligiosidade, no primeiro caso; atos de  desumanidade, no segundo caso. Um ser que desprezou o primeiro grande  mandamento — amarás a Deus com todas as tuas forças — dificilmente  poderia mostrar muito respeito para com o segundo — amarás ao teu  próximo como a ti mesmo. Disso, deriva-se o espírito do pecado, que  destroça as relações entre o homem e o seu Criador e também destrói a  sociedade humana. Paulo nos apresenta três formas características em que  essa ação destruidora se manifesta (Rm 1.26-31; Gl 5.19-21 e 2 Tm 3.2-4).
J. I. Packer
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