Frio  na terra — e eis, quinze rudes dezembros destes montes morenos descem  Primavera; é fiel o espírito que tem lembrança após tais anos de mudança  e sofrimento.- Emily Bronte, 
A  primeira condição da nossa iniciação na sociedade secreta dos Amigos de  Deus, é que tomemos nosso lugar com Ele ante o julgamento do mundo; e  que com Ele sejamos escarnecidos, vistos com condescendência e mal  compreendidos pela religião do mundo, pela cultura do mundo, pelo poder  do mundo — e por todas as artimanhas que o mundo estabelece como padrões  pelos quais condenar a realidade. No exato momento em que declaramos  que ele não pode dar-nos aquele reino intangível a que aspiramos,  alienamos a sua simpatia, insultamos o seu senso comum. Então a  ignorância, a ociosidade e a covardia nos condenam para seu sossego,  como outrora condenaram o Primeiro e Último Justo.
John Cordelier em A Vereda da Sabedoria Eterna
Estudar  o problema do mal é defrontar-se com o fato do sofrimento. "Se existe  sofrimento, Deus pode existir?" Essa é uma questão que tem sido  levantada desde tempos imemoriais. "Se Deus é bom e também onipotente,  por que, então, permite sofrimento em Sua criação?" É como raciocinam os  homens. Ou não há nenhum espírito por trás de todas as coisas, ou então  um espírito completamente impassível e indiferente para com o bem e o  mal, ou, pior ainda, um espírito mau.
Cedo  ou tarde, quase todos os homens deparam com o sofrimento. Este assume  numerosas formas. Existe o sofrimento causado pela dor física, variando  em grau mas sempre potencialmente opressivo. A dor pode ser uma sensação  puramente física. Pode ser uma dor amortecida ou uma dor aguda.  Dispõe-se de vasta literatura médica e fisiológica sobre o tema da dor,  mas os escritores concordam em que é impossível definir a dor. Há mais  de cem anos foi lançada a teoria de que a dor era efeito de uma  sobrecarga dos nervos sensitivos estimulados por excessiva aplicação de  calor ou frio, ruído ou pressão de qualquer natureza. Poucos defendem  essa teoria hoje. Acumularam-se as provas que demonstram que existem  nervos receptores de dor específicos, inteiramente separados dos que  transmitem calor ou frio. No presente se está fazendo muita pesquisa  sobre os chamados "terminais nervosos livres", que são as raízes  ramificadas terminais mais finas de uma célula nervosa, cuja estrutura  fica perto da espinha dorsal; as atuais indicações desta pesquisa são  que esses terminais nervosos podem comunicar dor e também outras  sensações. Somos feitos de maneira formidável e maravilhosa e dentro da  nossa estrutura nervosa há uma maquinaria que num momento pode abater um  homem, ou através de um longo período de tempo pode continuar a  estropiá-lo e a incapacitá-lo para as atividades normais.  Instintivamente evitamos a dor. Exceto em estados psíquicos anormais, a  dor é universalmente considerada como um inimigo que se deve evitar a  todo custo.
A  dor causa sofrimento, se vai além de certo ponto. Mas há muitas formas  de sofrimento que não se irradiam da dor física. 0 medo e a ansiedade  podem produzir grande sofrimento. A humilhação, certo senso de  injustiça, a perda de um ente querido pela morte, o remorso, a  destruição do casamento, a frustração e a alienação pessoal podem causar  o mais agudo sofrimento. Um sofrimento emocional dessa espécie pode ser  em tudo tão acerbo como o causado pela dor física. As vidas de  incontáveis pessoas são ensombrecidas pelo amargor do fracasso em sua  ambição ou nos negócios, e se vêem sobrecarregadas pelo tormento da  incerteza, da vacuidade e do desespero. Erram pelas ruas das nossas  grandes cidades muitos que se renderam ao alcoolismo, ao vício das  drogas, ao divórcio e ao crime, não por causa da ameaça da fome, mas por  causa da paralisia moral da falta de sentido da vida em geral. 0  sofrimento é algo muito complexo, abrangendo a mente, as emoções e o  espí¬rito integral do homem. A depressão profunda é uma terrível  realidade para multidões de homens e mulheres. 0 egoísmo, a avareza, a  cobiça, a crueldade e a disposição para vingança podem trazer â outros  um terrificante peso de dor. Acreseente-se a isto o sofrimento do órfão e  do refugiado, do faminto e desamparado em terras assoladas pela guerra,  as incríveis e, contudo, mais que verdadeiras torpezas de Belsen e  Dachau, as rudes luxúrias e cegueiras das raças antigas que retornam no  tempo, chegando às eras primevas, temos um quadro misto retratando um  universo de sofrimento que é muito duro, muito assustador e muito  diabólico.
Pode-se  considerar bom o sofrimento em algum aspecto? Ou é completamente mau?  Não se pode passar por alto a questão. Que tem a Bíblia para dizer a  isto?
As  Escrituras têm muito que dizer sobre o sofrimento. Em primeiro lugar,  elas são muito definidas em dizer, como já observamos, que o sofrimento  entrou na raça humana depois que entrou o pecado. Espinhos e cardos  afetam a criação de Deus após a queda do homem, e estes espinhos e  cardos são de muitas espécies. Tristeza e sofrimento provêm do pecado; e  a morte, o cúmulo do mal humano, é o salário do pecado. Todas as  misérias de uma humanidade sofredora são esquadrinhadas, devassadas e  iluminadas pelas Escrituras. Na verdade, pode-se dizer realmente que  livro nenhum jamais espelhou a intensidade do sofrimento humano, sua  amplitude e universalidade, suas formas variadas, e suas desnorteantes  perplexidades, como o faz a Bíblia. Apesar disso tudo, não há desamparo  nem desespero na análise bíblica da situação humana. Ao contrário, um  veio de santa alegria percorre todas as páginas da revelação, e o último  assunto profetizado pelas Escrituras é uma nova criação, com novos céus  e nova terra, da qual o sofrimento e a dor serão banidos para sempre.  Mesmo enquanto o sofrimento se nos depara na terra, há também as  maravi¬lhosas promessas de Deus, que produzem esperança e geram vida.  Realismo nós encontramos em todas as páginas da Bíblia; pessimismo,  porém, nunca. "Todas as coisas contribuem juntamente pára o bem daqueles  que amam a Deus."
(Rom.  8:28). É promessa de Deus, e absoluta. No vale da sombra da morte, em  meio aos turbilhões e à chama, quando a doença golpeia o nosso corpo  mortal e este se debilita rumo ao túmulo, através dos estragos de  terremotos, enchentes e desastres, a Sua promessa permanece: "Quando  passares pelas águas estarei contigo, e quando pelos rios, eles não te  submergirão" (Is. 43:2). É isto que Deus se compromete a fazer. Ele  nunca deixará, nem abandonará os Seus.
É  certamente significativo que os homens de fé não exigem de Deus que  lhes justifique os Seus caminhos. Outro fator penetrou as vidas deles.  São homens que têm mentes e, assim, pensam nas coisas de modo racional.  Inevitavelmente fazem perguntas acerca do sofrimento. Lutam com o  problema que tal intromissão na criação torna urgente para eles. Mas não  culpam a Deus. Não exigem irritados que Deus explique ou defenda a Sua  conduta. 0 novel fator da fé tomou posse das suas vidas, e ele se  evidencia mais forte que o simples intelecto. Deus é real para eles —  mesmo no vale do sofrimento. Daí os ouvimos cantando mesmo ali. 0 vale  de Baca torna-se uma fonte. As assolaçoes desérticas são sobrepujadas  pelas melodias de uma sublime confiança em Deus. Eis aí Habacuque.  Ele enfrenta dias horríveis e duros. Que diz ele, porém? Ouçam-no: suas  palavras são contadas entre as mais nobres já proferidas por um mortal.
“...ainda  que a figueira não floresça, nem haja fruto na vide; o produto da  oliveira minta, e os campos não produzam mantimento; as ovelhas da  malhada sejam arrebatadas, e nos currais não haja vacas: Todavia eu me alegrarei no Senhor: exultarei no Deus da minha salvação” (Hab. 3 :17-18).
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