Amar  custa caro. O amor sempre inclui algum tipo de autonegação. Ele com  freqüência exige sofrimento. Mas o prazer cristão insiste em que o lucro  supera a dor. Ele afirma que há raros e maravilhosos espécimes de  alegria que florescem apenas no ambiente chuvoso do sofrimento. "A alma   não teria arco-íris se o olho não tivesse lágrimas." A cara alegria  do amor é ilustrada várias vezes em Hebreus 10-12. Veja esses três  exemplos:
Hebreus  10.32-35
Lembrai-vos,  porém, dos dias passados, em que, depois de serdes iluminados,  suportastes grande combate de aflições. Em parte fostes feitos  espetáculo com vitupérios e tribulações, e em parte fostes participantes  com os que assim foram tratados. Porque também vos compadecestes das  minhas prisões, e com alegria permitistes o roubo dos vossos  bens, sabendo que em vós mesmos tendes nos céus uma possessão melhor e  permanente. Não rejeiteis, pois, a vossa confiança, que tem grande e  avultado galardão.
Baseado  em minha pequena experiência com o sofrimento, eu não teria direito em  mim mesmo de dizer que algo assim é possível — aceitar com alegria o  saque dos bens. Mas a autoridade do prazer cristão não está em mim,  está na Bíblia. Não tenho o direito por mim mesmo de dizer: "Alegrai-vos  no fato de serdes participantes das aflições de Cristo" (IPe 4.13).  Pedro pode fazê-lo porque ele e os outros apóstolos foram torturados  por causa do evangelho e "retiraram-se da presença do conselho,  regozijando-se de terem sido julgados dignos de padecer afronta pelo  nome de Jesus" (At 5.41). 
Os  cristãos em Hebreus 10.32-35 obtiveram o direito de ensinar-nos sobre o  amor caro. A situação parece ter sido essa: nos primeiros dias da sua  conversão, alguns deles tinham sido presos por causa da fé. Os outros  tiveram de enfrentar uma decisão difícil: Devemos nos esconder e  permanecer "seguros", ou devemos visitar nossos irmãos e irmãs na prisão  e arriscar nossa vida e nossas propriedades? Eles escolheram o caminho  do amor e aceitaram pagar o preço. "Vocês participaram do sofrimento dos  prisioneiros. E, quando tiraram tudo o que vocês tinham, vocês  suportaram isso com alegria" (BLH).
Será  que eles saíram perdendo? De forma alguma. Eles perderam bens e ganharam  alegria! Eles aceitaram a perda com alegria. Em um sentido eles  negaram a Si mesmos. Mas em outro não. Eles escolheram o caminho da  alegria. É evidente que esses cristãos foram motivados para o ministério  na prisão da mesma maneira que os macedônios (cf. 2Co 8.1 -8) foram  motivados a ajudar os pobres. Sua alegria em Deus transbordou em amor  pelos outros. Eles olharam para sua própria vida e disseram: "A tua  benignidade é melhor do que a vida" (SL 63.3). Olharam para todas as  suas posses e disseram: "Temos uma propriedade no céu que é melhor e  dura mais que qualquer uma dessas" (v. 34). Depois olharam um para o  outro e disseram:
Se temos de perder Os filhos, bens, mulher,
Embora a vida vá,
Por nós Jesus está,
E dar-nos-á seu reino.
Martinho Lutero
Com alegria  eles "renunciaram a tudo quanto tinham" (Lc 14.33) e seguiram  Cristo para a prisão, para visitar seus irmãos e irmãs. O amor é o  transbordar da alegria em Deus que atende as necessidades dos outros.
Hebreus  11.24-26
Para  gravar bem a lição, o autor de Hebreus cita Moisés como exemplo desse  tipo de prazer cristão. Observe como a motivação é semelhante à dos  primeiros cristãos no capítulo 10.
Pela fé  Moisés, sendo já grande, recusou ser chamado filho da filha de Faraó,  escolhendo antes ser maltratado com o povo de Deus, do que por um pouco  de tempo ter o gozo do pecado; tendo por maiores riquezas o vitupério de  Cristo do que os tesouros do Egito; porque tinha em vista a recompensa.
Em  Hebreus 10.34 o autor disse que o anseio dos cristãos por uma  propriedade melhor e mais
duradoura transbordou  em amor feliz, que lhes custou suas propriedades. Aqui no capítulo 11,  Moisés é um herói para a igreja porque seu prazer na recompensa  prometida transbordou em tal alegria que considerou, em comparação, os  prazeres do Egito como lixo e dedicou se para sempre ao povo de Deus em  amor.
Nada  aqui trata de autonegação completa. Ele recebeu olhos para ver que os  prazeres do Egito eram "por um pouco de tempo", não eternos. Foi lhe  concedido ver que sofrer pela causa do Messias era "maior riqueza do que  os tesouros do Egito". Avaliando essas coisas, ele foi induzido a dar a  Si mesmo pelo esforço do prazer cristão — o amor. E ele passou o resto  dos seus dias canalizando a graça de Deus para o povo de Israel. Sua  alegria em Deus transbordou em uma vida de serviço a um povo  recalcitrante e carente. Ele escolheu o caminho da alegria máxima, não  dos "prazeres transitórios".
Hebreus  12.1, 2
Levantamos  acima a questão de o exemplo de Jesus contradizer ou não o princípio do  prazer cristão, ou seja, que o amor é o caminho da alegria e que  devemos escolhê-lo exatamente por essa razão, para não sermos  descobertos recusando obedecer ao Todo-poderoso ou enterrando o  privilégio de ser um canal da graça, ou desprezando a recompensa  prometida. Hebreus 12.2 parece dizer com muita clareza que Jesus não  contrariou esse princípio.
Portanto,  também nós, visto que temos a rodear-nos tão grande nuvem de  testemunhas, desembaraçando-nos de todo peso e do pecado que tenazmente  nos assedia, corramos com perseverança a carreira que nos está proposta,  olhando firmemente para o autor e consumador da fé, Jesus, o qual, em   troca da alegria que lhe estava proposta, suportou a cruz, não  fazendo caso da ignomínia, e está assentado à destra do trono de Deus.
O maior  esforço de amor jamais feito foi possível porque Jesus buscou a maior  alegria imaginável, que é a alegria de ser exaltado a direita de Deus na  assembléia do povo redimido. "... em troca da alegria que lhe estava  proposta, suportou a cruz!"
Em 1978  eu estava tentando explicar algumas dessas coisas a uma classe de  estudantes universitários. Como de costume, encontrei vários que eram  bem céticos. Um dos mais pensativos escreveu-me uma carta para expressar  seu desacordo. Como essa é uma das objeções mais sérias levantadas  contra o prazer cristão, creio que será útil para outros se eu  transcrever aqui a carta de Ronn e minha resposta. 
Dr.  Piper,
Discordo  da sua posição de que quem ama busca seu próprio prazer ou é por ele  motivado. Aceito que todos os exemplos que citou são verídicos: o senhor  mencionou muitos casos em que a alegria pessoal é aumentada e pode  até ser a motivação para alguém amar a Deus ou outra pessoa. Mas o  senhor não pode estabelecer uma doutrina sobre o fato de que algumas  evidências a sustentam, enquanto não puder mostrar que nenhuma evidência  a contradiz.
Dois exemplos do  segundo tipo: Imagine-se com Jesus no Getsêmani. Ele está para realizar o  supremo ato de amor de toda a história. Você anda até ele, decidido a  testar a posição que você tem em relação ao prazer cristão. Esse ato  supremo de amor não deveria proporcionar grande prazer, abundante  alegria? Todavia, o que é que você vê? Cristo está suando terrivelmente,  angustiado, chorando. Não é possível encontrar alegria em nenhum lugar.  Cristo está orando. Você o ouve perguntando a Deus se não há saída. Ele  diz a Deus que o ato iminente será difícil e doloroso ao extremo. Não  há um caminho divertido?
Graças a  Deus, Cristo escolheu o caminho difícil. Meu segundo exemplo não é  bíblico, apesar de poder ter tirado muitos outros dali. Você já ouviu  falar em Dorothy Day? É uma mulher muito idosa que dedicou sua vida a  amar os outros, em especial os pobres, deslocados, oprimidos. Sua  experiência de amar quando não havia alegria levou-a a dizer isso: "O  amor em
ação é algo doloroso e  assustador". Não tenho como não concordar com ela. Eu gostaria de saber  que resposta você dá a Ronn
Respondi  a Ronn na mesma semana, em dezembro de 1978. Dorothy Day já morreu, mas  preservarei as referências como eram na época. Por acaso, hoje tenho em  Ronn um amigo, alguém que pensa a fundo sobre a cosmovisão cristã.
Ronn,
Muito  obrigado por seu interesse em ter uma posição bem bíblica nessa questão  do prazer cristão — uma posição que faça justiça a todos os dados  disponíveis. Esse também é o meu objetivo. Assim, tenho de perguntar se  seus dois exemplos (Cristo no Getsêmani e Dorothy Day no serviço  doloroso do amor) contradizem ou
confirmam  minha posição.
1)  Vejamos primeiro o Getsêmani. Para que minha tese fique comprovada,  tenho de ser capaz de mostrar que, apesar do horror da cruz, a decisão  de Jesus de aceitá-la foi motivada por sua convicção de que esse caminho  lhe daria mais alegria do que o caminho da desobediência. Hebreus 12.2  diz "... em troca da alegria que lhe estava proposta, [Jesus] suportou a  cruz, não fazendo caso da ignomínia". Ao dizer isso, o escritor quer  citar Jesus como mais um exemplo, além dos santos de Hebreus 11, de uma  pessoa que anseia pela alegria que Deus proporciona e tem tanta certeza  de recebê-la que rejeita "o gozo do pecado", que dura "um pouco de  tempo" (Hb 11.25), para escolher ser maltratada para não deixar de  alinhar-se com a vontade de Deus. Por isso, não é errado dizer que o que  sustentou Cristo nas horas escuras do Getsemani foi a esperança da  alegria além da cruz.
Isso  não diminui a realidade e a grandeza do seu amor por nós, porque a  alegria em que ele esperava era conduzir muitos filhos à glória (Hb  2.10). Ele se alegra em nossa redenção, que redunda na glória de Deus.  Abandonar a cruz, e com isso a nós e a vontade do Pai, era uma  possibilidade tão horrível na mente de Cristo que ele a repeliu e  aceitou a morte.
Meu  artigo sobre "Satisfação insatisfeita", no entanto lera a esse artigo  que Ronn estava reagindo; seu conteúdo foi incorporado nesse capítulo],  propõe ainda mais: que em algum sentido muito profundo deve haver  alegria no próprio ato de amor, para que este possa agradar a Deus. Você  mostrou claramente que, para isso ser verdade no caso da morte de  Jesus, tem de haver uma diferença radical entre alegria e "diversão".  Todos nós sabemos que isso é verdade.
Não é  justo que você mude de dizer "não há um caminho divertido" no Getsemani  para "não é possível encontrar alegria em nenhum lugar". Eu sei que,  naqueles momentos em minha vida em que escolhi fazer as boas ações que  mais me custaram, senti (com e sob as feridas) uma alegria muito  profunda ao fazer o bem.
Eu  imagino que, quando Jesus se levantou da sua última oração no Getsêmani  com a decisão de morrer, fluiu por sua alma um sentimento glorioso de  triunfo sobre a tentação daquela noite. Não dissera ele: "A minha comida  é fazer a vontade daquele que me enviou e realizar a sua obra" (Jo  4.34)? Jesus gostava de fazer a vontade do Pai assim como nós gostamos  de comer. Terminar a obra do Pai era o que o alimentava; abandoná-la  seria escolher morrer de fome. Eu acho que houve alegria no Getsêmani  quando Jesus foi levado — não diversão, não prazer sensual, nem riso, na  verdade nada que esse mundo pode oferecer. Mas havia, no fundo do
coração  de Jesus, um sentimento bom de que sua ação estava agradando seu Pai, e  que a recompensa que viria superaria toda a dor. Esse sentimento  profundamente bom é o que capacitou Jesus a fazer por nós o que ele fez.  
(2)  Sobre Dorothy Day você afirma: "A experiência por que ela passou de amar  (os pobres, deslocados e oprimidos) quando não restava mais alegria  levou-a a dizer isto: 'O amor em ação é algo doloroso e assustador'".  Tentarei responder de duas formas. 
Primeiro,  não se precipite concluindo não existir alegria nas coisas "dolorosas e  assustadoras". Há alpinistas que passaram noites sem dormir escalando  montanhas e que perderam dedos das mãos e dos pés por causa das  temperaturas abaixo de zero, vivendo momentos horríveis para alcançar o  cume. Eles dizem: "Foi doloroso e assustador". Mas se você lhes  perguntar por que o fazem, a resposta sempre será esta: "Há uma alegria  na alma que proporciona uma sensação tão boa que compensa todo o  sofrimento".
Se isso  acontece com alpinistas, o mesmo não pode valer para o amor? Não é uma  prova de como somos mundanos em nossa tendência de sentir mais alegria  em escalar montanhas do que em superar os precipícios do desamor em  nossa vida e sociedade? Sim, o amor com freqüência é algo "doloroso e  assustador", mas não vejo como alguém que preza o que é bom e admira  Jesus pode deixar de sentir uma grande alegria quando (pela graça) pode  amar outra pessoa.
Agora  deixe-me abordar a situação de Dorothy Day de outra maneira. Imaginemos  que eu seja um dos pobres que ela está tentando ajudar com muito  esforço. Creio que poderíamos ter o seguinte diálogo: —Por que a senhora  está fazendo isso por mim, Miss Day?
—Porque  eu o amo.
—O que a senhora quer  dizer com "eu o amo"? Eu não tenho nada a oferecer.
Não sou  digno de amor.
—Pode ser. Mas não há  formulários a preencher para receber o meu amor.
Aprendi  isso de Jesus. O que quero dizer é que eu quero ajudá-lo porque Jesus  me
ajudou muito.
—Então a  senhora está tentando satisfazer seus anseios?
—Você  pode colocá-lo nesses termos. Um dos meus anseios mais profundos é
fazer  de você uma pessoa feliz e com propósito na vida.
—Incomoda  a senhora o fato de eu ser mais feliz e ter mais sentido na vida
desde  que a conheci?
—Deus o livre dessa  idéia! O que poderia fazer-me mais feliz?
—Então,  no fundo, a senhora passa todas essas noites aqui sem dormir pelo que
a deixa  feliz, não é verdade?
—Se eu disser que sim,  alguém poderia entender-me mal. Poderia pensar que no
fundo  eu não me importo com você, apenas comigo mesma.
—Mas,  pelo menos para mim, a senhora não concordaria?
—Sim,  para você eu digo: eu trabalho pelo que me dá a maior alegria: a sua
alegria.
—Obrigado.  Agora eu sei que a senhora me ama.
Nenhum comentário:
Postar um comentário