13 de jan. de 2011

A Arte da Comunhão Ricardo Barbosa de Sousa




Uma das reclamações mais freqüentes em nossas igrejas é a falta de amizades 
sinceras, amor verdadeiro, relacionamentos profundos. Podemos ter uma boa 
estrutura eclesiástica, boa doutrina,  boa música, bons programas, mas nada 
disto é suficiente para atender a necessidade humana de ser amado, aceito, 
acolhido, reconhecido e valorizado. Por um tempo, os programas ajudam a 
preencher este vazio, a música parece criar um clima saudável, o trabalho e a 
participação nos programas dão a sensação de que é disto que precisamos, 
porém mais cedo do que imaginamos, nos vemos de novo frustrados com a 
superficialidade afetiva, a hipocrisia dos que nos cercam, a ausência de 
amizades sinceras e profundas.  
A conversão é a transformação do “eu” solitário num “nós” comunitário. É o 
chamado para sermos amigos de Deus e dos nossos irmãos. As parábolas e 
imagens do reino glorioso de Cristo sempre envolvem mesas fartas, festas, 
multidão de todas as línguas, tribos, raças e nações; Paulo nos fala de uma 
nova família, um corpo; João nos fala de um rebanho e de uma cidade — 
essas imagens revelam que o reino de Deus é o lugar onde as pessoas se 
encontram na comunhão festiva com Cristo.  
Porém, para muitos, a igreja não tem sido este lugar; pelo contrário, tem sido 
um lugar de desilusão, frustração e solidão. Um lugar de mágoas, 
ressentimentos e traições. Sei que existem aqueles que se sentem acolhidos e 
amados em suas comunidades, mas esta  não é a regra geral. No entanto, 
mesmo os que se sentem bem nem sempre experimentam uma verdadeira 
comunhão de amizade e amor.  
Grande parte do fracasso na comunhão deve-se aos falsos ideais e às fantasias 
que projetamos. Para Bonhoeffer, a comunhão falha porque o cristão traz em 
sua bagagem “uma idéia bem definida de como deve ser a vida cristã em 
comum, e se empenhará por realizar  esta idéia... Qualquer ideal humano 
introduzido na comunhão cristã perturba a comunhão autêntica e há que ser 
eliminada, para que a comunhão autêntica possa sobreviver”. Para ele, o ideal 
que cada um traz para a igreja acaba sendo maior que a própria comunhão e 
termina destruindo-a.  
As imagens bíblicas de banquete, mesa farta cheia de amigos, nos ajudam a 
refletir melhor sobre o significado da comunhão e da amizade. Quem viu o 
filme ou leu o livro A Festa de Babette percebe isto. Babette chega a um vilarejo 
na Dinamarca fugida da guerra civil em Paris e emprega-se na casa de duas 
filhas de um rígido pastor luterano. As irmãs seguem à risca os rigores da sua 
fé pietista, que as proíbe de qualquer prazer na vida, sobretudo o material. Um 
dia, Babette descobre que ganhou um prêmio na loteria e, em vez de voltar 
para a França, onde havia sido uma exímia cozinheira em Paris, pede 
permissão para preparar um jantar em comemoração do centésimo aniversário 
do pastor.  
Sob o olhar suspeito das irmãs, Babette prepara o banquete. Durante o jantar, 
o sabor de cada prato, o aroma do vinho, o prazer de cada mordida, foi 
lentamente quebrando a frieza, demolindo as antigas mágoas e transformando 
aquela mesa num encontro de corações libertos. Quando terminou, uma das 
filhas, Philippa, assustada pelo fato de que Babette teria usado toda a fortuna 
da loteria naquele jantar, disse: “Não deveria ter gasto tudo o que tinha por 
nossa causa”. Depois de pensar um pouco, Babette respondeu: “Por sua 
causa?”, retrucou. “Não, foi por minha causa”. Depois disse: “Sou uma 
grande artista”. Após algum silêncio, Martine, a outra irmã, perguntou: “Então 
vai ser pobre o resto da vida, Babette”? Babette sorriu e disse: “Não, nunca 
vou ser pobre. Já lhes disse que sou uma grande artista. Uma grande artista 
nunca é pobre”.  
Comunhão e amizade é o trabalho de artistas. A riqueza de um artista nasce de 
sua capacidade de oferecer o melhor. Ao oferecer o melhor que podia, 
Babette abençoou a si e aqueles que provaram do seu dom. Na arte da 
construção da comunhão e da amizade, precisamos oferecer o que temos de 
melhor, seja uma boa refeição ou uma boa música, uma boa conversa ou um 
lindo sorriso. Não foi isto que Cristo fez?
Ricardo Barbosa de Sousa é pastor da Igreja Presbiteriana do 
Planalto e coordenador do Centro Cristão de Estudos, em 
Brasília. É autor de Janelas para a Vida e O Caminho do Coração. 

Fonte: Revista Ultimato, Edição 301, Julho-Agosto 2006. 

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