11 de dez. de 2010

Vergonha - John Piper


Embora a vergonha tenha estado na moda como diagnóstico predominante da disfunção emocional, suas raízes estão no fundo da condição humana, e o sofrimento que ela pode gerar é real. Se quisermos viver o tipo de vida livre e radicalmente amorosa e santa a que Cristo nos chama, precisamos compreender o lugar da vergonha e como combater seus efeitos aleijadores. Começamos por uma definição: A vergonha é uma emoção dolorosa causada pela consciência da culpa ou das deficiências ou da impropriédade.1 O sofrimento é causado não só por nossos fracassos, mas pela consciência de que os outros os vêem. Deixe-me ilustrar cada uma dessas causas.
Três causas da vergonha
Em primeiro lugar, considere a culpa uma das causas. Suponha que você agiu contra sua consciência e sonegou informações na declaração do imposto derenda. Durante alguns anos você não sente nada porque isso desapareceu da sua mente, e não foi pego. Então você é chamado pela Receita Federal para daresclarecimentos, e se torna de conhecimento público que você mentiu e roubou. Sua culpa se torna conhecida da igreja e dos funcionários e amigos. Agora à luz da censura pública você sente dor e vergonha.
Ou considere suas deficiências uma das causas. Nas Olimpíadas, suponha que você vem de um país em que você é ótimo na corrida de três mil metros, em comparação com seus compatriotas. Então você compete diante de milhares de pessoas, e a competição é tão difícil que na hora da última volta você está uma volta inteira atrás de todos os outros corredores, e precisa continuar corren­do sozinho diante dos olhos e das câmaras de todo o mundo. Aqui não há culpa. Você não fez nada errado. Mas, dependendo da sua atitude mental, a humilhação e a vergonha podem ser intensas.
Ou considere a impropriedade uma das causas. Você foi convidada para uma festa e descobre quando chega lá que se vestiu de forma totalmente inadequada. Novamente, não há mal ou culpa nisso. Só um fiasco social, uma impropriedade que faz você se sentir uma tola e toda sem jeito. Isso também é um tipo de vergonha.
Uma das coisas que saltam aos olhos nessa definição de vergonha é a existência de um tipo de vergonha justificado e o outro não. Há algumas situações em quea vergonha é exatamente o que devemos sentir. E há outras situações em que não devemos senti-la. A maioria das pessoas acha que o mentiroso e sonegadordeve se sentir envergonhado, E a maioria das pessoas provavelmente acha que o corre­dor que deu o seu melhor não deve se sentir envergonhado. O desapontamento seria saudável, mas não a vergonha.
Dois tipos de vergonha
Deixe-me ilustrar com base na Bíblia esses dois tipos de vergonha. A Bíblia deixa muito claro que há um tipo de vergonha que devemos sentir e um tipo de
vergonha que não devemos sentir. Vou chamar esta de "vergonha inapropriada' e aquela de "vergonha apropriada5. Como em tudo o mais que realmente im­porta, a questão central é como Deus se encaixa na experiência da vergonha.
Vergonha inapropriada
vergonha inapropriada (o tipo que não devemos sentir) é a vergonha sen­tida quando não há uma boa razão para senti-la. Biblicamente isso significa que a coisa de que você tem vergonha não desonra a Deus; ou que ela desonra a Deus, mas você não teve parte nela. Em outras palavras, a vergonha inapropria­da é a vergonha de algo bom — algo que não desonra a Deus. Ou é a vergonha por algo mau, mas em que você não teve parte pecaminosa. Esse é o tipo de vergonha que não devemos sentir.
Vergonha apropriada
vergonha apropriada (o tipo que devemos sentir)é a vergonha sentida quando há boas razões para senti-la. Biblicamente isso significa que nos senti­mos envergonhados de algo porque nosso envolvimento nisso foi desonroso para Deus, Devemos sentir vergonha quando temos parte em algo que desonra a Deus por nossas atitudes ou ações.
Quero me esforçar para ajudar você a ver como Deus é importante nessa distinção entre a vergonha inapropriada e a apropriada. O que faz toda a diferençaé se tivemos parte em algo que honrou a Deus ou o desonrou. Se quisermos combater a vergonha na raiz, precisaremos saber como ela se relaciona com Deus.Isso porque tanto a vergonha inapropriada quanto a apropriada podem nos aleijar se não sabemos como lidar com elas na raiz.
A consideração de textos bíblicos que ilustram a vergonha inapropriada e outros que ilustram a vergonha apropriada vai nos ajudar na luta. Precisamosver que estas são, de fato, categorias bíblicas. Nestes dias, quando a psicologia tem influência tremenda sobre a maneira em que usamos as palavras, precisamos ter certeza de que podemos analisar toda a linguagem sobre nossas emoções com formas bíblicas de pensar e falar. Se você aprendeu o uso da palavra "vergonha" da psicologia contemporânea, perceba que não a estou usando da mesma forma (v. nota 1). Você talvez ache que a Bíblia usa esse conceito de vergonha de maneira diferente da usada popularmente hoje. Tão logo você enxergue claramente os termos bíblicos, estará em condições de analisar a forma em que as pessoas con­temporâneas falam sobre vergonha.
Exemplos bíblicos de vergonha inapropriada
Paulo diz a Timóteo que se ele sente vergonha por testemunhar do evangelho, está sentindo uma vergonha inapropriada. "Portanto, não se envergonhe de teste­munhar do Senhor, nem de mim, que sou prisioneiro dele, mas suporte comigo os meus sofrimentos pelo evangelho, segundo o poder de Deus" (2Timóteo 1.8). Não devemos sentir vergonha do evangelho. Cristo é honrado quando falamos bem dele, E ele é desonrado pelo silêncio medroso. Portanto, não é algo vergonhoso testemunhar: vergonhoso é não testemunhar.
O mesmo versículo diz que se sentimos vergonha porque um amigo está na prisão por causa de Jesus, então nossa vergonha é inapropriada. O mundo talvezveja o encarceramento por Cristo como sinal de fraqueza ou derrota. Mas os cristãos sabem a verdade. Deus é honrado pela coragem dos servos que vão àprisão por causa do nome dele, se tiverem agido de forma correta e amável. Não devemos sentir vergonha de sermos identificados com algo que honra a Deus dessa forma, não importa quanto escárnio o mundo expresse contra nós.
Em um dito muito conhecido de Jesus, aprendemos que a vergonha é ina­propriada quando a sentimos em relação a quem Jesus é ou ao que diz: "Se alguém se envergonhar de mim e das minhas palavras nesta geração adúltera e pecadora, o Filho do homem se envergonhará dele quando vier na glória de seu Pai com os santos anjos" (Marcos 8.38). Por exemplo, se Jesus diz: "Amem seus inimigos", e outros riem disso e o consideram irrealista, não devemos nos sentir envergonha­dos. Se Jesus diz: "Não pratiquem imoralidade", e pessoas promíscuas taxam essa ordem algo fora de época, não devemos nos envergonhar em tomar partido de Jesus. Isso seria vergonha inapropriada por que as palavras dele são verdadeiras ehonram a Deus, não importa quão tolas o mundo queira fazê-las parecer.
O sofrimento, a rejeição e o escárnio por ser cristão não são ocasiões de ver­gonha, mas de glorificar a Deus. "Contudo, se sofre como cristão, não se enver­gonhe, mas glorifique a Deus por meio desse nome" (1 Pedro 4.16). Em outras palavras, na Bíblia o critério para a vergonha inapropriada e a apropriada não équão tolo ou mau você parece aos homens, mas se você dá ou não honra a Deus.
De quem é a honra que está em jogo?
É extremamente importante captar isso, porque muito do que nos faz sen­tir vergonha não é desonrar a Deus por nossas ações, mas deixar de dar a aparên­cia que outras pessoas admiram. Grande parte da nossa vergonha não está centrada em Deus, mas no eu. Enquanto não tivermos bom domínio sobre isso, não seremos capazes de combater o problema da vergonha na raiz.
Grande parte da vergonha cristã advém do que o homem sente e não do que Deus pensa. Mas se percebêssemos que a avaliação divina é infinitamentemais significativa que a de qualquer outra pessoa, não nos envergonharíamos de coisas tão maravilhosas que são até chamadas o poder de Deus: "Não me enver­gonho do evangelho, porque é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê: primeiro do judeu, depois do grego" (Romanos 1.16). Esse versículo nos dá mais uma razão pela qual envergonhar-se do evangelho seria inapropriado. O evangelho é o poder de Deus para a salvação. O evangelho exalta a Deus e humilha o homem. Ao mundo o evangelho não tem aparência alguma de poder. Parece fraqueza — pedir a pessoas que sejam como crianças e dizer-lhes que dependam de Jesus, em vez de se firmarem sobre os próprios pés. Mas para os que crêem, ele é o poder de Deus para dar aos pecadores a glória eterna.
Uma das razões pelas quais somos tentados a sentir vergonha até mesmo do poder de Jesus é que ele mostra seu poder de maneiras que o mundo não reconhe­ce poderosas. Jesus disse a Paulo em 2Coríntios 12.9: "Minha graça é suficiente para você, pois o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza", Paulo respondeu: "Por­tanto, eu me gloriarei ainda mais alegremente em minhas fraquezas, para que o poder de Cristo repouse em mim. Por isso, por amor de Cristo, regozijo-me nas fraquezas, nos insultos, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias. Pois, quando sou fraco é que sou forte" (2Coríntios 12.9,10). As fraquezas comuns e os insultos são motivos de vergonha. Mas para Paulo eles são motivos de exultação. Ele pensa que a vergonha das suas fraquezas e a vergonha por causa das per­seguições seriam inapropriadas. Por quê? Porque o poder de Cristo é aperfeiçoa­do na fraqueza de Paulo.
Concluo com base nisso — e de todos esses textos bíblicos — que o critério bíblico para a vergonha inapropriada está radicalmente centrado em Deus. O critério bíblico diz: Não sinta vergonha por algo que honra a Deus, não importa quão tolo ou fraco pareça aos olhos dos incrédulos. 

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