1 de dez. de 2010

O Benefício da Perseguição – João Calvino



Ainda não tendes resistido até ao sangue (Hb 12.4,5). O apóstolo agora dá um passo adiante e diz que quando os incrédulos nos perseguem por causa do Nome de Cristo, estamos lutando contra o pecado. Em tal disputa Cristo não pode entrar, porquanto ele era puro e livre de todo pecado. Neste aspecto não temos nenhuma semelhança com ele, visto que o pecado sempre habita em nós e as aflições servem para domesticá-lo e repeli-lo.

Primeiramente, sabemos que todo o mal presente no mundo, particularmente a própria morte, tem sua origem no pecado; mas o apóstolo não está tratando dessa questão aqui. Ele está apenas afirmando que as perseguições que suportamos por causa do evangelho nos beneficiam nessa outra direção também, e que elas são antídoto para destruir o pecado. Dessa forma Deus nos mantém sob o jugo de sua disciplina, a fim de que nossa carne não se desenfreie em licenciosidade. As vezes ele reprime os impetuosos, e às vezes ele pune nossos pecados com o fim de fazer-nos mais precavidos no futuro. Portanto, quer esteja curando nossos vícios, quer esteja prevenindo-nos de pecar, o fato é que ele está exercitando-nos na batalha contra o pecado que o apóstolo menciona. Aliás, o Filho de Deus nos presta essa honra, pois de forma alguma considera as coisas que sofremos por causa do evangelho como castigos pelo pecado. Todavia, devemos entender o que ouvimos aqui da parte do apóstolo, para que nos preocupemos e defendamos a causa de Cristo contra os ímpios, de tal forma como se travássemos guerra contra o próprio pecado, que é nosso inimigo interno. A graça de Deus para conosco é dupla, pois os antídotos que ele aplica para curar nossos vícios, os emprega com o fim de defender seu evangelho.

Tenhamos em mente o seguinte: que aqueles a quem o apóstolo se dirige aqui sofreram pacientemente a perda de seus bens e suportaram muitas humilhações. No entanto os acusa de indolência, porquanto entregavam-se ao cansaço em meio à jornada, e não prosseguiam valorosamente até à morte.

Não há razão para buscarmos da parte do Senhor alívio para nossa carga, seja qual for o serviço que realizemos, porque Cristo não dará aos seus soldados licença alguma, exceto àqueles que têm vencido a própria morte.

E já vos esquecestes. Leio essa cláusula na forma interrogativa. Ele está lhes perguntando se haviam esquecido, significando que ainda não era tempo de esquecer. Ele entra, aqui, na parte da doutrina que nos é indispensável para sermos disciplinados pela cruz. E com esse propósito em vista, ele faz referência ao testemunho de Salomão, que inclui duas partes: a primeira, que não devemos rejeitar a correção do Senhor; e na segunda, apresenta-se a razão, ou seja: o Senhor disciplina o objeto de seu amor. Visto que Salomão começa com a expressão: "filho meu", o apóstolo declara que devemos ser atraídos por essa mui terna e doce descrição, e que tal exortação encontra seu caminho nos recessos de nossos corações. Eis aqui o argumento de Salomão: se os açoites de Deus testificam de seu amor para conosco, então é improcedente que os odiemos ou nos agastemos por eles. Aqueles que não suportam a disciplina de Deus para sua salvação, ao contrário, rejeitam esse sinal de sua paternal benevolência, não passam de grandissíssimos ingratos.

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