19 de nov. de 2010

Sermão não é Comentário Ligeiro – Lloyd-Jones


Permitam-me dar-lhes outro ponto negativo. Alguns parecem pensar que a pregação consiste de um ligeiro comentário sobre uma passagem das Escrituras. Não estou dizendo que isso não tem seu legítimo lugar e função. Você toma um parágrafo e o comenta versículo por versículo numa espécie de comentário ligeiro. Isso não é pregação. Passa por pregação muitíssimas vezes, mas para mim é muito diferente da pregação. Ou, eis outro modo de expressá-lo: um homem pode tomar um versículo ou uma passagem, pode dar-lhes a sua exegese do texto, pode falar-lhes sobre o seu contexto, pode dar-lhes o significado das palavras, pode dividi-la e expô-la; entretanto continuo a dizer que não é pregação. Conheci um homem que, tanto no país de vocês como no nosso, era famoso como "preletor bíblico". Ele mesmo se chamava assim, e a expressão estava certa. Seu método era tomar um parágrafo das Escrituras, talvez um capítulo inteiro, muitas vezes todo um livro, e o analisava para você e lho dava em suas partes componentes. Num sentido técnico, o que ele fazia era um comentário ligeiro sobre uma seção ou sobre um livro, no curso do qual podia acrescentar ilustrações aqui e ali. E penso que isso é interessante e importante porque os seus livros eram muitos populares.

Eles tiveram influência em seu país e no nosso, no sentido de fazerem o povo pensar que pregação é isso. Naturalmente, o argumento era que esse método é mais bíblico, mas eu penso que foi uma falácia completa. E possível tratar das palavras das Escrituras e nunca chegar à doutrina. Esse preletor nunca tratou de doutrina, não tinha interesse pela teologia, e costumava dizer isso. Todavia, porque tratava o tempo todo da letra propriamente das Escrituras, pensava-se que ele era mais bíblico. A minha idéia de ser bíblico é expor a mensagem real, o tesouro das Escrituras. Não se deve ficar tão amarrado às palavras literais o tempo todo, mas certamente é o significado que importa, em última instância. Isso não quer dizer que não devemos interessar-nos pelo outro aspecto; devemos, todavia eu digo que a preleção bíblica fica aquém do ponto onde começa a verdadeira pregação. Eu poderia pôr a totalidade daquilo em minha introdução, e ainda não começar a pregar quando eles terminam.
Permitam-me colocá-lo doutra maneira: vocês fazem distinção entre um sermão e a pregação? Eu faço. E tenho a impressão de que uma parte do problema quanto à pregação é que as pessoas não reconhecem essa distinção.

Que é sermão? Qual é a diferença entre um sermão e uma preleção bíblica ou uma exposição de uma passagem? No meu modo de ver, é que o sermão é sempre um todo, uma entidade, uma mensagem. Vejam a frase utilizada pelo profeta, no Velho Testamento: "o fardo do Senhor". Para mim, a exposição das Escrituras não se torna sermão enquanto o que você estudou, exegetizou e explicou não tomar a forma de uma mensagem particular que leve a um fim particular.
Deixem-me dizer de passagem que sou um grande admirador dos puritanos e, numa medida mínima, talvez, fui responsável por um renovado interesse por eles na Grã-Bretanha. Mas os puritanos podem ser muito perigosos, do ponto de vista da pregação. Os puritanos eram primariamente mestres, em minha opinião, não pregadores. No púlpito constumavam analisar a sua passagem das Escrituras e, quando se lhes esgotava o tempo, diziam: bem, deixaremos aqui por ora, e o retomaremos na próxima vez. Para mim, ao dizerem isso, declaravam que não estavam pregando, porque não tinham esta forma, esta totalidade, esta mensagem completa. Acho muito difícil pôr isto em palavras, porém isto, para mim, é um ponto deveras vital entre uma exposição de uma passagem e um sermão. O preparo de um sermão é um processo que permeia o íntimo da mente, do coração e do espírito. Não sei como acontece, mas penso que posso ilustrar o que quero dizer. Lembro-me de como se fazia manteiga antigamente. Punha-se a nata numa desnatadeira. Entrava como nata, mas depois você girava a manivela ou punha um cavalo para acionar uma grande polia, e se desnatava e se desnatava até sair como manteiga. Nada se adicionava aos ingredientes, mas o que saía era diferente do que tinha entrado. Não era mais nata, era manteiga. Receio que isso é o mais perto que posso chegar do que seja dizer-lhes a diferença entre exposição, exegese, comentário e explicação do sentido das palavras, e um sermão. Os mesmos ingredientes, contudo resultando num fim diferente!

Agora devo acrescentar uma palavra de advertência neste ponto, penso - sem dúvida, eu mesmo preciso muito dela. Não sei se vocês leram um livro escrito por um homem chamado Edwin Hatch, que era um dignitário da Igreja da Inglaterra no século passado. Ele ministrou dois cursos de preleções famosas -as Preleções Bampton - tratando da natureza da Igreja do Novo Testamento e, a menos que a minha memória esteja falhando, por volta de 1888 ele pronunciou as Preleções Hibbert, nas quais tratou da influência do pensamento grego sobre a Igreja Cristã. Na última série de preleções, que vale a pena ler, ele afirma algo que me vem preocupando consideravelmente. Ele argumenta que a noção geral de pregação mudou no século segundo, e a sua tese é que a mudança ocorreu como resultado da influência grega. Vocês recordam como no século segundo a Igreja Cristã se lançou frontalmente contra o mundo grego, e os apologetas entraram em cena. Eles tinham que fazer isso, é claro, mas, de acordo com a teoria de Edwin Hatch, a influência grega teve grande efeito sobre a pregação cristã, e o efeito que teve, sustenta ele, foi que a pregação dos apóstolos e da Igreja Primitiva era uma espécie de pronunciamento profético inspirado, porém, devido à influência apologética que se introduziu e o desejo de apresentar o evangelho de um modo que não ofendesse a douta mente grega, a igreja passou a adotar, cada vez mais, a forma grega e, num sentido, a forma romana de discurso. A forma que tinha sido empregada pelos grandes retóricos da Grécia envolvia uma introdução premiliar do assunto, depois uma divisão da matéria, e finalmente uma conclusão. E o seu argumento é que esta veio a ser a forma do sermão do século segundo em diante, como resultado da influência grega.

Estou disposto a concordar que o que Hatch diz provavelmente é muito verdadeiro, mas isso me coloca num impasse. Creio intensamente no que ele denuncia idéia original da pregação. Para mim, isso é o que há de mais importante. Ao mesmo tempo, também acho que a forma não somente tem um lugar legítimo, e sim também, em certo sentido, é essencial, se se quer comunicar fielmente a verdade às pessoas. Vocês vêem, estamos sempre num estado de tensão. Como posso ter a forma e, todavia, evitar que me torne um preletor? Como posso ter esta forma que eu acho que o sermão deve ter, sem deixar que ele degenere, vindo a ser uma espécie de discurso geral? Bem, como essa delimitação, faço a minha asserção de que sempre devemos lembrar que o sermão deve ter esta forma e este fim, se há de funcionar de fato.

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